Nos anos que se sucederam entre 2013 e 2016, o Brasil se viu imerso em um turbilhão de atos e manifestações políticas, sociais e econômicas que, embora enredadas em crises, também despontaram como um campo fértil para a emergência de novas possibilidades.
A insatisfação popular que tomou as ruas em julho de 2013 não possuía uma base ideológica bem definida, mas sim um clamor difuso por mudanças. As manifestações, que inicialmente clamavam pela redução das tarifas de transporte público, revelaram uma frustração acumulada com um sistema político que apesar das mudanças de governo, sempre parecia distante das necessidades reais da população.
O movimento “Tarifa Zero” em São Paulo foi o estopim que incendiou as ruas, atraindo vozes de diversos matizes ideológicos. Contudo, na ausência de uma liderança clara e de propostas concretas, o clima reivindicatório também abriu espaço para a infiltração de forças conservadoras e reacionárias.
A mídia, por sua vez, alimentou essa chama ao criticar incessantemente o governo de Dilma Rousseff, criando um ambiente propício para que os extremistas de direita buscassem ocupar espaços que haviam sido silenciados durante os anos da democracia.
A ineficácia do governo em lidar com as demandas populares – especialmente em um contexto onde as palavras de ordem como “Saúde e Educação padrão FIFA” ecoavam nas praças e avenidas – refletiu uma falta de habilidade política. O contraste entre os investimentos faraônicos em estádios para a Copa do Mundo e a carência nas áreas essenciais fez com que muitos se sentissem traídos. Assim nasceu, metaforicamente, o ninho da serpente: um espaço onde as ideias reacionárias poderiam germinar sem resistência.
No dia 17 de abril de 2016, a serpente colocou seu ovo no ninho cuidadosamente preparado. O voto do deputado Jair Messias Bolsonaro pelo impeachment da presidenta Dilma foi mais do que uma simples manifestação política; foi um ato simbólico que reverberou nas entranhas da história brasileira. Ao evocar a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – um torturador notório – Bolsonaro não apenas sinalizou sua aliança com a repressão militarista do passado; ele também depositou a semente de um novo autoritarismo.
Esse ovo, fecundado pelas frustrações e pelo ressentimento acumulado durante anos, adormeceu no inconsciente coletivo de parte da população do país até que, em 2018, se manifestou plenamente. A serpente rastejou até o Planalto Central e ocupou o poder com promessas populistas e discursos inflamados. Os quatro anos seguintes foram marcados por uma gestão protofascista que buscava reverter conquistas sociais e políticas duramente conquistadas.
Entretanto, como bem disse Karl Marx: “A história não se repete, a não ser como farsa.” O enredo burlesco da era Bolsonaro trouxe à tona uma resistência vigorosa por parte das forças progressistas. Após sucessivas derrotas eleitorais de ambos os lados e tentativas constantes de golpe contra a democracia, a luta pela sobrevivência tornou-se imperativa. O slogan “Antes que o animal cresça lhe corta a cabeça” ecoou entre movimentos sociais e a consciência democrática do país como um chamado à ação para enfrentar o monstro que ameaçava devorar o país.
A vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro em 2022 representou uma vitória parcial nessa luta titânica contra os tentáculos da serpente. Contudo, é preciso estar consciente da persistência desse mal na sociedade brasileira; suas raízes são profundas e sua capacidade de regeneração é alarmante. O enfrentamento deve ser firme e decidido: não podemos permitir que essa serpente renasça.
Oxalá que estejamos prontos para esmagar sua cabeça com determinação e coragem. O Brasil não pode mais brincar com fogo; é hora de erradicar essa ameaça antes que ela encontre novamente espaço para se desenvolver nas sombras da nossa história.
Diógenes Sandim Martins é médico, diretor do Sindnapi e secretário-geral do CMI/SP