PUBLICADO EM 20 de out de 2020
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Quem foi o verdadeiro ‘pai do Dia do Trabalho’? A resposta é complicada

Nos EUA o dia do trabalhador (Labor Day) é  celebrado na primeira segunda-feira de setembro. A data comemora a contribuição social e econômica dos trabalhadores para o país. Neste artigo da revista Time, a jornalista Olivia B. Waxman fala sobre as raízes desta data.

Ilustração do primeiro desfile trabalhista americano realizado na cidade de Nova York em 5 de setembro de 1882, conforme apareceu na edição de 16 de setembro de 1882 do jornal Frank Leslie’s Weekly Illustrated.

Por Olivia B. Waxman (Time)

As amplas raízes do Dia do Trabalho para o movimento trabalhista são claras: o Presidente Grover Cleveland assinou a legislação em 28 de junho de 1894, designando o Dia do Trabalho como um feriado nacional nos Estados Unidos como uma oferta de paz após uma greve mortal de trabalhadores ferroviários.

Mas quem exatamente devia contar como o “fundador” do Dia do Trabalho, que é celebrado na primeira segunda-feira de setembro, tem sido assunto de debate desde os anos de 1890.

Os dois homens que têm o maior crédito são Peter J. McGuire e Matthew Maguire, que não apenas têm nomes com o som parecido, mas foram também ambos ativos sindicalistas de descendência irlandesa, que viveram em New Jersey e fizeram campanha para um dia de trabalho de oito horas. McGuire frequentemente recebe crédito por ter tido a ideia do Dia do Trabalho e delinear seu propósito, enquanto Maguire (cujo primeiro nome às vezes aparece soletrado como “Mathew”) frequentemente recebe crédito por executar a ideia.

O primeiro desfile conhecido do Dia do Trabalho aconteceu em na cidade de New York em 5 de setembro de 1882 – mais de uma década antes de o Dia do Trabalho se tonar feriado nacional – e foi organizado pelo Sindicato Central dos Trabalhadores; atraiu entre 10.000 e 25.000 participantes. Até mesmo aquele evento teve os toques de McGuire e Maguire. A AFL-CIO disse que foi Peter McGuire que apresentou uma resolução na reunião do Sindicato Central dos Trabalhadores, no início daquele ano, convocando um desfile de rua dos trabalhadores, na primeira segunda-feira de setembro, mas de acordo com a Sociedade Histórica de New Jersey, foi Matthew Maguire – secretário e um dos líderes do Sindicato Central dos Trabalhadores – que enviou anúncios do desfile e convites para os participantes, e cavalgou na carruagem liderando o desfile.

Em uma área, pelo menos, os dois eram diferentes. Enquanto Maguire não deve ter falado sobre sua posição na história do Dia do Trabalho frequentemente, McGuire afirmou seu papel claramente no artigo de 1897 “Dia do Trabalho – Seu Nascimento e Importância”, na Federação Americana. Na matéria, ele escreveu que em uma reunião do Sindicato Central dos Trabalhadores, em 8 de maio de 1882, ele “pediu” para “reservar um dia no ano” para um “Dia do Trabalho”. Ele imaginou que o feriado seria celebrado por um grande “desfile de rua” para “mostrar a força e o espírito de equipe das organizações de comércio e trabalho”, seguida de um piquenique celebratório. O Dia do Trabalho, ele escreveu, seria um momento para “honrar os trabalhadores da terra, e prestar uma homenagem àqueles que da natureza rude exploraram e esculpiram todo o conforto e grandeza que nós vemos”.

Mas, dado que McGuire escreveu seu relato 15 anos depois do primeiro desfile do Dia do Trabalho, alguns experts sugerem que pode ter havido outros fatores em jogo – ou um fator em particular: nos anos intermediários, Matthew Maguire tinha corrido para Vice-Presidente.

