PUBLICADO EM 28 de jan de 2025
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Colunista: Igor Corrêa Pereira

O bode na sala

O educador Igor Pereira fala em “bode na sala” ao tratar do debate sobre a aliança entre revolucionários e social-democracia na luta contra o fascismo.

Por Igor Pereira

Igor Pereira

Igor Pereira

Peço licença para interropmper a programação normal para trazer uma pergunta incômoda: e se a tese de frente amplíssima para deter a extrema direita fascistizante estiver na verdade abrindo caminho para o fascismo ao invés de combatê-lo? Tal debate não é novo, trata-se da discussão sobre a pertinência da aliança dos revolucionários com a social-democracia.

Para auxiliar nesse debate, recorro a um finlandês, um português e um brasileiro. O finlandês se trata de Otto Kuusinen. Ele foi o líder da revolução de janeiro de 1918 na Finlândia que criou a breve República Socialista dos Trabalhadores da Finlândia. Para ele, o pacto dos revolucionários com a social-democracia era um grave equívoco. Ele defendia que a Internacional deveria intensificar os trabalhos para tirar os trabalhadores da influência nefasta dos partidos social-democratas.

“Quanto maior for a influência da social-democracia, mais grave é o perigo do fascismo”, alertou o dirigente.

Passou-se um século de suas advertências, e estamos aqui hoje temendo o crescimento do fascismo e à esquerda tendo apenas partidos social-democratas com influência de massa sobre os trabalhadores, o que parece dar razão aos temores dele.

Em seguida, quero citar o militante revolucionário português Francisco Martins Rodrigues. Ele se bateu em uma disputa com Alvaro Cunhal sobre os rumos do Partido Comunista Português, acabou sendo derrotado e abandonou o partido. Já em 2002, nos seus últimos anos de vida, sem parar a atividade de formulação, alertou sobre o novo fascismo que já dava seus primeiros sinais na Europa, na Áustria, Itália, França, Dinamarca, Holanda. Defendia a tese de não se aliar aos partidos democráticos social-democratas para enfrentar o fascismo, pois tal aliança aceleraria o avanço da extrema direita. Isto porque na prática, tais partidos cumpririam o programa fascista. Ele já percebia a agonia do  sistema e da democracia burguesa, e nesse cenário de decadência, defendia uma luta contra a social-democracia.

“A luta directa contra os neofascistas tem que ser inscrita como parte da luta geral contra a ‘democracia’ fascizante do grande capital, pela expropriação da burguesia, pela democracia dos trabalhadores”, argumentou.

E por fim, o dirigente máximo do Partido Comunista do Brasil João Amazonas, que se bateu com o célebre Luiz Carlos Prestes denunciando que seu revisionismo estaria levando o PCB a se tornar um partido social-democrata.

“Em várias oportunidades, a social-democracia, por temor à revolução, abriu caminho para o fascismo ou para a direita mais conservadora”, asseverou ele em 1981, quando ainda sequer se falava em novo fascismo pelo mundo.

E mais adiante, defenderia a criação de uma Frente Brasil Popular que tenha a frente Lula como candidato a presidente. Tal frente deveria ser ampla, mas ter um núcleo de esquerda na sua liderança. O historiador Diorge Konrad, grande intérprete de João Amazonas, assim definiria essa frente ampla e popular com núcleo de esquerda. Ela teria o desafio de enfrentar e derrotar (…) de vez a aliança conservadora da burguesia brasileira com o capital rentista e financeiro, abrindo cunhas para uma democracia de caráter popular que retome e amplie os direitos dos trabalhadores e modifique a correlação de forças para a construção de um governo nucleado pela esquerda e que abra o caminho socialista para o Brasil, afinal, como nos ensinou Rosa Luxemburgo, as reformas devem abrir as portas para a revolução.

Tomando o caminho oposto ao pretendido por João Amazonas, o que ocorre hoje é que por temor do fascismo, a frente ampla formada em torno de Lula não questiona o capital rentista e financeiro. Defende uma democracia que diminui os direitos trabalhistas e altera regressivamente a correlação de forças, apontando para governos cada vez mais nucleados pela centro-direita e aprofundando o neoliberalismo no Brasil.

As tímidas reformas, quando ocorrem, parecem muito mais abrir caminho para a extrema direita do que para a revolução. Na antevéspera das eleições de 2026, a esquerda no máximo tem a oferecer o medo como programa político para os trabalhadores, e ainda acusa aqueles que não querem votar nesse programa “menos pior” como “pobres de direita”.

Incapaz de apresentar soluções reais para o desemprego estrutural, a questão da violência, sem uma posição altiva frente ao imperialismo, a esquerda patina e no máximo defende que “o outro lado” é uma ameaça que a pena votar “no lado de cá”.

A tese que virou inquestionável da frente ampla parece só nos empurrar para o fortalecimento da extrema direita. Quanto mais a repetimos como mantra e nos apegamos às instituições, mais a credibilidade junto ao eleitorado parece cair. É hora de começar a pensar que talvez, e só talvez, essa tese da frente ampla seja um equívoco. O bode está aí na sala. É preciso admitir que ele está aí para que alguma coisa possa ser feita enquanto é tempo.

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestre em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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