O revoltante massacre de Paraisópolis, ocorrido dia 1º de dezembro, com nove jovens e adolescentes mortos, serviu para confirmar algumas coisas que já sabíamos e outra que tínhamos quase certeza.
Por um lado, o despreparo total da Polícia Militar para lidar com o povo e com os movimentos sociais. Isso porque a PM ainda mantém a orientação não declarada, cultivada durante a ditadura militar, de reprimir com violência muito mais do que policiar com inteligência, e, num país injusto e desigual como o nosso, o morador pobre da periferia, sobretudo jovem e negro, acaba quase sempre levando a pior.
Os vídeos gravados não mentem. Como bem escreveu o jornalista Sérgio Rodrigues, na Folha de S. Paulo, “continuamos matando inocentes e culpados pobres para garantir a cada vez mais periclitante segurança dos inocentes e culpados que não são pobres…”. Isso está comprovado estatisticamente. Está agora comprovado nas mortes dos nove adolescentes em Paraisópolis.
Por outro lado, esse triste acontecimento desmascara o cinismo do governador tucano João Dória, que governa e faz declarações contraditórias sempre de olho nas pesquisas de opinião. Apoiado na legítima preocupação dos paulistanos com a segurança, ele primeiro defendeu a PM, afirmando que sua política para o setor não mudaria. Em seguida, após a reação indignada da comunidade de Paraisópolis e após a repercussão negativa do caso nas redes sociais, mudou da água para o vinho. Afastou todos os policiais envolvidos no massacre e ficou do lado das vítimas, prometendo mundos e fundos, promessas não cumpridas pelos tucanos em 25 anos à frente do governo do Estado. Oportunismo puro.
Vindo de um homem que largou a prefeitura na qual jurou que cumpriria seu mandato, que traiu o candidato presidencial do seu partido e pegou carona descarada na popularidade e nas posições “linha-dura” de Bolsonaro para se eleger governador e que agora critica e tenta se afastar do atual presidente, já não tão popular assim esta atitude não surpreende. Dória é um político falso como uma nota de três reais, com cara de plástico, opiniões de plástico e moral de plástico.
A questão primeira, contudo, permanece: como agir em relação aos bailes funk que acontecem pela cidade, os chamados “pancadões”? As atuais administrações municipal e estadual alternam, como no caso da cracolândia, entre a omissão e a violência gratuita. Ou não se faz nada, ou se atua de forma desastrada e truculenta, sem planejamento e sensibilidade, com os resultados que já estamos cansados de conhecer. A situação só piora.
A segurança pública exige autoridade com responsabilidade social. Como acontece no centro da cidade com o apoio oficial da prefeitura, em que eventos ruidosos e com grande público são realizados em locais impróprios e num desrespeito absoluto aos moradores da região, os pancadões são realizados em áreas residenciais sem nenhum tipo de controle, sem infraestrutura, higiene ou segurança. São bailes nos quais centenas se divertem em detrimento de milhares que vivem nos arredores e quase enlouquecem com o som ensurdecedor. Além disso, é de conhecimento da sociedade e do poder público que nestes eventos muitas vezes o comércio ilegal, o tráfico de drogas e a criminalidade acabam se misturando com a festa e alegria de alguns para a insegurança de todos.
A falta de alternativas de lazer e cultura alimentam a indústria dos pancadões na periferia. Um erro, entretanto, não justifica outro. É papel do Estado não permitir a realização desses eventos em locais que não apresentam condições para isso e onde o crime encontra brechas para se instaurar. A ampla maioria da população silenciosa, que tenta viver no seu entorno e que sofre na pele seus efeitos, certamente agradecerá a presença e a fiscalização justas e responsáveis do Estado nestes grandes eventos.
É preciso proporcionar a essas comunidades, em especial às suas crianças e jovens, opções culturais e de recreação, que não se esgotem nos eventos, mas que se estabeleçam como atividades continuadas, com envolvimento ativo dos interessados. Com infraestrutura adequada e profissionais qualificados. O próprio baile funk pode ser incentivado como manifestação cultural, dentro das regras da civilidade.
É preciso também promover e valorizar os esportes, com campos, quadras, equipamentos e instrutores. Estimular as artes plásticas e cênicas, com oficinas, espaços e materiais correspondentes. Prover educação musical com instalações e instrumentos apropriados, com professores capacitados.
Na própria comunidade de Paraisópolis há bons exemplos, como a implantação de dois projetos maravilhosos de orquestra sinfônica e balé, projetos que aguardam somente um prédio escolar, prometido há anos pela prefeitura. Mas, no lugar de honrar as promessas, os tucanos do PSDB mandam a PM. No lugar de violões e flautas, revólveres e cassetetes…
Os paulistanos, tanto do centro quanto da periferia, pedem apenas respeito e dignidade. São Paulo precisa de políticos à altura dessas aspirações básicas.
Será que é pedir demais?
Luiz Antônio Medeiros é metalúrgico, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, fundador da Força Sindical, foi deputado federal e Secretário de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo entre 2015 e 2016.
Paulo Rogério
A ideia de se combater violência com cultura é a única que pode dar certo. Há vários exemplos que deram certo. Mas esse governo é insensível a isso.