“Porque a AFL era muito não-política, o fato de que Matthew Maguire teve a inscrição para correr como candidato vice-presidencial na cédula do Partido Nacional Socialista Trabalhista, em 1896, apagou suas chances de reconhecimento como o pai do Dia do Trabalho”, escreveu Ted Watts no livreto “The First Labor Day Parade” (Nota: O primeiro desfile do Dia do Trabalho), sugerindo que Maguire foi deliberadamente deixado de fora da narrativa porque o sindicato tinha decidido que a política de McGuire era mais alinhada com a imagem que eles queriam projetar.

Na verdade, enquanto McGuire tinha visões “radicais” semelhantes quando jovem, ele as tinha “modificado” quando ficou mais velho, ganhando a reputação de ser “um importante membro da instituição sindical”, o historiador do Departamento do Trabalho dos EUA, Jonathan Grossman, escreveu em 2001. Além disso, um artigo de 4 de setembro de 1967 do Morning Call reportou que o Partido Socialista Trabalhista era contra o Dia do Trabalho em geral, acreditando que prejudicava o Primeiro de Maio, que consideravam o feriado do trabalhador superior.

Dito isso, Maguire tinha seus apoiadores também. A edição de 6 de setembro de 1891 do jornal socialista “The People” reportou que “o primeiro grande desfile do Dia do Trabalho… foi organizado pelo Sindicato Central dos Trabalhadores, através da intervenção do seu primeiro Secretário, Matthew Maguire”. Pesquisadores do MyHeritage, que recentemente investigaram a questão da fundação do Dia do Trabalho, descobriram um artigo do Paterson News de 10 de julho de 1896 – um ano antes do relato de McGuire – afirmando que “Maguire reivindica ser o autor do Dia do Trabalho” e, “foi ele que primeiro emitiu uma proclamação como secretário do Sindicato Central dos Trabalhadores para uma festa do trabalho”. Em 1897, William McCabe, o Grande Marechal do primeiro desfile do Dia do Trabalho, lembrou que Maguire havia sugerido o desfile. Livros sobre a história dos feriados e costumes populares, como o livro de 1898 “Curiosities of Popular Customs” (Nota: curiosidades dos costumes populares) e o livro de 1912, “The Days and Deeds” (Nota: os dias e ações), têm da mesma forma creditado com Maguire executando o primeiro Dia do Trabalho e coordenando com vários grupos de trabalho. E o MyHeritage também mostrou à TIME um documento digitado do Cemitério “Holy Sepulchre”, dizendo que Maguire foi enterrado em 1º de janeiro de 1917, na idade de 65 anos, e incluindo o comentário manuscrito, “Esse homem fundou o Dia do Trabalho”.

Talvez nenhum momento ilustre as tensões entre os dois campos tão bem como o que aconteceu quando a caneta que o Presidente Cleveland usou para assinar a legislação fazendo o Dia do Trabalho um feriado nacional foi dada ao líder da AFL Samuel Gompers, que foi amigo de McGuire. Um editorial de 2 de julho de 1894 intitulado “Honra a quem a honra é devida”, no jornal The Morning Call, de Paterson, N.J. reportou que representantes sindicais locais acreditavam que Matthew Maguire, então um vereador na cidade, merecia a caneta no lugar, por ser “o autor indiscutível do Dia do Trabalho como um feriado”. As narrativas duelando do primeiro Dia do Trabalho continuaram a se enfrentar ao longo da primeira metade do século XX.

Na década de 1950, parece que uma história pode ter prevalecido. Em agosto de 1952, um memorial para Peter J. McGuire ergueu-se em Pennsauken, N.J. Quatro anos depois, o Presidente Dwight D. Eisenhower convidou os descendentes de McGuire para a Casa Branca para o lançamento de um selo postal dos EUA com tema de trabalho.

Mas ao longo dos anos, questões sobre detalhes em ambos relatos só aumentaram a confusão.

