PUBLICADO EM 10 de out de 2022
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O imperativo da unidade: Lições para construir a aliança antifascista

A “tática de frente unida” foi formalmente adotada pelo movimento mundial no 4º Congresso da Internacional Comunista, em 1922. O que é a frente unida? Simplesmente colocando, é uma coalisão diversa politicamente de pessoas trabalhadoras, que se juntam para abordar um conjunto específico de questões. Diferenças ideológicas, pelo momento, são colocadas de lado, em busca de objetivos comuns.

Membros do Partido Comunista dos EUA e da Liga Jovem Comunista avançam pela Avenida Pensilvânia, em Washington, durante a Marcha Moral da Campanha dos Pobres, em 18 de junho de 2022. Foto: People´s World

O chamado por unidade ressoa através de uma larga faixa dos movimentos democráticos e sociais de hoje. Vá a qualquer manifestação e você provavelmente vai ouvir os manifestantes gritando em diversas línguas, “O povo unido jamais será vencido,” um canto nascido e tornado famoso ao redor do mundo pela luta de Salvador Allende por unidade popular no Chile.

Nos EUA hoje, o país encara uma crescente ameaça fascista, não muito diferente daquela que o povo chileno encarou durante a ditadura de Pinochet. O desafio é ir além de slogans e encontrar uma estratégia que vá construir a unidade necessária: essa estratégia é criar, do chão para cima, uma larga aliança antifascista. Felizmente, há muito para construir.

Realmente, conceitos e slogans de unidade abundam na história e cultura dos EUA. Uma de suas primeiras expressões veio de Abraham Lincoln, que, em um discurso em uma convenção em 1858 na véspera da Guerra Civil, avisou que a escravidão ameaçava rasgar a nação em pedaços. “Uma cada dividida contra si própria não pode ficar de pé,” o então candidato Republicano para o Senado dos EUA famosamente declarou, argumentando que o país não podia sobreviver, metade escravo e metade livre.

“Uma lesão a um, é uma lesão a todos” é outro slogan popular que veio direto do movimento trabalhista na esteira do último século. O sindicato Trabalhadores Industriais do Mundo atribui o ditado a David C. Coates, um líder trabalhista socialista e ex-vice governador do Colorado.

Poucas décadas mais tarde, “Negros e brancos, unir e lutar” foi a chamada do clarim dos organizadores comunistas na CIO (Congresso das Organizações Industriais), quando eles lideravam a luta para organizar os trabalhadores nas indústrias de aço, automotivas e elétricas nos anos de 1930. Hoje, “Negros, pardos, asiáticos e brancos, unir e lutar” mais acuradamente reflete a cada vez mais diversa composição da classe trabalhadora dos EUA.

Lutar por unidade, enquanto nem sempre bem sucedido, é um verdadeiro modo de vida para os comunistas dos EUA, e muitos dos conceitos estratégicos do Partido Comunista (CPUSA, na sigla em inglês) giram em torno disso. Unidade de centro-esquerda, isso é, o imperativo de desenvolver laços fortes entre a esquerda e as forças moderadas no movimento sindical, tem sido por muito tempo um esteio da política trabalhista do CPUSA e permanece assim hoje.

Uma estratégia de unidade de todos os povos (que basicamente significa unidade para o povo todo) foi avançada pelo time de liderança de Gus Hall e Henry Winston, nos anos de 1980, depois o Comitê Nacional Republicano (RNC, na sigla em inglês), a mando da Câmara de Comércio e dos grandes bancos, mudou muito para a direita.

Na luz da aprofundada crise política do país, essa estratégia retém toda a sua força potencial. De fato, a ameaça de Trump de concorrer para um segundo mandato a faz ainda mais relevante. A unidade de todos os povos é a aplicação atual do que o movimento comunista uma vez chamou de estratégia de “frente popular”, isso é, a criação de uma ampla coalisão do povo americano para se opor ao movimento “Fazer a América Grande de Novo” e a ameaça de uma ditadura fascista.

Em seu trabalho cotidiano, particularmente no nível local, o CPUSA se esforça para colocar um cunho de classe trabalhadora nessa frente, centrando sua atividade de eleição onde possível com sindicatos, grupos comunitários, e outros movimentos que operam independentes das campanhas oficiais do Partido Democrata. Tomar iniciativa em questões chave é essencial, incluindo lutar pela passagem de direitos de aborto, da Lei PRO, direitos de voto, mudanças climáticas e outras legislações.

