PUBLICADO EM 24 de fev de 2023
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Escravocratas paulistas mantiveram poder político, mesmo com o final da escravidão

Quadro Ciclo do Café, de Cândido Portinari, 1935.

Na Primeira República, no período pós-abolição, grandes fazendeiros negaram à população pobre e ex-escravizada condições adequadas de vida e educação

O fim da escravidão, decretado pela Lei Áurea, em 1888, não mudou a mentalidade dos escravocratas, que eram latifundiários, elite produtora de café do Estado de São Paulo novos empresários, com forte influência sobre as políticas dos municípios paulistas.

A tese “Escravidão, raça e coronelismo: municípios e finanças públicas em São Paulo na Primeira República”, do cientista social, Josué Lima Nóbrega Junior, da Faculdade de Filosofia da USP, reforça esse histórico. Segundo Josué, aqueles fazendeiros transformaram-se “em figuras centrais do chamado coronelismo paulista e mantinham o controle da terra e do trabalho, mesmo sem terem seus escravos”.

Ele pesquisou sobre a situação gerada com o fim da escravidão para os negros e para os escravocratas e qual foi o impacto financeiro destas relações no Estado de São Paulo entre 1888 (ano da abolição) e 1930 (fim da República Velha e início da Era Vargas), apontando a expansão da economia cafeeira foi o auge da exploração escravista.

Um aspecto interessante e pouco abordado pela historiografia, levantado pelo sociólogo, é que boa parte dos escravocratas paulistas desejavam que a abolição acabasse de forma gradativa de acordo com as necessidades de cada Estado, a exemplo do que ocorreu nos EUA.

Segundo ele, as justificativas dos escravocratas para que a escravidão não fosse declarada totalmente extinta estavam, por exemplo, na oposição de políticos paulistas em relação à Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, que determinava que os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir dessa data seriam livres, bem como na resistência das câmaras municipais paulistas à Lei dos Sexagenários, de 28 de setembro de 1885, que libertava escravos com mais de 60 anos. Ao Jornal da USP, Josué disse que “Esses senhores propunham uma escravidão até 1910. Segundo ele, a escravidão acabaria naturalmente, com a morte dos escravos mais velhos e com o nascimento das crianças negras livres”.

E mesmo que a abolição tenha sido decretada em 13 de maio de 1888, os patrões, oligarcas conquistaram crescente poder político. Josué revela que:

“Os municípios que mais exploravam o trabalho escravo direcionavam uma parcela maior dos recursos municipais para beneficiar os interesses econômicos dos antigos proprietários de escravos, principalmente em projetos de infraestrutura, como construção de estradas e sistemas de abastecimento de água.” Essas atitudes dos ex-escravocratas eram mais evidentes em cidades com uma forte cultura cafeeira, como na região do Vale do Paraíba, bem como no chamado “oeste” cafeeiro. Nessas regiões, havia uma carga tributária mais alta, mas os impostos não eram aplicados em benefício da população em geral, conforme descrito pelo pesquisador”.

Com o fim da escravidão, o País passou a receber um fluxo migratório de europeus. “Houve aumento da população de uma forma geral”, conta o cientista social, que analisou dados da população negra provenientes do Censo imediatamente após o fim da escravidão, do ano de 1890.

Para Nóbrega Junior, fica evidente a influência de uma ideologia discriminatória no período pós-abolição. O fator racial era extremamente relevante para as decisões em políticas públicas, como conta o pesquisador. “Naquele momento, mesmo os contratos de trabalho eram diferenciados, com vantagens exclusivas para os imigrantes brancos que não existiam para os ex-escravos negros.” O Estado de São Paulo passava por um processo de tentativa de “branqueamento” de sua população. Tanto que não apenas os grandes fazendeiros, mas também o governo do Estado de São Paulo, financiaram a vinda de imigrantes europeus tendo como critério dentro da lei fatores raciais relacionados com a origem dos trabalhadores. A legislação estabelecia políticas públicas de incentivo exclusivas, como para a propriedade da terra, moradia e serviços municipais, em detrimento da população negra. Segundo o cientista social, as evidências apontam para a força da mentalidade discriminatória da elite paulista na época, que adotava um pensamento “eugenista”, no qual tudo de origem africana era considerado inferior.

De acordo com Nóbrega Junior, a pesquisa evidencia a mobilização de recursos para a mobilização eleitoral, em um contexto de dificuldades do Partido Republicano Paulista (PRP) em manter a hegemonia política do Estado. A influência do PRP foi decisiva para influenciar as administrações das câmaras municipais a canalizar recursos para atender os coronéis das cidades, principalmente após as eleições de 1910, em que houve a derrota do candidato apoiado pelo partido, Rui Barbosa. “A partir de 1912, as dificuldades políticas em manter a hegemonia do PRP, especialmente no Legislativo nacional, levaram a uma mobilização ainda maior de recursos públicos locais para obter mais apoio e, consequentemente, mais votos para fortalecer candidatos do partido.”

Com informações de Jornal da USP

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