Grossman, o historiador do Departamento do Trabalho, escreveu que T.V. Powderly, Grã-Mestre Operária dos Cavaleiros do Trabalho, afirmou que Peter McGuire “supostamente admitiu que seu nome pode ter sido misturado com o de Matthew Maguire”. No final dos anos 1960, a neta de Maguire, Doris Atherton, deu ao Paterson Morning Call sua cópia do obituário de Maguire de 1917, que dizia, “enquanto isso não é geralmente conhecido, o falecido foi na realidade quem deu origem ao feriado nacional conhecido como ‘Dia do Trabalho’”. Ela afirmou que seu pai lhe disse que Peter McGuire estava presente quando a lei foi assinada, e quando o Presidente Cleveland o congratulou foi apenas porque ele confundiu os dois homens; ela também afirmou que Cleveland mandou a seu avô uma “carta de desculpas”, perdida, “dizendo a ele que ele merecia o crédito pela ideia do Dia do Trabalho”.

Além disso, por volta do Dia do Trabalho de 1968, o Paterson Morning Call argumentou que a reunião de 8 de maio de 1882, na qual McGuire supostamente convocou um desfile, nunca ocorreu em primeiro lugar – e se ela ocorreu algum outro dia, não teria sido o lugar da primeira menção de um desfile do Dia do Trabalho. De acordo com pesquisa conduzida para o artigo de George Pearlman, um membro de um sindicato maquinista do qual Maguire tinha feito parte, T.V. Powderly escreveu, em 1893, que os Cavaleiros do Trabalho de New York (um grupo do qual apenas Maguire fazia parte) vinha quietamente discutindo a ideia de um feriado do trabalho mesmo antes de 1882.

O frequente erro de soletração de Matthew Maguire como Matthew McGuire, e o continuado erro de soletração do nome de Maguire em subsequentes relatos e diretórios, levou a família Maguire e apoiadores a acreditar que Maguire foi confundido com McGuire o tempo todo.

O Congressista de N. J., Charles S. Joelson submeteu a reportagem do Morning Call ao registro do congresso, em 9 de setembro de 1968, dizendo que ela “indica conclusivamente” que Maguire é “o verdadeiro criador do Dia do Trabalho”. Naquele mesmo ano, o Secretário do Trabalho dos Estados Unidos, Willard Wirtz declarou que “no que diz respeito ao Departamento do Trabalho” o “pai do Dia do Trabalho” era Matthew Maguire. E em 1972, os descendentes de Maguire fundaram a Associação Matthew Maguire para continuar a promover a ideia de que Maguire fundou o Dia do Trabalho para os anos que virão, um artigo do jornal Bergen County Record, descoberto pelo MyHeritage, mostra.

A pesquisa não diminuiu o entusiasmo dos apoiadores de McGuire, contudo. O memorial para McGuire acabou de ser adicionado ao Registro Nacional de Locais Históricos, em 2019, e um projeto de lei foi introduzido no Congresso para fazer dele um marco histórico. Ao longo dos anos, sindicalistas fizeram peregrinações ao túmulo de McGuire, em Pennsauken, N.J., que também o descreve como o “pai do Dia do Trabalho”.

Todos esses anos depois, a questão pode não ser nunca resolvida com certeza – e, na visão de alguns reforçadores do trabalho, isso é perfeitamente bom.

“Pelos registros disponíveis é impossível determinar se Peter J. McGuire ou Matthew Maguire, ou algum outro líder trabalhista foi o espírito movente”, escreveu Grossman. Mas ambos podem reivindicar algum crédito pelo sucesso do Dia do Trabalho. Afinal de contas, enquanto o desfile da cidade de New York foi “um sucesso”, ele não fez o Dia do Trabalho um importante feriado americano sozinho.

“O Dia do Trabalho é a criação do movimento trabalhista, com a cooperação dos governos local, estadual e federal”, Grossman aponta. “Como muitas ideias e instituições, foi criado porque o momento havia chegado. Porque o Dia do Trabalho atendeu às necessidades da época, muitos homens participaram de seu desenvolvimento.”

Fonte: Time

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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