É claro, uma coisa é chamar por unidade e outra diferente é conquista-la. A construção de alianças pode ser hesitante e, às vezes, até tortuosa. Diferentes agendas, egos e experiências podem impactar a habilidade para forjar coalisões viáveis. A diversidade multirracial, multigênero e entre gerações da classe trabalhadora dos EUA frequentemente requer tomar medidas especiais para responder aos desafios encarados por diferentes seções de classe.

Construir a unidade entre o movimento sindical e a geração jovem (o que o PC chama de unidade de trabalho/jovem) ilustra essa necessidade. Por exemplo, durante a greve dos trabalhadores automotivos em 2019, o sistema salarial de dois níveis da indústria – onde novas contratações de jovens são pagas substancialmente menos que trabalhadores mais velhos – foi um grande ponto de atrito. E enquanto foi feito progresso para reduzir a diferença salarial durante as negociações, isso não foi feito.

A recente convenção do UAW (Trabalhadores Automotivos Unidos) prometeu levar a questão de uma maneira importante nas futuras conversas sobre contrato. Uma resolução, de acordo com o People’s World, instrui o Conselho Executivo do sindicato a “rejeitar propostas da gerência que procurem dividir os membros através de salários escalonados, benefícios, ou renda e benefícios pós-emprego.” Assim, a unidade entre trabalhadores mais velhos e mais jovens exigiu confrontar a tática da empresa de dividir por escala de pagamento. Em outras palavras, uma frente unida na linha de piquete significou que o sindicato teve que abordar as demandas especiais dos jovens trabalhadores por pagamento igual – uma recusa para fazer isso teria significado a derrota da greve.

Outra questão chave é totalmente apreciar a natureza e força dos oponentes de classe. Falando a esse desafio, Henry Winston, o falecido presidente nacional do partido, uma vez colocou a questão desse modo quando abordando construir coalisões trabalho-comunidade em resposta ao colapso da indústria do aço: “Porque tal unidade é necessária?” ele perguntou. “Porque a vitória na batalha contra o monopólio é impossível sem isso – a classe dominante nesse país é muito forte.” A classe trabalhadora, o presidente do PC argumentou, não pode vencer essa luta sozinha.

Em um veio similar, movimentos afro-americanos, latinos, de mulheres e LGBTQ mal podem sustentar abordagens isoladas. E enquanto Winston enfatizou que confrontar a mais poderosa classe dominante na história requer focar em demandas comuns, ele também se apressou em colocar em primeiro plano medidas compensatórias especiais, como ações afirmativas, como necessárias para vincular alianças com aqueles experimentando discriminação histórica, um ponto que alguns continuam a dispensar como concessões a “política identitária.”

A classe trabalhadora aprendeu a lição de construir unidade de ação do modo difícil. Greves foram perdidas, campanhas para cargos eleitos derrotadas, tentativas de revolução social derrotadas, a custos quase incalculáveis. Relembre que a Comuna de Paris foi afogada no sangue de 35.000 comunas, depois de 30 dias exercendo o poder.

Retroceder após esses terríveis eventos, mas destemidos, os movimentos florescentes tinham que considerar as coisas outra vez, descartar estratégias provadas inviáveis, mexer com outras que mostravam maior promessa, e adotar métodos todos novos quando as condições mudavam. Quando as revoluções democráticas burguesas contra as monarquias ganharam força no século XIX, em países como a Alemanha, França e Inglaterra, enfoques estreitos tiveram que ser rejeitados. Novos caminhos de luta tiveram que ser procurados baseados em instituições que emergiam, quando o povo começou a se organizar de acordo com fé, ocupação e interesse.

A noção, por exemplo, de que pequenos grupos altamente comprometidos podiam com sucesso disputar por poder político foi frontalmente desafiada por Frederick Engels: “O tempo é passado para revoluções executadas por pequenas minorias na cabeça de massas inconscientes,” ele escreveu em sua introdução de 1895 para Guerra Civil de Marx na França. Engels continuou, “Quando chega a ser uma questão da completa transformação da organização social, as próprias massas devem participar, devem entender o que está em jogo e porque eles têm que agir.”

