Ainda recentemente, Sizue esteve em São Paulo, em 12 de outubro de 2019, para recontar sua participação na Oposição Metalúrgica de São Paulo e no Jornal dos Jornais (i), como parte do Grande Encontro, realizado no Sindicato dos Eletricitários. Foi o ponto alto do ciclo de atividades de dois meses que percorreu as regiões industriais da capital paulista, sob a bandeira A saga da oposição- 40 anos da Greve Geral Metalúrgica de 1979, organizada pelo Projeto Memória da OSM-SP e pelo IIEP.
Sizue veio sem alarde, mas em grande estilo, acompanhada pelos amigos de sempre Téia Magalhães e Roldão Arruda. E mais o companheiro de vida toda, Raimundo Pereira. A turma do jornal Movimento, que apoiou por mais de quatro anos a feitura do Jornal dos Jornais (JJ). Falaram na mesa A imprensa operária na resistência à ditadura. Roldão teve o carinho de trazer cópia de exemplares do Assuntos, uma tentativa do pessoal do Movimento junto com lideranças da Oposição Metalúrgica e de movimentos populares de fazer um jornal que reportasse e contribuísse com as lutas nos bairros e nas fábricas
A maioria dos metalúrgicos e militantes soube só em 2019 dos bastidores da “redação” do Jornal dos Jornais iniciado na onda das greves operarias que emergiram de 1978. E soube pelas palavras de Sizue, Roldão e Raimundo.
O jornal dos jornais e a imprensa da esquerda
O pessoal da OSM-SP foi ao Em tempo e ao Movimento (ii) pedir autorização para usar o endereço e o espaço para fazer o jornal. Na prática, acabou sendo no Movimento, que fechava aos sábados à noite, sob a batuta do Raimundo. A turma do Jornal dos Jornais acampava numa mesa e, ideias na cabeça, tesoura e cola nas mãos, fazia o jornal de recortes que na segunda de madrugada ia escorregar para dentro das fábricas metalúrgicas e de outras empresas próximas. O Raimundo Pereira tinha a paciência de escrever à mão uma pequena crítica sobre o Jornal, talvez inaugurando o que depois chamariam de “ombudsman”.
No final dos anos 70, com a derrocada da ditadura, aparece pro grande público a (chamada) imprensa alternativa. Todo mundo lança um jornal. Pela esquerda , entre outros, aparecem Versus, Em tempo, Companheiro, Tribuna da luta operária, O trabalho. Circulavam bem no meio militante e na opinião “à esquerda”, mas tinham pouca circulação nas fábricas, locais de trabalho e nos bairros. Num meio de intensa disputa política e de projetos para o pais, cada um trabalhava o seu jornal, na velha e boa tradição do “ jornal como organizador político”.
O Jornal do Jornais não disputava A LINHA POLÍTICA. Levava informação crítica no formato A4 (era um A3 dobrado ao meio) preto e branco, papel jornal, 4 páginas. O grupo de operari@s do que ficou conhecido como MOSM-SP, junto com algumas amigas que a Sizue arregimentava ( Saudades da Ely Menna Barreto que também se foi, da Elzinha Gontijo, do Marquinhos- Marcos Aurélio Pessoa diagramador que azafamado dava uma força para melhorar a apresentação do JJ), selecionava as matérias interessantes dos jornais burgueses e da esquerda e cortava impiedosamente para caber no pequeno espaço. Se apropriava das melhores charges e inventava títulos e subtítulos. Toda a semana, sábado à noite, por quatro anos e meio. Nesse período, Sizue também acompanhava semanalmente as reuniões no chamado Comitê do Aurélio, no Socorro-Santo Amaro. Simples, a turma que ali se reunia iria apoiar a dobradinha dos “deputados populares” Aurélio e Irma Passoni. O pessoal do MOSM-SP estava noutra. Em 1981, nas eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a Oposição lança uma chapa encabeçada por Waldemar Rossi. O deputado Aurélio Peres encabeça outra. Essas opções diferentes nunca interferiram na continuidade do Jornal dos Jornais.
No início, o JJ era de duas páginas A4 impressas e grampeadas. Bem simples mesmo. Mas a Sizue e o Raimundo (e mais alguém do Movimento ? Acredito que sim) descolaram primeiro um centro acadêmico para rodar o jornal e depois, miracolo!, uma gráfica profissional de uma grande empresa que entregava o material rodado no domingo pros militantes levarem para as regiões (São Paulo é muito grande pra quem não tem carro próprio). No começo, quem buscava ficava meio cismado porque os gráficos eliminavam qualquer vestígio da rodagem do material e tinham um jeito meio brincalhão de participar da conspiração, comandados pelo sempre solidário gerente Eduardo Barbosa.
O momento político de disputa de projetos
No meio das definições e das disputas políticas: a luta pela Anistia ampla geral e irrestrita. Em qual Partido entrar ou criar um partido? Manter a unidade do sindicalismo com os pelegos ou criar uma Central sindical? Como construir o movimento negro unificado? Como as mulheres do movimento operário e popular fariam para ter voz e representação no movimento de mulheres? Como juntar as lutas operárias e do campo?
Grandes questões que absorviam a energia dos que se opuseram e queriam enterrar a ditadura. E a velocidade da rearticulação dos movimentos era estonteante. Foi um período de ascenso das lutas, até que a burguesia, que marotamente prolongava a transição, retomasse as rédeas. Para eles, do capital, era fundamental não ter ruptura. O Jornal dos Jornais era muito classista, pelo socialismo, internacionalista e avesso a qualquer transição pactuada com os ideólogos burgueses. Contribuiu para que a informação crítica, de esquerda, chegasse a quem não lia e não leria jornal. Do Custo de Vida à disputa URSS X China, dos assassinatos no campo à Revolução Nicaraguense, da luta por creches na periferia à greve na Fiat da Itália, do filme Pixote à greve do Solidarnosc, na Polônia, do julgamento do médico Shibata por cooperar com a tortura à luta dos operários franceses. Informação básica, ampla, estimulando o interesse e a participação política.
Na rearticulação política do início dos 80, os participantes do JJ foram para outras tarefas e outras formas de militância. O Jornal dos Jornais inspira a publicação da Resenha – uma coleta de matérias completas e de análises com muitas páginas – e, posteriormente da Quinzena (86 -2002), no mesmo formato, produzido pelo ( antigo) CPV.
Sizue foi como centenas ou milhares de pessoas que militaram silenciosa e eficientemente nas lutas operárias e populares. Quem a conheceu relata N atividades em que esteve com ela. Fica o exemplo e nosso respeito e carinho.
Sebastião Neto
_secretaria@iiep.org.br
Esse texto foi possível graças às trocas de memórias com os militantes do MOSM-SP, Jorge Preto e José Costa Prado, que foi quem mais trabalhou com a Sizue no Jornal dos Jornais.
Notas
(i) O nome Jornal dos jornais foi decalcado literalmente da coluna “Jornal do jornal”, de Alberto Dines. Foi recortado do Jornal do Brasil e colocado num plural malandro.
(ii) O Movimento e o Em tempo foram dois importantes jornais da esquerda no final dos anos 70.