PUBLICADO EM 29 de jan de 2020
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Sizue, a doçura na resistência

Perdemos a Sizue. A eficiente, silenciosa e doce Sizue Imanishi foi vencida pelo câncer no dia 25 de janeiro.

Ainda recentemente, Sizue esteve em São Paulo, em 12 de outubro de 2019, para recontar sua participação na Oposição Metalúrgica de São Paulo e no Jornal dos Jornais (i), como parte do Grande Encontro, realizado no Sindicato dos Eletricitários. Foi o ponto alto do ciclo de atividades de dois meses que percorreu as regiões industriais da capital paulista, sob a bandeira A saga da oposição- 40 anos da Greve Geral Metalúrgica de 1979, organizada pelo Projeto Memória da OSM-SP e pelo IIEP.

Sizue veio sem alarde, mas em grande estilo, acompanhada pelos amigos de sempre Téia Magalhães e Roldão Arruda. E mais o companheiro de vida toda, Raimundo Pereira. A turma do jornal Movimento, que apoiou por mais de quatro anos a feitura do Jornal dos Jornais (JJ). Falaram na mesa A imprensa operária na resistência à ditadura. Roldão teve o carinho de trazer cópia de exemplares do Assuntos, uma tentativa do pessoal do Movimento junto com lideranças da Oposição Metalúrgica e de movimentos populares de fazer um jornal que reportasse e contribuísse com as lutas nos bairros e nas fábricas

A maioria dos metalúrgicos e militantes soube só em 2019 dos bastidores da “redação” do Jornal dos Jornais iniciado na onda das greves operarias que emergiram de 1978. E soube pelas palavras de Sizue, Roldão e Raimundo.

O jornal dos jornais e a imprensa da esquerda

O pessoal da OSM-SP foi ao Em tempo e ao Movimento (ii) pedir autorização para usar o endereço e o espaço para fazer o jornal. Na prática, acabou sendo no Movimento, que fechava aos sábados à noite, sob a batuta do Raimundo. A turma do Jornal dos Jornais acampava numa mesa e, ideias na cabeça, tesoura e cola nas mãos, fazia o jornal de recortes que na segunda de madrugada ia escorregar para dentro das fábricas metalúrgicas e de outras empresas próximas. O Raimundo Pereira tinha a paciência de escrever à mão uma pequena crítica sobre o Jornal, talvez inaugurando o que depois chamariam de “ombudsman”.

No final dos anos 70, com a derrocada da ditadura, aparece pro grande público a (chamada) imprensa alternativa. Todo mundo lança um jornal. Pela esquerda , entre outros, aparecem Versus, Em tempo, Companheiro, Tribuna da luta operária, O trabalho. Circulavam bem no meio militante e na opinião “à esquerda”, mas tinham pouca circulação nas fábricas, locais de trabalho e nos bairros. Num meio de intensa disputa política e de projetos para o pais, cada um trabalhava o seu jornal, na velha e boa tradição do “ jornal como organizador político”.

O Jornal do Jornais não disputava A LINHA POLÍTICA. Levava informação crítica no formato A4 (era um A3 dobrado ao meio) preto e branco, papel jornal, 4 páginas. O grupo de operari@s do que ficou conhecido como MOSM-SP, junto com algumas amigas que a Sizue arregimentava ( Saudades da Ely Menna Barreto que também se foi, da Elzinha Gontijo, do Marquinhos- Marcos Aurélio Pessoa diagramador que azafamado dava uma força para melhorar a apresentação do JJ), selecionava as matérias interessantes dos jornais burgueses e da esquerda e cortava impiedosamente para caber no pequeno espaço. Se apropriava das melhores charges e inventava títulos e subtítulos. Toda a semana, sábado à noite, por quatro anos e meio. Nesse período, Sizue também acompanhava semanalmente as reuniões no chamado Comitê do Aurélio, no Socorro-Santo Amaro. Simples, a turma que ali se reunia iria apoiar a dobradinha dos “deputados populares” Aurélio e Irma Passoni. O pessoal do MOSM-SP estava noutra. Em 1981, nas eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a Oposição lança uma chapa encabeçada por Waldemar Rossi. O deputado Aurélio Peres encabeça outra. Essas opções diferentes nunca interferiram na continuidade do Jornal dos Jornais.

No início, o JJ era de duas páginas A4 impressas e grampeadas. Bem simples mesmo. Mas a Sizue e o Raimundo (e mais alguém do Movimento ? Acredito que sim) descolaram primeiro um centro acadêmico para rodar o jornal e depois, miracolo!, uma gráfica profissional de uma grande empresa que entregava o material rodado no domingo pros militantes levarem para as regiões (São Paulo é muito grande pra quem não tem carro próprio). No começo, quem buscava ficava meio cismado porque os gráficos eliminavam qualquer vestígio da rodagem do material e tinham um jeito meio brincalhão de participar da conspiração, comandados pelo sempre solidário gerente Eduardo Barbosa.

O momento político de disputa de projetos

No meio das definições e das disputas políticas: a luta pela Anistia ampla geral e irrestrita. Em qual Partido entrar ou criar um partido? Manter a unidade do sindicalismo com os pelegos ou criar uma Central sindical? Como construir o movimento negro unificado? Como as mulheres do movimento operário e popular fariam para ter voz e representação no movimento de mulheres? Como juntar as lutas operárias e do campo?

Grandes questões que absorviam a energia dos que se opuseram e queriam enterrar a ditadura. E a velocidade da rearticulação dos movimentos era estonteante. Foi um período de ascenso das lutas, até que a burguesia, que marotamente prolongava a transição, retomasse as rédeas. Para eles, do capital, era fundamental não ter ruptura. O Jornal dos Jornais era muito classista, pelo socialismo, internacionalista e avesso a qualquer transição pactuada com os ideólogos burgueses. Contribuiu para que a informação crítica, de esquerda, chegasse a quem não lia e não leria jornal. Do Custo de Vida à disputa URSS X China, dos assassinatos no campo à Revolução Nicaraguense, da luta por creches na periferia à greve na Fiat da Itália, do filme Pixote à greve do Solidarnosc, na Polônia, do julgamento do médico Shibata por cooperar com a tortura à luta dos operários franceses. Informação básica, ampla, estimulando o interesse e a participação política.

Na rearticulação política do início dos 80, os participantes do JJ foram para outras tarefas e outras formas de militância. O Jornal dos Jornais inspira a publicação da Resenha – uma coleta de matérias completas e de análises com muitas páginas – e, posteriormente da Quinzena (86 -2002), no mesmo formato, produzido pelo ( antigo) CPV.

Sizue foi como centenas ou milhares de pessoas que militaram silenciosa e eficientemente nas lutas operárias e populares. Quem a conheceu relata N atividades em que esteve com ela. Fica o exemplo e nosso respeito e carinho.

Sebastião Neto
_secretaria@iiep.org.br

Esse texto foi possível graças às trocas de memórias com os militantes do MOSM-SP, Jorge Preto e José Costa Prado, que foi quem mais trabalhou com a Sizue no Jornal dos Jornais.

Notas
(i) O nome Jornal dos jornais foi decalcado literalmente da coluna “Jornal do jornal”, de Alberto Dines. Foi recortado do Jornal do Brasil e colocado num plural malandro.

(ii) O Movimento e o Em tempo foram dois importantes jornais da esquerda no final dos anos 70.

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