Reforma… para que fim?

A luta por democracia em combinação com a luta de classes começou a tomar o centro do palco. Partidos socialistas agora tinham que levar em consideração construir alianças quando os direitos políticos se tornaram um fator principal no exercício do poder político. Em vários países, partidos marxistas foram capazes de construir coalisões eleitorais de massa e ganhar cargos.

Tinham novos e pacíficos caminhos para o poder sido descobertos? À primeira vista parecia que sim, e até Engels, o veterano de muitas batalhas de classe, parecia bastante levado com os sucessos eleitorais dos movimentos da social democracia do final do século XIX. Ainda, o velho revolucionário se esforçou para apontar que essas vitórias de nenhum modo significavam renunciar ao objetivo da revolução. Engels avisou: “É claro, nossos camaradas no exterior não abandonaram o direito a revolução. O direito a revolução é, em última análise, o único real ‘direito histórico’ sobre o qual todos os estados modernos repousam sem exceção.”

Alguns, contudo, pareciam não ter ouvido o conselho do velho amigo de Marx. Mesmo a sábia instrução de Marx quando criticando o Programa de Gotha do Partido Social Democrata da Alemanha foi ignorada. Marx tinha estimulado os camaradas para entrar nos compromissos necessários para conquistar objetivos práticos, mas nunca para fazer concessões teóricas.

Ao invés, as concessões teóricas foram feitas por aqueles adotando a “modernização” de Marx, de Eduard Bernstein, “o movimento é tudo, o objetivo, nada.” Sob a defesa de Bernstein, as reformas se tornaram o ser-tudo e o fim-tudo de todas as coisas: As reformas gradualmente se evoluiriam para o socialismo. O objetivo do poder da classe trabalhadora estava perdido.

O que deu errado? Várias explicações foram oferecidas: a compra de uma seção da liderança do sindicato e a emergência de uma “aristocracia do trabalho”, uma dominação indevida do movimento trabalhista por elementos de classe média; a oferta de um “salário” psicológico para trabalhadores brancos para promover um sentimento de superioridade racial (uma explicação posicionada por W. E. B. Du Bois, em Reconstrução Negra).

Ou o problema podia existir em outra direção, talvez na própria estratégia da coalisão? É uma questão de registro histórico que as reformas radicais defendidas pelos partidos socialistas aguaram, quando seu sucesso eleitoral aumentou. O mais perto que alguns chegaram ao poder, maior foi a tentação de conceder esse ou aquele fundamento de seu programa para ganhar seções de voto.

Na virada do século XX, ecos desses debates entraram no movimento Social Democrata russo, embora em circunstâncias bem diferentes. A Rússia permaneceu amplamente presa em condições feudais e foi ainda governada por uma monarquia hereditária. O movimento socialista tinha que encontrar um caminho para derrotar o czar, e também para projetar táticas que abordariam a crescente classe capitalista em um enorme país com uma população extremamente diversa e uma cultura política mergulhada no atraso. Com quem os trabalhadores podiam se unir? Para onde estava a terra prometida, e com quem podiam as massas oprimidas chegar lá?

Nessas circunstâncias, uma discussão feroz começou. Todos os marxistas concordavam que o país precisava de passar pelo capitalismo – pelo menos de alguma forma – mas havia diferenças agudas sobre o que isso implicava. Era exigido uma revolução para se livrar do czarismo – nisso havia um consenso. Que tipo de alianças eram necessárias e que forças de classe as liderariam era inteiramente outra questão. Uma seção do partido era a favor de confinar a coalisão apenas para a classe trabalhadora e camponeses. Outros apoiavam incluir capitalistas na mistura. O antigo grupo era chamado de mencheviques. Eles se opunham a se aliar com os nascentes comerciantes e industriais russos, por medo de serem dissolvidos em um crescente mar de democracia burguesa.

Os bolcheviques, liderados por Lênin, por outro lado, eram a favor de incluir os capitalistas. A questão na visão do líder bolchevique não era apoiar uma aliança de classe cruzada – o desafio era como fazê-lo. Na visão de Lênin, o ponto era lutar pela liderança da classe trabalhadora nessa aliança, para colocar uma “marca” proletária na revolução democrática. Fazer isso preservaria o papel independente da classe trabalhadora e reduziria o risco de seus objetivos serem subordinados. Como? Lutando por democracia consistente, em outras palavras, levando até a conclusão a luta democrática por voto, governo representativo (uma assembleia constituinte), reforma agrária, oito horas de jornada, e um governo capaz de infligir uma “decisiva derrota da reação.” Dessa maneira, Lênin argumentava, a classe trabalhadora teria a melhor chance de se posicionar dentro da ordem capitalista emergente.

