PUBLICADO EM 22 de out de 2018
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O necessário diálogo coletivo de trabalho

Por uma série de fatores o Brasil passa por sua maior crise econômica e nesse momento de dificuldades para toda a sociedade é preciso encontrar saídas que possam conduzir a nação por outros caminhos menos penosos. A mudança de rota depende de uma construção bem projetada, com alicerces que possam suportar o peso que as necessárias mudanças ocasionam. A reforma trabalhista promovida pela Lei nº 13.467/2017 trouxe profundas e nefastas alterações nas relações individuais de trabalho, no processo do trabalho e nas relações coletivas de trabalho (negociações coletivas e custeio sindical).

A negociação coletiva de trabalho é a principal das funções das entidades sindicais, que assumem um poder legiferante destinado à formação consensual de normas que irão regular condições de trabalho e serão aplicadas a determinado grupo de trabalhadores e empregadores. Trata-se da denominada autonomia coletiva dos particulares, que podem livremente dispor sobre o que lhes é mais adequado no mundo do trabalho, sendo que nessa concepção pluralista, o Estado não detém o monopólio da criação do direito, nos termos que que autorizam a Constituição Federal, Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil e a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

A expressão “negociação coletiva de trabalho” abrange todas as negociações entre empregador (es) e grupos de trabalhadores representados por sua entidade sindical ou entre sindicato patronal e sindicato de trabalhadores das correspondentes categorias econômica e profissional. A autocomposição tem funcionado bem até aqui, é o que mostra levantamento do Dieese – Departamento intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos com base nos reajustes salariais em comparação com o INPC-IBGE de 2013 a 2017, ou seja, no ano de 2013, 93,7% das negociações alcançaram reajustes iguais ou superiores ao INPC-IBGE; em 2014, 97,7%; em 2015, 81,2%; em 2016, 62,7% e em 2017, 91,5%. Isso significa que a liberdade negocial, sem a interferência estatal tem sido exitosa, pois representa a vontade das partes num determinado momento.

A reforma trabalhista, acertadamente, ampliou a função negocial das entidades sindicais trazendo maior segurança jurídica aos envolvidos. No art. 611-A da CLT foram expandidos de modo exemplificativo os temas que podem ser objeto de negociação coletiva. É preciso ressaltar que a necessidade de comum acordo (autorização expressa da parte contrária) para suscitar dissídio coletivo e o cancelamento pelo STF dos efeitos da Súmula que previa a ultratividade da norma coletiva ocasionaram séria descompensação nas relações coletivas de trabalho, ocasionando uma redução de 34% dos acordos coletivos e 45,2% das convenções coletivas do 1º semestre de 2017 para o 1º semestre de 2018 (fonte:www.tst.jus.br/web/estatística e www.salariometro.org).

O fato é que nessa nova plataforma legal criada pela Lei nº 13.467/2017, a negociação coletiva é protagonista e pode ser instrumento de adequação setorial por meio de concessões mútuas e eventual renúncia de algum direito disponível com o propósito de conquistar outros ou manter empregos, esse é o caminho a ser trilhado. Passamos pela 4ª revolução industrial – fase tecnológica – inteligência artificial, onde robôs e outras máquinas estão substituindo o ser humano na cidade e no campo. A globalização impôs uma concorrência econômica com países superpopulosos como a China e Índia, fazendo com que produtos fabricados a custo mais baixo venham competir com produtos fabricados no Brasil, tudo isso leva a um necessário reposicionamento nas relações de trabalho e a equação a ser solucionada é tornar o país competitivo preservando direitos sociais conquistados com a Constituição Federal de 1988.

A negociação coletiva deverá ser fruto de um diálogo ampliado e bem mais sólido, fundamentado em projetos de médio e longo prazo. O movimento sindical precisa sair de dentro do carro parado onde ele está sentado olhando pelo espelho retrovisor. O diálogo coletivo envolverá conhecimento de história, sociologia, economia e direito, além de uma boa dose de pragmatismo. Nosso país tem dimensão continental e uma crise econômica no exterior pode nos atingir setorialmente gerando sérios problemas. Não podemos ser reféns de regras engessadas para
reger as relações de trabalho de empregados metalúrgicos, químicos, cozinheiros, motoristas, serviços e muitos outros, nesses milhares de municípios (exceto DF que são regiões administrativas) espalhados pelas vinte e sete unidades federativas nas cinco regiões do País. O Brasil tem capital humano suficiente, mas falta capital físico modernizado, faltam ainda efetividade tecnológica, investimento em pesquisa e educação de qualidade. São muitos os desafios.

Retomar o trilho do crescimento requer entre outras providências, parcerias sem subserviência por partes dos trabalhadores e empregadores no sentido de encontrar caminhos duradouros para a relação capital/trabalho, onde cada passo possa levar ao fortalecimento do empreendedorismo e da classe trabalhadora. O fim da contribuição sindical compulsória trouxe um maior desatrelamento das organizações sindicais ao Estado. A valorização das assembleias participativas deverá ocorrer naturalmente e a relação dos dirigentes sindicais com a categoria deverá ser mais enfática buscando de forma objetiva prover suas necessidades num contexto fidedigno, inclusive formas de custeio sindical democráticas.

É tempo de convergências, fruto de diálogo coletivo amplo, fundamentado, realista e duradouro, no sentido de que a negociação coletiva assuma um dos papéis relevantes e necessários para que o país avance de forma alicerçada numa direção diferente da que estamos tomando.

Cesar Augusto de Mello – Presidente da Comissão Especial de Direito Sindical da OABSP, consultor jurídico trabalhista e sindical de entidades sindicais

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