Em abril de 1978 teve início uma onda de greves por reajuste de salário baseado nos cálculos apresentados pelo DIEESE, então dirigido pelo economista Walter Barelli. O movimento se iniciou na Scania, no ABC paulista, e a adesão se deu como um rastilho de pólvora, expandindo por todo o Brasil, com apoio das diretorias sindicais ou independente delas. A mobilização dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho demonstrava sua força.
Quem viveu aquela época sabe como foi a força daquela onda, com seus ares de renovação entre os trabalhadores a partir das organizações de base nos locais de trabalho. Vale destacar que estávamos em plena ditadura, com seu aparato repressivo atuando e a estrutura sindical atrelada ao Ministério do Trabalho. Esse tipo de organização já havia sido experimentado nas greves de 1968, em Contagem e em Osasco, mas foi duramente reprimido. Aquelas foram experiências pontuais em um contexto nacional e histórico marcado por fábricas fechadas aos sindicatos e pela falta de incentivo dos próprios dirigentes sindicais na criação das comissões de fábrica.
E elas foram retomadas nas greves de 1978, com a criação de comitês sindicais, comissões de fábrica, comissões de empresa e delegados sindicais. Isso porque, uma vez que o sindicalismo era reprimido, o movimento partiu de dentro das fábricas.
Quero aqui me ater à postura sindical. A organização no local de trabalho não era incentivada pela maioria dos dirigentes, porque, para eles, bastava a estrutura “sindicato, federação, confederação”. Não havia a seção sindical, já presente em centenas de centrais sindicais no mundo. Nem central havia. Mas, na esteira das reivindicações por reposição salarial, deflagradas pela denúncia do Dieese, o movimento colocou em debate a necessidade da presença sindical nas empresas, de forma democrática e organizada, eleitas pelos trabalhadores. E, como resultado daquele debate, uma das grandes vitórias das greves de 1978 foi, justamente, a conquista da negociação direta, que contemplava necessidades pertinentes a cada empresa. Uma vitória sólida e permanente.
Estas negociações diretas possibilitaram que os sindicatos apresentassem suas reivindicações via convenções coletivas (que valiam e valem para toda a categoria representada). A partir de então, diversos itens para a melhoria das condições de trabalho, que passaram a compor as convenções coletivas de cada categoria, somaram-se às reivindicações salariais. Como, por exemplo, a saúde e segurança no trabalho e a organização de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs).
Com isso, centenas de comissões de fábricas proliferaram, além de delegados e comitês sindicais. Acirrados debates questionavam se o melhor formato seria comitê de empresa, comissão de fábrica, comitê sindical ou delegado sindical. Entretanto, a despeito da importância destas ações, as comissões permaneceram informais, e nada mudou na estrutura e na lei.
Mesmo no debate sobre a Constituição de 1988, quando poderíamos ter aproveitado o momento de boas mudanças para rever nossa estrutura, mantivemos o sindicalismo organizado em Sindicato, Federação e Confederação. Nem comitês nos locais de trabalho, nem centrais sindicais foram legalizados naquela ocasião. O mais próximo disso a que chegamos foi a eleição de um representante em empresas com mais de 200 empregados, algo que nunca foi regulamentado.
No governo Lula, a partir de 2003, as conversas sobre a criação de um Fórum Nacional do Trabalho (FNT), com estrutura tripartite, governo, trabalhadores e empresários, que chegou a ser proposto no governo Itamar Franco, quando Walter Barelli foi ministro do trabalho, foram retomadas.
Chegamos a formular uma nova forma de financiamento e conquistamos, no ensejo desta iniciativa, a legalização e o reconhecimento das 6 centrais sindicais que preenchiam requisitos da lei. A estrutura sindical, criada por Getúlio Vargas, todavia, permaneceu.
Esta discussão voltou durante a reforma trabalhista, no governo de Michel Temer. E não foi por nossa iniciativa, nem de forma amistosa aos trabalhadores. A reforma de Temer atingiu em cheio todos os níveis do sindicalismo, dos sindicatos municipais até as representações nacionais e as centrais sindicais.
Com queda da contribuição aos sindicatos (um dia de salário por ano) a estrutura sindical encolheu sua ação assistencial (ambulatórios médicos, colônias de férias, etc.) e sua ação sindical (cursos de formação, comunicação, e mesmo a presença nas portas dos locais de trabalho).
Agora, com o avanço da tramitação da reforma da Previdência, especula-se que o próximo grande debate que marcará o Congresso será sobre uma reforma da estrutura sindical. Dentro disso, uma das propostas que se cogita é baseada no pluralismo sindical e no sindicato por empresa, onde só existe acordo coletivo para as empresas sindicalizadas, ficando as demais, que não têm sindicato organizado, sem os frutos da negociação. Aqui no Brasil, o que acontece hoje é que a negociação sindical vale para todos da categoria.
Levanto aqui a questão: como o movimento sindical, que não repensou sua estrutura nem nas greves de 1978, nem na Constituição de 1988 e nem durante o governo Lula, construirá uma proposta unitária para a reforma que desponta no horizonte?
Por qual estrutura trabalharemos: por central sindical, onde o trabalhador se filia à uma central e internamente se organizam por ramo ou setores econômicos, constituindo suas federações e confederações? Ou uma estrutura onde os sindicatos se filiam a uma central e internamente se organizam por ramos ou setores econômicos constituindo suas federações e confederações?
Pela minha experiência e conhecimento sobre o sindicalismo internacional, penso que a estrutura sindical poderia ter 2 formas de recursos: a) da mensalidade associativa de quem se filia à entidade sindical e; b) e de uma taxa decidida em assembleia paga por aqueles que se beneficiam dos acordos e convenções coletivas (sócios e não sócios).
Penso ainda que, em uma revisão da estrutura sindical, a organização no local de trabalho deverá ser regulamentada. Nos países que regulamentaram, existe maior diálogo e menor incidência de processos na Justiça do trabalho. Existe, enfim, um clima de maior harmonia no ambiente de trabalho.
Esse debate virá. Será fundamental que nós, trabalhadores, possamos opinar, propor que tipo queremos, baseados nas experiências internacionais e também em nossa longa experiência brasileira. Sem dúvida, um debate para o Congresso Nacional regulamentar.
João Carlos Juruna, secretário geral da Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo
Fonte: Poder360