Quer já tenhamos ou não evidências suficientes para iniciar um impeachment de Trump –a meu ver, temos, sim—, vamos descobrir o que o procurador especial, Robert Mueller, encontrou, mesmo que a investigação dele seja encerrada antes de concluir.
Um número importante de candidatos republicanos não quis se posicionar ao lado de Trump nas eleições de 2018, e o resultado dessas eleições não reforçou a posição do presidente dentro de seu partido. Seu status político, que já era fraco havia algum tempo, está despencando vertiginosamente.
As eleições legislativas foram seguidas por novas revelações nas investigações criminais sobre assessores antes muito próximos ao presidente, além de novos escândalos envolvendo o próprio Donald Trump.
O fedor de corrupção política envolvendo o presidente –e possivelmente afetando sua política externa— se intensificou. E os acontecimentos dos últimos dias imbuíram muitos republicanos de um novo sentimento de alarme: a decisão precipitada do presidente de retirar as tropas americanas da Síria, a renúncia repentina do secretário de Defesa Jim Mattis, o desmaio do mercado acionário, a paralisação sem sentido de partes do governo.
A palavra “impeachment” tem sido aventada de modo indiscriminado. O impeachment frívolo do presidente Bill Clinton ajudou a fazer com que a medida fosse vista como uma forma de vingança política. Mas o impeachment é algo muito mais grave e importante que isso; ele exerce um papel crítico no funcionamento de nossa democracia.
O impeachment foi o método escolhido pelos fundadores dos EUA para obrigar um presidente a prestar contas de seus atos entre uma eleição e outra. Determinados a evitar a instauração de governantes que atuassem como reis na prática, eles colocaram a decisão sobre se um presidente deve ou não ser autorizado a continuar em seu papel nas mãos dos representantes do povo que o elegeu.
Os fundadores entendiam que a revogação dos resultados de uma eleição presidencial é algo que precisa ser abordado com muito cuidado e que era preciso evitar que esse poder fosse utilizado como exercício de partidarismo ou por uma facção. Assim, eles incluíram na Constituição regras que tornam extremamente difícil para o Congresso tirar um presidente do poder, incluindo a exigência de que, depois de a Câmara ter votado pelo impeachment, o Senado precisa julgar o pedido, sendo necessários os votos de dois terços dos senadores para que o presidente seja condenado.
Uma coisa que acaba sendo esquecida na discussão sobre os possíveis delitos cometidos por Trump está o fato de que o impeachment não foi criado para lidar unicamente com crimes. Em 1974, por exemplo, o Comitê Judiciário da Câmara acusou Richard Nixon de, entre outras coisas, ter abusado de seu poder, usando a Receita americana contra seus adversários políticos.
O Comitê também responsabilizou o presidente por delitos cometidos por seus assessores e por ter deixado de honrar o juramento presidencial, segundo o qual o presidente precisa “assegurar a execução fiel das leis”.
A crise presidencial atual parece ter apenas duas saídas possíveis. Se Trump achar que ele e membros de sua família poderão ser acusados de crimes, ele pode se sentir encurralado. Com isso, ele teria duas escolhas: renunciar à Presidência ou tentar combater seu afastamento pelo Congresso. Mas a segunda alternativa seria altamente arriscada.
Não compartilho a visão convencional segundo a qual, se Trump sofrer impeachment pela Câmara, o Senado de maioria republicano jamais reuniria os 67 votos que seriam necessários para condená-lo.
A inércia diria que seria esse o caso, mas a situação atual, que já está se alterando, terá sido ultrapassada há muito tempo quando os senadores tiverem que enfrentar essa questão. Republicanos que no passado foram aliados firmes de Trump já criticaram abertamente alguns dos atos recentes do presidente, incluindo seu apoio à Arábia Saudita a despeito do assassinato de Jamal Khashoggi e sua decisão sobre a Síria. Além disso, deploraram abertamente a saída de Mattis.
Sempre me pareceu que a turbulenta Presidência de Trump é insustentável e que republicanos chaves acabariam por decidir que ele virou um ônus excessivo para seu partido ou um perigo grande demais para o país. É possível que esse momento já tenha chegado.
No fim, os republicanos vão optar por sua própria sobrevivência política. Praticamente desde o início, alguns senadores republicanos especularam quanto tempo duraria a Presidência de Trump. Alguns devem certamente ter observado que sua base não saiu vencedora nas eleições parlamentares recentes.
Mas é muito possível que não cheguemos a uma votação no Senado. Confrontado com uma série de possibilidades impalatáveis, incluindo a de ser indiciado criminalmente depois de deixar a Presidência, Trump vai procurar uma saída.
Vale relembrar que Nixon renunciou sem ter sido condenado nem destituído por impeachment. Estava claro que a Câmara ia abrir um processo contra ele, e Nixon fora avisado por republicanos que sua base de apoio no Senado tinha desmoronado. É muito possível que Trump demonstre um instinto semelhante de autopreservação. Mas, como Nixon, ele vai querer proteções legais futuras.
Richard Nixon foi perdoado pelo presidente Gerald Ford, e, apesar das desconfianças, nunca surgiram provas de manipulação. Embora o caso de Trump seja mais complexo que o de Nixon, o perigo evidente de se conservar no poder um presidente que está fora de controle pode muito bem levar políticos de ambos os partidos, não sem algumas controvérsias, a fechar um acordo para afastá-lo.
Fonte: Folha SP
THE NEW YORK TIMES
Elizabeth Drew é uma jornalista política que foi correspondente em Washington da revista The New Yorker e escreveu o livro “Washington Journal: Reporting Watergate and Richard Nixon’s Downfall”. Tradução de Clara Allain