A presença das mulheres em greves, como na luta social em geral, sempre foi intensa – agora, na greve que ocorrerá em 14 de junho e há um século, na greve de 1917.
A grande greve de 1917 (lembrada no artigo “1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias”, de Camilla Costa, publicado na BBC Brasil, em 28 abril 2017) é um dos exemplos históricos dessa luta.
As mulheres estiveram na linha de frente, por vários motivos. Um deles era a luta por melhores salários e por uma jornada de trabalho menor – não havia lei que a regulamentasse, podendo chegar a 16 horas diárias, sem mudança no salário. As tecelagens de então contratavam mulheres e crianças para pagar salários inferiores aos dos homens. E havia também o asssédio sexual, frequente, por parte dos chefes, provocando protestos frequentes das mulheres.
Aquela greve, que ficou na história, começou em 9 de junho de 1917 – há 102 anos, portanto -, quando cerca de 400 operários do Cotonifício Crespi, na Mooca, em São Paulo, na maioria mulheres, pararam, reivindicando aumento salarial de 15 a 20%, jornada de trabalho menor e protestando contra o mau tratamento principalmente às mulheres.
Rapidamente a greve envolveu outros setores da economia e se espalhou pela cidade de São Paulo e por todo o estado.
A greve cresceu sobretudo depois que, em julho, a repressão policial matou a tiros o sapateiro José Martinez, de 21 anos de idade. No dia 11 de julho milhares de pessoas pararam São Paulo para acompanhar seu enterro. “A partir daí, a greve se alastrou para quase todas as cidades do interior de São Paulo. Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba, Ribeirão Preto. Até Poços de Caldas, no sul de Minas, que não era uma cidade industrial, teve movimentos de greve”, diz o historiador Luigi Biondi, da Unifesp.
Depois, espalhou-se pelo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e outros estados. Foi a primeira greve geral no Brasil. que ocorreu décadas antes da existência da legilação trabalhista, o que só aconteceu depois da revolução anti-oligárquica de 1930, sendo compilada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943 – e que está sob grave ameaça desde que entrou em vigor a reforma trabalhista do golpista Michel Temer, em 11 de novembro de 2017.
O historiador Claudio Batalha, da Unicamp, ensina parte da revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi era contra o assédio sexual. Segundo ele, “greves anteriores já haviam começado contra determinado funcionário que tivesse um cargo de chefia e tirasse proveito desse poder”. Havia também a inflação cresente, que corroia o poder de compra das famílias operárias comprometendo seu sustento, quase sempre controlados pela smulheres, às quais cabia, frequntemente controlar os gastos das famílias.
“Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia”, diz Luigi Biondi.
Mais de um mês após o início da greve, em 16 de julho, um comitê formado por jornalistas mediou um acordo entre autoridades, sindicatos e patrões para tentar por fim à greve em São Paulo.
“Só em São Paulo a greve de fato terminou com uma negociação única. No Rio e em Porto Alegre, os movimentos tiveram dimensões gerais, mas só terminaram na medida em que cada setor chegava a um acordo com seu patronato. O ritmo de saída da greve foi aos poucos, assim como a adesão”, explica Cláudio Batalha.
A greve de 1917, diz o historiador Bóris Fausto, foi a primeira em que o operariado fabril teve papel dirigente de destaque. As greves anteriores, embora muito intensas, envolviam sobretudo artesãos semi-proletários – aqueles que, embora vendendo sua força de trabalho, eram donos também de suas ferramentas e alguns meios e produção, diferentemente dos operários estrito senso, donos apenas de a força de trabalho que vendiam por salário no mercado de trabalho.
Cláudio Batalha lembra também que o acordo só surgiu depois que “a greve atingiu dimensões tais que não tinha mais como controlar o movimento”.
“A primeira tentativa de lidar com a greve foi de repressão. Essa era a tônica do período, tanto que houve mortes. Parte do processo de ampliação da greve, inclusive, se deveu a essas mortes.”
No próximo dia 14 – que será uma sexta- feira – o Brasil vai parar em defesa dos direitos amaçados desde o golpe de 2016, ameaça acentuada pelas políticas postas em prática pelo governo direitista de Jair Bolsonaro. Direitos conquistados à custa de lutas intensas como foi a greve de 1917.
No dia 14 de junho, liderado unitariamente por dez centrais sindicais (CTB, CUT, Força Sindical, CGTB, CSB, , CSP-Conlutas, Intersindical – Central, Intersindical – Instrumento de Luta, Nova Central e UGT), o povo e os trabalhadores lutarão em defesa da aposentadoria, da previdência pública, da educação pública e gratuita, e contra o desemprego. Será uma grande greve geral em defesa pela aposentadoria, emprego e educação.
O movimento do dia 14 vem na sequência de uma série crescente de ações contra as nocivas políticas de Jair Bolsonaro – o Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência, em 22 de março; os atos unitários do Dia dos Trabalhadores; as manifestações em defesa da educação, em 15 e 30 de maio – movimentos que se somarão à greve geral do dia 14 de junho, “num ciclo de crescentes mobilizações do povo na luta por seus direitos”, diz a nota da Comissão Política Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) divulgada nesta segunda-feira (3), que afirma também ser a “greve geral, uma jornada de imensa importância nessa conjuntura em que a agenda do governo Bolsonaro ataca a democracia, avilta a soberania nacional e corta direitos trabalhistas, sociais, culturais e econômicos do povo”.
José Carlos Ruy é jornalista, escritor e colunista do Portal Vermelho