A frente unida

Esses argumentos estão incisivamente feitos na Duas Táticas de Lênin, onde, em forma embrionária, e ainda sem nome, o que se tornou conhecido como o conceito de frente unida é primeiramente introduzido. Eles guiaram a política doméstica bolchevique através de 1917.

A “tática de frente unida” foi formalmente adotada pelo movimento mundial no 4º Congresso da Internacional Comunista, em 1922. O que é a frente unida? Simplesmente colocando, é uma coalisão diversa politicamente de pessoas trabalhadoras, que se juntam para abordar um conjunto específico de questões. Diferenças ideológicas, pelo momento, são colocadas de lado, em busca de objetivos comuns.

Que objetivos? Em primeiro lugar, resolver questões das quais tiram seu sustento, confrontando a classe trabalhadora a qualquer momento. Em um discurso de 1922, Grigory Zinoviev, um dos líderes da Internacional Comunista, colocou dessa forma: “Nós estamos em tal fase da luta do proletariado mundial, que nós devemos nos unir na luta pela jornada de oito horas, ajuda para os desempregados, e na luta contra a ofensiva do capital.”

A adoção da frente unida foi uma parte primordial da polêmica de Lênin contra o comunismo de “esquerda”, as respostas impensadas dos partidos recentemente formados que tinham se dividido da Segunda Internacional, muitos dos quais rejeitaram o trabalho eleitoral, evitaram compromissos, e, inebriados com o sucesso da Revolução de Outubro, acreditaram estarem próximos a revolução mundial. Sob a influência de estratégias como a “teoria de ofensiva” de Béla Kun e a “´permanente revolução” de Leon Trotsky, tentativas fracassadas de poder estatal ocorreram na Hungria, Alemanha, e outros países, com resultados desastrosos.

Lênin, por outro lado, entendia bem que, depois do sucesso inicial de outubro de 1917, o momento revolucionário tinha passado, e com ele a chance para uma revolução social por todo o continente europeu. Uma prolongada era de batalhas de classe e democráticas, ao contrário, estavam a mão, exigindo longo e paciente trabalho preparatório. Nessas circunstâncias, ele ofereceu aos partidos da Terceira Internacional um plano de três partes: adotar a estratégia de frente unida e costura-la para servir em cada país; ganhar a maioria da classe trabalhadora no processo; e construir partidos comunistas de massa, tudo necessário para que a revolução socialista tivesse qualquer chance real de sucesso.

Depois da morte prematura do líder soviético, contudo, e em face da rígida resistência de potencial aliados social democratas (os principais objetos dos esforços de frente unida), a Internacional Comunista se moveu agudamente na direção oposta, quando a teimosia do movimento com o esquerdismo retornou com uma vingança. Confrontados com ataques em comunistas insurgentes por governos social democratas, os partidos da Segunda Internacional foram rotulados como “social fascistas,” e, com essa marca, esperanças por uma frente unida da classe trabalhadora terminaram, quando os regimes fascistas ganharam o poder, primeiro na Itália, então, Alemanha e outros países.

A frente popular

Foi nessas circunstâncias que o 7º Congresso Mundial da Internacional Comunista aconteceu, em 1935. O principal relatório do encontro foi entregue por Georgi Dimitrov, um comunista búlgaro que, poucos anos antes, tinha sido acusado de tocar fogo no Parlamento Alemão, uma provocação nazista projetada como uma desculpa para tomar o poder. Em seu famoso discurso “Frente Unida contra o Fascismo”, Dimitrov inverteu o curso e voltou a abraçar a estratégia de frente unida de Lênin.

Descrevendo o fascismo como “a ditadura terrorista aberta das seções mais reacionárias do capital financeiro,” Dimitrov ofereceu um ramo de oliveira para os outrora aliados social democratas da Terceira Internacional: “Comunistas,” ele disse, “sem condições para unidade de ação exceto uma… que a unidade de ação seja direcionada contra o fascismo, contra a ofensiva do capital, contra a ameaça de guerra, contra a classe inimiga. Essa é nossa condição.”

