PUBLICADO EM 04 de mar de 2021
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Mais uma vez sobre vacinas e a luta política

Em 2019, numa carga horária de 55h assumi 39 cadernos de chamada distribuídos em 32 diferentes turmas e em 5 disciplinas. Ocupava 13 dos 15 turnos semanais. Tive perto de 1200 alunos. Por quê inicio meu texto trazendo esses números brutos? Pela simples razão de que a minha situação era multiplicada por outros tantos trabalhadores em educação que, não raro, ainda complementavam a renda com outras atividades, de aulas particulares à vendas, de confeitaria à serviços.

Aliás, abrindo um parêntese, no Rio Grande do Sul, o vencimento básico de um educador em início de carreira não chega perto de 1,5 salário mínimo nacional. Mesmo dobrando a jornada e, portanto, equivalendo-se à carga horária dos demais trabalhadores, passa léguas do salário mínimo calculado pelo DIEESE, hoje na casa dos R$ 5.400,00. Na média nacional, aqui ainda mais distorcida, a profissão docente aufere 65% dos ganhos de outros profissionais com curso superior. Indispensável registrar que no caso dos funcionários a penúria econômica é mais severa e que os aposentados, graças às Reformas da Previdência de Bolsonaro e Leite, passaram a ter seus ganhos tungados pela voracidade neoliberal.

Voltando à “vaca fria”, como se diz popularmente, o fato é que condições salariais têm desdobramentos e implicações nas condições de trabalho e saúde e não estão desconectadas das condições gerais das políticas públicas na Educação. Escolas com infraestrutura precária e deficiente, sucateadas, com espaço físico inadequado e lotação que, fato corriqueiro, excedem os próprios regramentos oficiais, são parte do cenário educacional.

Dito isso, aparece a questão da pandemia, educação e vacinação. A linha de luta reivindicatória é clara: vacina para todos! Porém, diante da lamentável omissão e incompetência demonstrada durante todo o período pandêmico, faz-se necessário situar o problema de modo concreto. A importância em determinar ou não a prioridade de imunização dos profissionais da educação no calendário de vacinação não é tema simples e reconhecidamente polêmico.

Para isto, cabe elencar e considerar as características do trabalho escolar, sujeito a aglomerações, grande circulação e contato de pessoas, precariedade da infraestrutura para cumprimento dos protocolos sanitários, excessiva carga horária que acarreta maior número de interações, alta taxa média de idade da categoria, elevado índice de comorbidades e grupo de risco entre os educadores, histórico crítico da reabertura de escolas e contágio, implicação da contaminação e adoecimento no funcionamento das escolas.

Pode parecer redundância, mas a imunização de professores e funcionários não atinge só a eles próprios, mas a um conjunto maior de pessoas, a começar pelos filhos dos trabalhadores que estudam nas escolas públicas diante da comprovada e crescente incidência da COVID entre a população infantil e juvenil (via de regra, vale o mesmo para escolas privadas e seus alunos).

Apesar dos bons resultados da prática de fechamento das escolas como medida de prevenção à propagação do coronavírus, tal política vêm se tornando insustentável dada a pressões de variada ordem e motivação, desde aquelas de interesse financeiro ou adeptas do negacionismo até aquelas justas por parte da cidadania usuária dos serviços públicos.

A solução de compromisso minimamente justo e razoável é garantir no calendário de vacinação a contemplação dos educadores. Não como um “fura-fila”, mas como um arranjo que torne possível e seguro para todos o retorno presencial das aulas, observados os protocolos e quiçá ainda o hibridismo. O exercício docente e as demais atividades administrativas ou funcionais dos estabelecimentos de ensino são de uma insalubridade ímpar quando de uma pandemia (aliás, no caso da gripe e da H1N1 já havia essa compreensão, não como privilégio, mas como medida epidemiológica eficaz).

Cabe no atual momento da luta política fortalecer a campanha de vacina para todos, exigir a compra das mesmas com o dinheiro extra do ICMS, pressionar pelos 20 bilhões que Bolsonaro reconheceu estar sentado em cima, unir esforços para que a decisão que permite Estados e Municípios adquirirem as vacinas se concretize, defender duras normatizações quanto ao funcionamento das atividades produtivas e laborais, garantir políticas públicas de crédito e assistência para enfrentar a crise econômica, incluindo a manutenção dos empregos. Eis o centro da luta. A questão do calendário e prioridades é decorrência do êxito dessas bandeiras e não o contrário.

Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato

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