Para ex-ministro da RDA: Ocidente não compreendem o problema da transição forçada ao capitalismo
Por Jenny Farrell e Karl Döring
A unificação da Alemanha em 1990 trouxe esperança, mas essa esperança rapidamente se transformou em caos para muitos na antiga República Democrática Alemã (RDA). Como alguém que vivenciou de perto as mudanças profundas que se seguiram, experimentei em primeira mão a transição de uma economia planejada para um sistema orientado ao mercado.
Meus esforços para salvar o Eisenhüttenkombinat Ost (EKO, Complexo de Ferro e Aço) e meu tempo na Treuhandanstalt (Autoridade de Confiança), agência responsável por privatizar empresas estatais da Alemanha Oriental, encapsulam a turbulência emocional e econômica daquela época.
Privatizações
Os processos de privatizações após a anexação da RDA pela República Federal formam o núcleo da minha experiência de gestão no “novo mundo” do capitalismo — com todas as suas possibilidades e impossibilidades. Dentro de nossa equipe de liderança e do conselho de trabalhadores, estabelecido no início de 1990, havia uma forte determinação em preservar o local de Eisenhüttenstadt.
Afinal, não se tratava apenas de uma usina siderúrgica, mas de um complexo metalúrgico com produção de minério, operações de alto-forno, a própria siderúrgica, além de áreas de processamento e refinamento de aço. A planta era moderna e nova.
Quando o fim da RDA chegou, havia 12.000 pessoas trabalhando no EKO. Toda a cidade de Eisenhüttenstadt, junto com a economia local — incluindo padarias, laticínios e salões —dependia da usina siderúrgica, assim como a região circundante. Era óbvio: “Se a usina morrer, a cidade também morre.”
Meu papel como representante da Alemanha Oriental na Treuhand foi marcado por conflitos, pois muitas vezes fui visto como um “criador de problemas” por meus colegas da Alemanha Ocidental. A Treuhandanstalt tinha dois órgãos de governo: o conselho de supervisão, que supervisionava as operações, e o conselho executivo, que gerenciava os assuntos diários. O primeiro foi inicialmente presidido por Detlev Rohwedder, um pragmático, que reconheceu a importância de incluir os “Ossis” (alemães orientais) na tomada de decisões. Ele apoiou minha nomeação para o conselho de supervisão em 1990. Esta posição, embora não remunerada, me deu uma visão direta das decisões sérias que moldavam o futuro do Oriente.
Contudo, meu tempo nesse papel foi breve. Quando Rohwedder passou a presidir o conselho executivo, foi substituído por Jens Odenwald, um alemão ocidental cuja atitude em relação aos alemães orientais era tudo menos inclusiva. Odenwald claramente nos via como obstáculos, e não como parceiros. Um a um, meus colegas e eu fomos excluídos dos processos de decisão. Reuniões e comitês foram reorganizados, e nossos nomes foram removidos da lista de participantes.
Uma dispensa velada
Não houve confrontos, mas uma marginalização lenta e insidiosa. Fui instruído pelo próprio Odenwald a “focar no EKO” e não me preocupar com as operações mais amplas da Treuhand — uma dispensa velada. Embora formalmente nomeados pelo governo da RDA, as autoridades da Alemanha Ocidental ignoraram nosso status legal, sem dar explicações para nossa exclusão. A Treuhand mostrou pouco respeito pela experiência dos alemães orientais, refletindo uma atitude geral de desrespeito. Rohwedder, que era mais conciliador e menos contundente, disse: “Sr. Döring, desista, você não tem chance — este é o clima atual.”
O descontentamento político atual no Leste da Alemanha, visto em movimentos populistas como o AfD, tem raízes nos anos pós-unificação. A forma como os alemães orientais foram tratados após 1990, particularmente em termos econômicos, deixou muitos com sentimentos profundos de humilhação e ressentimento.
Desemprego em massa
Vi de perto a devastação do desemprego em massa; em Eisenhüttenstadt, ele superou 20% nos anos 1990, com pouca esperança de recuperação. Muitos trabalhadores receberam pacotes de indenização semelhantes aos do Ocidente, mas para pessoas que passaram suas vidas inteiras trabalhando em tempo integral, serem instruídas a aceitar uma compensação e se aposentar aos 55 anos foi desmoralizante. Estruturas sociais inteiras, desde comunidades no local de trabalho até clubes esportivos locais, desmoronaram. A desilusão se estendeu à próxima geração, que cresceu vendo seus pais lutarem com o desemprego e a insegurança econômica.
Os políticos do Ocidente falham em compreender a magnitude dessa devastação. Eles veem o desemprego como um problema administrável, sem perceber que, na RDA, a falta de emprego era inimaginável. Da noite para o dia, milhões de pessoas se encontraram nas ruas, suas conexões coletivas desapareceram — o clube esportivo da empresa e outros lugares se foram. O colapso repentino das estruturas econômicas e sociais da RDA deixou cicatrizes profundas que permanecem visíveis até hoje.
A diferença-chave entre um sistema de planejamento funcional e o sistema rígido da RDA reside no escopo e na flexibilidade. Na RDA, tudo era planejado nos mínimos detalhes, sem espaço para tomada de decisões locais ou inovação.
Economia planejada
Uma economia planejada em nível estatal pode ter sucesso se for baseada em políticas realistas, com planejamento centralizado limitado, prioridades focadas e autonomia para os tomadores de decisão. Os subsídios econômicos devem ser raros, os subsídios sociais razoáveis, e os preços devem manter seu papel regulador de mercado sem interferência central. Com estatísticas honestas e participação dos trabalhadores no processo de planejamento, ela poderia oferecer uma alternativa viável à economia orientada pelo lucro de hoje.
Atualmente, os interesses do capital prevalecem, cada vez mais, pois o sistema sociopolítico atual se assemelha mais a um “sistema caótico.” Não há mais uma força significativa representando as opiniões majoritárias, tornando essencial o consenso entre os partidos. Contudo, essa habilidade se perdeu, o que é prejudicial para a Alemanha, pois impede políticas justas e voltadas para o futuro.
Olhando para trás, para aqueles anos de turbulência, é claro que a transição do socialismo para o capitalismo foi muito mais complexa e dolorosa do que muitos previram. Para aqueles de nós que lutaram para salvar indústrias como a EKO Stahl, a batalha foi tanto emocional quanto econômica. Não estávamos apenas tentando salvar uma empresa; estávamos lutando pela dignidade e pelo futuro de toda uma região, de todo um país. O descontentamento atual no Leste destaca a necessidade de que decisões econômicas considerem os custos humanos e de que o planejamento — tanto no governo quanto nos negócios — respeite aqueles que são afetados.
Dr. Jenny Farrell é professora e escritora em Galway, Irlanda.
Karl Döring (também conhecido como Karl Doering) é ex-funcionário público do governo da República Democrática Alemã. Metalurgico por formação, atuou em funções econômicas supervisionando a indústria do aço.
Traduzido por Luciana Cristina Ruy