Com a desconstrução e demonização programadas da Política (o que em si também é um ato político), o Brasil foi arremessado em um perigoso vácuo do pensamento, fazendo com que as pessoas deixassem de analisar os fatos e, consequentemente, participarem do jogo democrático para construção políticas públicas no sentido do bem-estar social e passaram a reproduzir conceitos distorcidos, muito distantes do que se está em pauta no Congresso Nacional, onde se definem as regras sociais do país.
Paradoxalmente, a partir da propagação em massa da negação da Política o povo passou a acreditar que estava fazendo política. Assim, gradativamente, perde-se ainda mais o lastro com a realidade. A maior expressão dessa desconexão com o palpável se refletiu no anseio de mudança, como capaz de equalizar todos os desequilíbrios sociais.
Da abstração à prática. Em 2017, o governo Temer encaminhou ao Congresso a proposta para uma Reforma Trabalhista. O argumento condutor para as alterações alicerçava-se que o Brasil precisaria modernizar suas relações trabalhistas para geração novos empregos.
O povo, distante de compreender o teor das propostas da Reforma Trabalhista, mas explicando a vida pelo arrocho cotidiano, considerou a questão como a solução final para ampliar a renda em seus lares. O grande problema é que, em política, nem sempre reformar é sinônimo de melhorar. Há muitos interesses que permeiam reformas profundas na legislação.
Sob este ambiente de simplistas compreensões, a Reforma Trabalhista foi aprovada no Congresso Nacional. E, com ela, consequências como a legalização do trabalho intermitente (contratação por horas) e terceirização permitida em todos os setores da produção. Medidas que não geraram postos de trabalho suficientes, seguem promovendo o achatamento do poder aquisitivo e ampliando a informalidade direta e velada, com um estímulo indireto de contratações por meio de emissão de notas (pejotição).
A Reforma Trabalhista não gerou empregos, mas promoveu o desmonte dos direitos trabalhistas, condições mínimas civilizatórias frente à sonhada máxima exploração dos despossuídos, que nada tem, a não ser a possibilidade de vender sua força de trabalho.
O achatamento da classe trabalhadora poderá ainda ser mais agressivo. Também sob o argumento da geração de novos postos de trabalho, o novo governo sinaliza reduzir ou extinguir direitos como o 13º salário. Com tanto desemprego, mais uma vez, grande parte da população deixa discutir o fato e suas consequências, depositando suas esperanças em uma solução sem conexão com a realidade.
A máxima exploração da força de trabalho, que ainda não foi implantada em sua plenitude, impactará significativamente na renda dos cidadãos e, consequentemente, no consumo, reverberando negativamente em todo sistema. O mercado depende de consumidores, porém, como consumir se os vencimentos restringem-se à sobrevivência básica?
A Reforma Trabalhista representa uma ilustração de que os fatos se perderam no vácuo de pensamentos simplistas, milimetricamente projetados para atender interesses de pequenas castas sociais, enquanto o povo pensa estar caminhando para a modernidade, o consumo, ao desenvolvimento da nação.
Uma nova Reforma, a da Previdência, está na esteira do Congresso. Não se discute com a sociedade os pontos desta Reforma e suas consequências com as alterações nas regras para as concessões de aposentadorias e de benefícios que representam amparos sociais aos que estão à margem do sistema produtivo. Novamente, o argumento é de que todas as para o desenvolvimento do país e a solução dos desequilíbrios sociais dependem da aprovação da “Nova Previdência”.
Com abstração distante e entretidos com soluções simplistas, a população somente compreenderá os efeitos da Reforma Trabalhista com a realidade prática, no dia a dia, em xícaras de arroz. O mesmo efeito tende a acontecer com a Reforma da Previdência.
Em detrimento da dura solidez de aprovação de regras que alteram e alterarão profundamente o futuro da grande maioria da população, segue o país sendo construído com o fato desmanchando-se no ar. É o Brasil sendo construído em alicerces de argumentos vazios, que gerarão consequências trágicas, e sólidas.
Ricardo Flaitt é assessor de imprensa do Sindicato Nacional dos Aposentados.