Precisamente no que consistiria essa unidade? “A defesa dos imediatos interesses econômicos e políticos da classe trabalhadora,” argumentou o secretário geral da Internacional Comunista. Dimitrov sugeriu um enfoque de três partes: lutar para mudar o fardo da crise para os ricos, resistir a todas as tentativas de restringir direitos democráticos, e combater o perigo de guerra.

É importante apontar aqui que a oferta por frente unida era amplamente, mas não exclusivamente, apontada para os partidos social democratas e sindicatos na Europa, uma vez que eles representavam as maiorias das classes trabalhadoras em vários países. A ausência de um grande movimento social democrata nos Estados Unidos, contudo, exigiu uma adaptação da tática para se encaixar nas condições americanas. A classe trabalhadora dos EUA era, e continua, ideologicamente diversa, ancorada em sindicatos, igrejas, sinagogas e campi, junto com várias associações e grupos, sem dizer os dois principais partidos políticos capitalistas. O que foi exigido em solo dos EUA não foi uma frente unida de esquerda, mas uma coalisão de classe como um todo. Isso continua verdade hoje.

Uma brilhante aplicação dessa estratégia para as condições dos EUA nos anos de 1930 foi o Congresso da Juventude Americana (AYC, na sigla em inglês). Iniciado pela Liga Comunista Jovem (YCL, na sigla em inglês) e seus principais organizadores, Henry Winston e Gil Green, o AYC incluiu a YWCA, a YMCA, a União Nacional dos Estudantes, junto com quadros de outros grupos sindicais, religiosos, comunitários, de direitos civis e de juventude. Ele se encontrou anualmente e no seu auge se gabava de mais de 500 organizações. O AYC promoveu uma carta de direitos da juventude e foi bem sucedido em apresentar legislação chamando para sua promulgação no Congresso. Eleanor Roosevelt emprestou a ele importante apoio.

Com a criação do AYC, o Partido Comunista reconheceu a necessidade de uma ainda mais ampla resposta quando a ameaça fascista cresceu nos EUA. A classe trabalhadora precisava de aliados, uma coalisão militante multi-classe da juventude, uma frente “popular” da geração jovem como um todo, que podia ser mobilizada nas batalhas justas dos tempos.

E eram batalhas justas. Saindo da Grande Depressão, o Partido Comunista e a YCL mergulharam de cabeça em organizar indústrias de produção de massa, a luta para salvar a vida dos defensores do Scottsboro, e o esforço para quebrar a segregação. Essas eram as circunstâncias nas quais a ideia de Lênin de uma coalisão liderada pela classe trabalhadora, de classe cruzada, embora nascida de diferentes coalisões, em uma terra distante, se enraizou e floresceu. Realmente, a frente popular se provou mais que uma noção: foi-lhe dada vida e forma organizacional, e ela se tornou uma força material, ajudando a montar o curso de toda a nação.

O relatório de Dimitrov descreveu a frente popular dessa maneira:

“A formação de uma ampla Frente Popular antifascista… está intimamente ligada ao estabelecimento de uma aliança de luta entre o proletariado, de um lado, e o campesinato operário e massa básica da pequena burguesia urbana, que juntos formam a maioria da população, mesmo em países industrialmente desenvolvidos.”

Com a Segunda Guerra Mundial engolindo muito do planeta, e a URSS carregando o peso da batalha, essa grande coalisão cresceu para incluir não apenas seções da classe capitalista, mas também países inteiros – de fato, grupos inteiros de países, quando os Aliados engajaram as potências do Eixo nessa gigante batalha civilizacional.

Estavam os graves perigos de se dissolver no mar da democracia burguesa associados com esse empreendimento? É claro que estavam: a dissolução do Partido Comunista e da YCL, quando a Segunda Guerra Mundial chegou ao fim, é um caso em ponto. O que começou como novas abordagens para trabalho de frente de massa unida, iniciado sob Earl Browder, cresceu unilateral e desanexado, movendo-se longe para a direita.

