PUBLICADO EM 13 de jul de 2021
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A nova geração de comunistas está levando o Chile a um futuro pós-Pinochet

Javiera Reyes, que tem 31 anos de idade, é a nova prefeita do município de Santiago de Lo Espejo, no Chile. “Eu cresci em uma casa onde Salvador Allende era sempre o cara bom,” ela nos contou, “e Augusto Pinochet era um tirano. Isso marcou minha vida.” O comentário de Reyes reflete as velhas divisões que convulsionaram a política do Chile desde o golpe de estado do general Augusto Pinochet contra o ex-presidente Salvador Allende, da coalisão Unidade Popular, em 11 de setembro de 1973.

Javiera Reyes Jara assume como prefeita de Lo Espejo. Foto: Salvador Saez A.

Por Vijay Prashad e Taroa Zúñiga Silva (People´s World)

Quase 50 anos se passaram e mesmo assim o Chile ainda é influenciado pelo legado desse golpe e da ditadura de Pinochet, que durou de 1973 a 1990. A eleição de maio de 2021, que impulsionou Reyes para o cargo de prefeita em Lo Espejo, também votou para uma nova Assembleia Constituinte, para reescrever a constituição da era Pinochet de 1980. A vitória de Reyes e os ganhos alcançados pela aliança de esquerda para moldar a nova constituição sugerem que é o legado de Allende que vai moldar o futuro, e não o de Pinochet.

Reyes é membro do Partido Comunista do Chile (PCCh, na sigla), o qual se enraizou profundamente na sociedade do Chile durante os últimos 109 anos. Um líder do PCCh – Daniel Jadue – vai ser o candidato da esquerda na eleição presidencial, que acontecerá em novembro de 2021. Jadue, como Reyes, é prefeito de um município na vasta cidade capital do Chile, Santiago (um terço dos 18 milhões de habitantes do Chile vivem lá). Na eleição de maio de 2021, ele foi reeleito para a prefeitura de Recoleta, que ele governa desde 2012.

“Há uma continuidade histórica na política [do PCCh],” Jadue nos contou, “com o mesmo horizonte – atualizado, é claro. Ninguém está pensando em assumir projetos estatistas [novamente] ou socialismo como ele foi tentado, mas há, indubitavelmente, uma continuidade histórica, e nós somos, de uma maneira ou de outra, participantes no sonho das pessoas que, nos anos de 1970, procuraram construir um País mais justo e que hoje procuram exatamente pela mesma coisa.”

Vote sem medo

Jadue lidera as pesquisas das eleições gerais de novembro de 2021 para substituir o presidente de direita do Chile, Sebastián Piñera. Até aqui, a imprensa já começou a reportar sobre várias posturas assumidas por Jadue durante sua vida, particularmente sua associação com o ativismo palestino nos anos de 1980.

A difamação de candidatos de esquerda se tornou parte do processo eleitoral na América Latina. A imprensa de extrema direita no Equador disse que o candidato para a presidência inclinado para a esquerda, Andrés Arauz, havia pegado dinheiro do grupo de guerrilha de esquerda colombiano, Exército de Libertação Nacional (ELN, na sigla). A imprensa de direita também reportou que o atual candidato presidencial do Peru, Pedro Castillo, que está liderando por uma margem estreita, era semelhante ao Sendero Luminoso, que é uma insurgência maoísta de guerrilha no Peru. Jadue rejeita essas afirmações feitas contra os candidatos de esquerda. Eu quero que todo o meu registro fique visível, porque eu não tenho nada para esconder,” disse Jadue, quando falou conosco.

Os comunistas participaram das eleições, que ocorreram em 15 e 16 de maio, sob o slogan “Vote sem Medo.” Esse slogan vem de uma longa história, que é parte do legado do partido. O PCCh foi proibido, e seus membros foram sujeitos a perseguição em três períodos: 1927-1931, 1948-1958 e 1973-1990. A ditadura de Pinochet matou milhares de comunistas, incluindo muitos dos principais líderes. Uma faixa da sociedade do Chile foi agarrada pelo medo provocado pelo socialismo de Allende, que era essencialmente um resultado do ódio cultivado durante a ditadura de Pinochet. Mesmo hoje, anos depois, ainda é preciso coragem para ficar com os comunistas.

