PUBLICADO EM 19 de jun de 2024
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Os interesses por trás do debate sobre contas públicas e Previdência

Está em curso no país uma ruidosa campanha unificada da direita e extrema direita alardeando a necessidade de um ajuste fiscal fundado numa nova reforma da Previdência com o objetivo de neutralizar os impactos da política de valorização do salário mínimo e reduzir os valores das aposentadorias e pensões e programas sociais.

Burburinho reacionário

O burburinho conservador, para não dizer reacionário, teve início no interior do próprio governo Lula quando a ministra do Planejamento, Simone Tebet, informou que andava debatendo com sua equipe um cardápio de propostas que incluía a desvinculação de aposentadorias e benefícios sociais da política de valorização do salário mínimo, em entrevista ao jornal Valor publicada no dia 7 de maio.

Mais tarde, diante da repercussão negativa da ideia no interior do próprio governo, de suas bases e do PT, Tebet voltou atrás. Durante audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, em 12 de junho, ela declarou que “não passa pela cabeça do presidente Lula nem da equipe econômica desvincular a aposentadoria do salário mínimo”.

“Acho que mexer na valorização da aposentadoria é um equívoco”, sustentou.

Mas, acrescentou um detalhe que não deixa de ser muito preocupante para a classe trabalhadora e o movimento sindical. “Estamos analisando a possibilidade de modernizar benefícios previdenciários [não relacionados à aposentadoria] e trabalhistas”, disse.

Contra a Constituição

A “modernização”, no caso um eufemismo cínico e sórdido usado para eludir o retrocesso neoliberal, inclui a “desindexação” do seguro-desemprego, do abono salarial, do auxílio doença e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que se situaria futuramente em valores inferiores ao salário mínimo, o que hoje não é permitido pela Constituição.

Os cardeais do santificado “mercado” aproveitaram a deixa da ministra indicada pelo MDB para dar curso a uma nova ofensiva contra a magra renda dos aposentados e dos mais pobres contemplados pela rede de seguridade social.

A mídia neoliberal entoa um canto uníssono em editoriais alarmistas que apontam um suposto descalabro das contas públicas, reclamando atenção especial para o crescimento das despesas do INSS.

Ajuste fiscal

Proclamam a necessidade de um ajuste fiscal, assinalando que este não pode ser feito com aumento da receita, que poderia vir por exemplo da desoneração ou da elevação dos impostos sobre os mais ricos (taxação das grandes fortunas, das remessas de lucros, dos dividendos). Exigem cortes nos gastos sociais.

Procuram criar um clima artificial de pânico e associar a volatilidade dos mercados financeiros e a alta do dólar (que é um fenômeno global e não local) ao risco fiscal que projetaram.

“É urgente controlar os gastos públicos”, vociferou em recente editorial o jornal O globo, propriedade privada da bilionária família Marinho, que sugere (vejam só!) duas velhas ideias:

“Primeiro, desvincular do salário mínimo os benefícios temporários pagos pelo INSS. Desde o ano passado, o mínimo passou a ser regido por uma lei que pressupõe aumento real, acima da inflação, semeando alta descontrolada nas contas da Previdência. Segundo, é preciso voltar a desvincular do aumento das receitas os gastos constitucionais obrigatórios com saúde e educação.”

Esvaziando os bolsos mais pobres…  

Resumo da história: nossa distinta burguesia, como um Shylock moderno, quer cortar, ou melhor, continuar cortando, na carne já magra do povo trabalhador, dos idosos pobres que dependem do BPC, do trabalhador acidentado ou doente com direito ao auxílio doença, do desempregado que recorre ao seguro desemprego.

Os indicadores econômicos são positivos, refletindo o crescimento do PIB, da renda e do emprego como resultado das políticas progressistas do governo, com destaque para a valorização do salário mínimo, que fortaleceu o mercado interno, estimulando o consumo e a produção.

Mas, as cassandras neoliberais não se cansam de profetizar o caos econômico que seria iminente e viria inevitavelmente no rastro da valorização do salário mínimo e outras medidas adotadas pelo governo para aliviar o sofrimento e melhorar a vida do nosso povo.

A classe trabalhadora precisa adquirir a consciência de que subjacente ao debate sobre o orçamento público (envolvendo ideias contraditórias em torno dos investimentos públicos, meta fiscal de déficit zero, corte dos gastos, política de valorização do salário mínimo com suas vinculações e gastos com saúde e educação pública) observa-se o choque de interesses de classes sociais antagônicas, que faz do orçamento governamental objeto de um acirrado conflito distributivo.

Para encher as burras de ociosos rentistas

A narrativa velhaca da mídia neoliberal faz tábua rasa de dois fatos fundamentais. Primeiro, o peso extraordinário do pagamento dos juros nos gastos governamentais, que não para de subir. Rentistas ociosos enriquecem como agiotas subtraindo do erário recursos que poderiam ser destinados a programas associados ao crescimento da economia, bem estar social e desenvolvimento nacional.

As despesas com juros da dívida pública do Governo Central somaram R$ 614,55 bilhões em 2023, contra R$ 503 bilhões em 2022, de acordo com informações oficiais, superando as despesas conjuntas do Ministério da Saúde (R$ 170,26 bilhões), Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social (respectivamente, R$ 142,57 bilhões e R$ 265,291 bilhões), totalizando os três ministérios R$ 578,13 bilhões.

Trata-se de uma transferência brutal de renda e patrimônio do povo para a oligarquia financeira, mas a relevância do tema é deliberadamente ignorada pela mídia burguesa porque os interesses poderosos aí envolvidos são considerados “imexíveis”, como diria o companheiro Rogério Magri.

Em segundo lugar, é preciso acrescentar, porque aqui também a realidade é obscurecida pelo pensamento dominante, que os cofres do INSS foram desidratados pela malfadada política de desoneração da folha de pagamentos das empresas, que o governo não consegue rever por conta da composição do Congresso Nacional, servil ao capital e francamente hostil ao trabalho.

Embora Lula tenha dito que não fará ajuste fiscal à custa dos pobres, a pressão é grande e a equipe econômica do governo emite diariamente sinais de que está disposta a fazer concessões.

Agenda da classe trabalhadora

Nosso desafio, como sindicalistas, é conscientizar a classe trabalhadora e mobilizá-la para que seus direitos e interesses não sejam mais uma vez sacrificados no altar de um falacioso equilíbrio de um orçamento que foi capturado por um restrito grupo rentistas, que nada produzem em prol da nação.

O ajuste que defendemos tem outra natureza e seu custo há de ser coberto integralmente pelos mais ricos, em especial os ociosos rentistas.

Ao contrário das receitas que a classe dominante quer nos impor, socialmente regressivas e recessivas para a economia, a classe trabalhadora defende uma agenda que compreende o aumento das receitas e dos investimentos públicos com base numa reforma tributária progressiva, redução substancial das taxas de juros e dos spreads bancários, elevação da taxa de investimentos, reindustrialização da economia, reoneração da folha das empresas, bem como a reestruturação e renegociação da dívida pública com os grandes credores, buscando uma substancial redução da participação dos juros (que vem a ser o lucro dos rentistas) no orçamento público.

Com isto, teremos mais recursos para atender as necessidades da população e impulsionar um novo projeto de desenvolvimento nacional com democracia, soberania e valorização (em vez de depreciação) da nossa classe trabalhadora.

Adilson Araújo é presidente da CTB, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

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