PUBLICADO EM 05 de abr de 2023
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A proposta de regra de gastos do governo federal

O governo anunciou sua proposta de regra para o crescimento das despesas federais em substituição ao famigerado “Teto de Gastos”. Vamos comentar alguns dos pontos principais da proposta que trata de assunto extremamente importante para o futuro da saúde pública, educação, segurança, infraestrutura, benefícios sociais e tantas outras necessidades dos brasileiros.

Desde 2017 está em vigor o Teto de Gastos, na forma de Emenda Constitucional proibindo que as despesas do governo aumentem mais do que a inflação. Essa regra, que buscou congelar o gasto do governo em termos reais, não se aplica, porém, às despesas com o pagamento dos juros da dívida pública, que podem crescer à vontade. O Teto, como muitos prognosticavam quando foi lançado pelo governo Temer, veio estrangulando os gastos sociais de natureza não obrigatória (como é o caso do pagamento de aposentadorias) apesar do crescimento da população requerer mais escolas, hospitais, postos de saúde, policiamento etc, e o crescimento econômico (mesmo pequeno) demandar mais energia, rodovias e outras infraestruturas.

Ao contrário do que havia sido prometido, o Teto de Gastos não fez com que a economia voltasse a crescer. Ele acabou sendo impraticável e foi furado várias vezes. De todo modo, impõe restrições tão fortes que o orçamento aprovado para 2023 zerava, na prática, as verbas para áreas absolutamente essenciais. Por exemplo, o orçamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a qualificação profissional não chega a R$ 30 milhões para todo o país.

Apesar do consenso em torno da falência do Teto de Gastos, continua sendo predominante o pensamento defendido pelos agentes do mercado financeiro de que é preciso limitar o crescimento das despesas para gerar um superávit entre receitas e despesas a ser utilizado na redução da dívida pública. Expressando essa visão, foi aprovada uma PEC da Transição que alterou o teto de gastos para remover o estrangulamento no orçamento de 2023 e previu que o governo Lula apresentasse uma nova regra que o substitua.

A proposta do governo permite que as despesas aumentem acima da inflação, acompanhando o crescimento da receita de impostos. Hoje, eventuais ganhos reais de arrecadação devem ir inteiramente para o pagamento dos credores da dívida pública. Em lugar disso, o governo propõe que até 70% dos ganhos de receita possam ser usados para custear as ações do estado, sendo que algumas despesas tais como as da saúde e do Fundo da Educação Básica, o FUNDEB, ficam de fora desse limite.

Outro ponto da proposta diz que, se o resultado entre receitas e despesas do governo (exceto juros da dívida) ficar acima da meta anual prevista no orçamento, a parte excedente poderá ser usada em investimentos públicos. Com base nisso há quem avalie que os investimentos poderão ser ampliados substancialmente nos próximos anos caso se concretizem as projeções de crescimento econômico e da receita tributária. Isso atenuaria o enorme déficit que o país tem na ampliação e renovação da sua infraestrutura econômica e social, com reflexos na geração de empregos.

Outra diferença que se destaca na proposta do governo, em relação ao atual Teto de Gastos, é que se garante um mínimo de aumento dos gastos públicos, de 0,6% ao ano, mesmo que as receitas não cresçam. Um aumento real das despesas, ainda que pequeno, ajuda a economia a se recuperar durante uma crise – no jargão econômico, é anticíclico, e assegura alguma ampliação do atendimento da sociedade independentemente de como andar a arrecadação de impostos. Por outro lado, se a economia andar bem e isso se refletir no recolhimento de impostos, os gastos não poderão ser aumentados mais do que 2,5% no ano – também anticíclico, só que na direção inversa. Para muitos analistas, esses limites mínimos e máximos continuam restritivos e podem causar problemas para o avanço social e econômico futuro.

Estes são alguns traços gerais e uma comparação inicial da proposta do governo contra a regra do garrote em vigor, ressalvando que ainda não se conhece os detalhes do projeto de lei que será encaminhado ao Congresso Nacional. Em termos muito gerais, a proposta revoga o Teto de Gastos na sua concepção de congelamento de despesas, mas estas não deixam de ter um limite de aumento, mais flexível e sensível às oscilações da economia e das necessidades da população.

Tendo em vista das gritantes carências acumuladas após seis anos de Teto, as garantias mínimas de gasto social poderiam ser ainda maiores para ajudar na plena retomada de políticas como as de valorização do salário mínimo, da habitação popular, dos investimentos em transporte, saneamento, meio ambiente, segurança, entre tantas outras áreas urgentes. Ainda mais que as condições para isso vão depender de uma combinação não assegurada até o momento, de crescimento econômico e das receitas do governo.

Clóvis Scherer, Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

 

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