O medo do comunismo tem diminuído, Reyes nos disse, porque os oficiais eleitos do PCCh têm mostrado sua eficiência de constituintes e compaixão através de sua governança. A Recoleta de Jadue se tornou uma vitrine, com uma farmácia municipal, loja ótica, livraria e loja de discos, universidade aberta e projetos imobiliários operando sem qualquer lucro, sob a visão de Jadue como o prefeito do município.

Javiera Reyes diz que seu comunismo é enraizado em sua “concepção de um governo municipal que começa com a universalização de direitos e a capacidade de criar condições para uma vida boa.” O projeto de socialismo municipal começa com “saúde, educação e espaços comuns”, diz Reyes. É um projeto que é “democrático e aberto para a comunidade.”

Diferente dos prefeitos de direita do Chile, os prefeitos comunistas em Santiago, como Reyes, Jadue e Iraci Hassler (que foi eleita em maio de 2020 para a prefeitura do Centro de Santiago) põe o papel da mulher no centro de suas políticas, incluindo mecanismos para enfrentar a violência contra as mulheres. Eles querem criar uma sociedade sem medo, no sentido mais amplo possível.

Revolução Pinguim

Em 2006, estudantes através do Chile protestaram contra a privatização da educação. Sua luta de massa foi chamada a “Revolução Pinguim”, por causa de seus uniformes de escola branco e pretos. “A Revolução Pinguim, em 2006, foi minha primeira [introdução] política,” Reyes nos contou. Ambas Reyes e Hassler participaram dos protestos massivos, em 2011 e 2013, sobre as desigualdades, que marcaram a educação secundária e universitária no País. Reyes se juntou ao PCCh durante esse período. Outros estudantes que são atualmente políticos chilenos, como Camila Vallejo e Karol Cariola, assim como Hassler, já eram comunistas.

Protestos estudantis vieram junto com manifestações e greves de trabalhadores de todos os setores. Seus protestos sacudiram os consensos da elite, que desde do outono de Pinochet, em 1990, não tinham tentado escrever uma nova constituição para o País ou se preocupado em formular um caminho para fora da sufocação neoliberal.

Em outubro de 2019, estudantes do ensino médio protestaram contra o aumento das tarifas de transporte público. Essa onda de protestos, que ainda continua, começou a definir a vida política do Chile. Com o slogan, “Não são 30 pesos, são 30 anos”, os estudantes destacaram a necessidade de uma nova constituição.

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Protestos em Santiago, Chile, 2019. Foto: Carlos Figueroa

Um novo Chile

O Chile tem a menor taxa de participação eleitoral na América Latina. Depois de 17 anos de ditadura, a confiança nas estruturas do Estado tinha praticamente desaparecido. Votar era compulsório até 2009, embora o registro para votar não fosse compulsório. Os jovens não se registravam no serviço eleitoral (Servel). A demanda por uma nova constituição foi um chamado para acordar para a juventude. Dados mostram que mais da metade dos jovens do Chile entre 18 e 29 anos de idade votaram na eleição, com as mulheres constituindo 52,9% dos eleitores.

As mulheres e os jovens vão moldar a Assembleia Constituinte, assim como as mulheres e as jovens mulheres em particular – como Reyes e Hassler – assumiram os cargos de prefeitos. A Assembleia Constituinte de 155 membros é preenchida por jovens como Reyes e Hassler, uma considerável seção da esquerda. A direita não foi capaz de vencer um terço da Assembleia, o que os daria poder de veto. Isso significa que a nova constituição, que vai ser elaborada nos próximos nove meses, vai ter um caráter progressista.

Em 18 de julho, Jadue encara uma primária contra Gabriel Boric, outro líder estudantil e agora um líder da Frente Ampla. Todas as indicações sugerem que Jadue vai prevalecer sobre Boric e então encontrar os candidatos da direita em novembro. Ele vai ser o terceiro comunista a concorrer para presidente, seguindo Elías Lafertte Gaviño (1931 e 1932) e Gladys Marín (1999). Se as pesquisas forem precisas, Jadue vai ser o primeiro comunista presidente do Chile.

Fonte: People´s World 

Tradução: Luciana Cristina Ruy

Esse artigo foi produzido por Globetrotter.

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