Sob a influência de Browder, a ênfase antifascista do tempo de guerra em interesses nacionais tendeu a substituir os interesses de classe. A cooperação de classe, para derrotar o fascismo, sempre uma ladeira escorregadia, se transformou em colaboração de classe. Ilusões começaram a se instalar, uma das consequências das quais foi o que a expressão doméstica do sonho de Browder de uma nova era de cooperação pós-guerra não viu necessidade de um partido de luta de classes militante. O CPUSA foi dissolvido, e uma “associação” trabalhando dentro do Partido Democrata foi criada em seu lugar. A YCL foi substituída por um grupo de advocacia e renomeada como Juventude Americana pela Democracia. Tragicamente, o devaneio de Browder por paz de classe caiu vítima do pesadelo americano do macartismo, depois do discurso de Winston Churchill da Cortina de Ferro em Fulton, Missouri, em 1946. Censura, cadeia, demissões em massa, e guerra – tanto quente, quanto fria – foram o alto preço pago.

Com o fim da guerra, a emergência de uma comunidade de nações socialistas, e a derrota do governo colonial na África e na Ásia, a necessidade uma frente popular internacionalmente começou a desaparecer. Eventos em casa, contudo, foram outra história. O macartismo foi lançado com força total. Processos conduzidos pelas Lei Smith – e a Lei McCarran – se intensificaram, ajudados pela administração Truman e pelas maiorias Republicanas no Congresso. Encostados a uma parede e incorretamente vendo o fascismo no horizonte imediato, a liderança do PC fugiu para o subsolo, aumentando seu isolamento de correntes domésticas e limitando sua habilidade de lutar de volta.

Em tempo, a Guerra Fria começou a derreter, pelo menos domesticamente, depois do crescimento dos movimentos dos Direitos Civis e de liberdade de expressão, no final dos anos de 1950. Sobre a libertação da sua liderança da prisão, a atividade do partido recomeçou. Por então, uma estrutura estratégica e tática atualizada foi exigida, quando as atividades comunistas empreenderam a longa e difícil tarefa de reconstruir relações nos locais de trabalho, comunidades e campi. A política de unidade de centro-esquerda por meio da construção de cáucuses de base ajudou a libertar o movimento trabalhista do controle de líderes pró-empregadores e de “sindicatos empresariais,” que abraçavam políticas contra trabalhadores que eram pró-guerra, contra ações afirmativas, contra imigrantes e contra a solidariedade internacional.

Importantemente, o Partido também voltou a colocar candidatos em cargos locais, estaduais e nacionais, em um esforço para aumentar a visibilidade e influência no debate nacional. O trabalho de frente unida começou a sério quando a revolução dos Direitos Civis se desdobrou, junto com o movimento para acabar com a Guerra do Vietnã. A solidariedade com a libertação da África, particularmente a África do Sul, se tornou um principal lugar de luta.

A frente de todos os povos

No meio dos anos de 1980, uma virada para a direita pelos grandes negócios aconteceu. O impacto de décadas da Estratégia do Sul de Richard Nixon, o escândalo Irã/Contra durante a posse de Ronald Reagan e a ventura da Maioria Moral do Comitê Nacional Republicano se combinaram para produzir uma nova e perigosa qualidade, “um sopro de fascismo,” como Gus Hall a chamou. Estava em jogo como se ajustar taticamente, e a questão acendeu um grande debate na liderança do CPUSA.

Vic Perlo, então o principal economista do partido, tinha sido avisado dessas tendências no Conselho Nacional de discussões. Com o tempo, Hall não apenas se tornou convencido, mas alarmado, e argumentou que o perigo da direita tinha se tornado tão grave que era necessário “eleger todos os Democratas, e derrotar todos os Republicanos.”

Uma mudança de marcha foi proposta: o partido iria temporariamente suspender convocar candidatos para cargos. Assim, começou a conversa que mais tarde iria levar à decisão do CP para a criação de uma frente de “todos os povos.”

Hall estava quase sozinho no debate subsequente que variou de questionamento leve, para bambeando e gaguejando, oposição completa. Depois de uma longa discussão, a proposta foi apresentada. Em sua síntese do primeiro debate do Conselho Nacional, o presidente de longa data reclamou, “Vocês, camaradas, não percebem que estão contra porque vocês nunca foram atingidos.” Sua proposta, contudo, venceu o dia em um encontro ulterior.

O próprio Hall, é claro, não era estranho à necessidade por unidade. Nos dias seguintes à renúncia de Nixon, ele tinha chamado por “unidade dos povos” para virar o país. Nixon deixando o cargo podia resultar em “um novo começo, se isso resultar em uma nova unidade – uma unidade de todas as forças democráticas, uma unidade de todas as forças da classe trabalhadora, uma unidade dos racialmente oprimidos, uma unidade das forças de paz, e uma unidade da geração mais jovem.”

Esse novo começo unido, contudo, demorou a chegar. Logo após o debate acima mencionado, o Comitê Nacional do PC adotou uma estratégia de “frente de todos os povos,” uma política que a despeito de problemas de implementação, ficou em bom lugar. A eleição de uma maioria de extrema direita Republicana, nas eleições de meio termo em 1994, lideradas por Newt Gingrich, seguida pelas duas presidências de Bush, a emergência do Tea Party, e agora o crescimento de um movimento fascista de massa liderado por Donald Trump, destacou a clarividência do partido.

Durante esses anos, o PC declinou de apresentar candidatos presidenciais (nos EUA), mas continuou a concorrer por cargos em números muito reduzidos, nos níveis local e estadual. Mais recentemente, o partido, enquanto contendo sua política de frente de todos os povos, prometeu encorajar candidaturas comunistas e concorrer por cargos onde possível.

Uma tensão contínua está presente em todos os desenvolvimentos entre manter os princípios básicos do marxismo e aplica-lo em condições em constante mudança. Como você decide entre o que é uma questão primária ao redor da qual não pode haver compromisso e o que é uma secundária aberta a negociação?

Reconhecidamente, não é uma questão fácil, quando tempo e de novo pedras fundamentais teóricas são negociados por uma aparente vantagem. Para ganhar votos, os socialistas do século XIX abandonaram pontos fundamentais de seu programa. Poucas décadas depois, de novo bajulando, muitos desses mesmos partidos votaram para apoiar os esforços de guerra de seus governos. A Segunda Guerra Mundial encontrou a liderança do CPUSA tão tomada com a tarefa de construir a unidade nacional antifascista, que eles negociaram a independência de classe por isso.

Esse problema surge de novo e de novo: no eurocomunismo, nas reformas perestroika de Gorbachev, e pós-guerra fria, nos esforços do CP para romper com estreitas restrições e encontrar relevância entre chamados para repensar sua visão comunista, mudar seu nome e até dissolver a organização.

Mas essas pressões são inevitáveis. Realmente, elas são parte do próprio tecido vivo do marxismo, uma doutrina cujas visões são continuamente testadas, mudadas e testadas novamente. Claramente, há que se tomar cuidado no curso desses testes sociais que a mesma porta que se abre para novas ideias não leva a janela através da qual princípios básicos são perdidos.

Conceitos como a frente unida e a frente de todos os povos continuam uma força vívida e de respiração na política americana. Eles vêm repetidamente juntos na vida real, na esteira da eleição de Trump: nas marchas das mulheres, nas revoltas contra os assassinatos da polícia, nas permanências das revoltas às urnas. O conceito não é estático: a frente de todos os povos não é um evento, em encontro, uma conferência, mas, ao invés, uma série de encontros, eventos, conferências, manifestações, marchas e ocupações, durante todo um período. É o movimento de massa do povo vívido e respirando.

Tirando as lições de sua história e as aplicando criativamente com flexibilidade, enquanto evitando conceder os princípios da classe trabalhadora é fundamental.

As formas de frente unida e popular vão variar de acordo com o tempo, lugar e circunstâncias: uma coalisão por habitação em uma cidade, uma aliança para evitar fechamentos de fábricas em outra, um movimento por direitos reprodutivos em uma terceira, uma coalisão antiguerra para terminar a invasão russa da Ucrânia em uma quarta. O Partido Comunista nunca deve ter medo de participar, entrar ou iniciar coalisões. Realmente, não deve ter medo. O que ele deve realmente temer, contudo, é falhar em salientar a necessidade da liderança da classe trabalhadora dessas coalisões.

Como Gus Hall costumava dizer: “Mantenha seus olhos na classe trabalhadora. Você vai errar, é claro, mas você não vai cometer os grandes erros.”

Joe Sims é copresidente do Partido Comunista dos EUA. Ele também é editor sênior do People’s World.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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