PUBLICADO EM 11 de maio de 2023
COMPARTILHAR COM:

90 anos da Queima de livros na Alemanha Nazista – Horror abaixo da superfície

Nazistas queimam livros de autores judeus na Alemanha em 1933

Como podem os memoriais potentemente nos lembrar dos horrores do passado? Como eles podem manter as atrocidades do passado vivas e relevantes? O memorial de Berlim de Micha Ullmann lembrando a chama fascista, quando, noventa anos atrás, em 10 de maio de 1933, 20.000 trabalhos de um grande número de autores alemães e internacionais foram devorados pelas chamas perante uma multidão em êxtase, preenche essas exigências.

O memorial de Ullmann está localizado em Bebelplatz, em Berlim – abaixo dela, para ser preciso. Ele não é visível da rua de dia – no escuro, uma luz eterna o ilumina. O memorial é um espaço de sete metros quadrados, uns bons cinco metros de altura, branco rebocado, com prateleiras vazias brancas de madeira forrando seus lados. Elas podiam acomodar 20.000 livros. Ullmann demonstra perda – perda de conhecimento, experiência, arte, prazer. O vazio reflete um vácuo cultural.

O espaço pode ser visto através de um conjunto de painel de 1,20 metros quadrados dentro do pavimento da praça. Durante o dia, o sol, as nuvens, e as pessoas, também, são refletidas no painel, e é preciso um certo esforço e concentração para perceber as prateleiras vazias através do pequeno painel. Contudo, isso é parte do conceito artístico. Para abordar a história, compreendê-la totalmente, é preciso esforço. O painel se torna uma intersecção do presente e do passado – o Agora é refletido nessa placa de vidro, que ao mesmo tempo se torna uma laje de cova transparente, permitindo acesso ao passado. O espectador quase se sente tonto/desmaiado, quando a janela parece frágil – pode alguém cair no passado aqui? Essa interface entre a história e o presente também representa uma interação entre a esfera privada de uma biblioteca e a esfera pública do centro histórico de Berlim, entre dentro e fora, entre a realidade e o imaginado, evocado pelo memorial. Junto com uma cova, a biblioteca vazia também associa a um espaço protegido. A parte da perda óbvia, a imaginação preenche as prateleiras com os livros queimados e os mantêm em um espaço seguro, como um bunker, no exato lugar onde o inconcebível aconteceu. A luz eterna funciona duvidosamente: ela é a luz eterna da lembrança, assim como uma fonte de energia onde o choque pode se transformar em entendimento e resistência.

A família de Micha Ullmann fugiu de Dorndorf, na Turíngia, para a Palestina em 1933, onde ele nasceu, em Tel Aviv, em 1939. Sua ideia básica para o memorial em Berlim é baseada em um simbolismo que é um leitmotiv no trabalho do artista. Outro memorial baseado na escavação de um poço em seu primeiro trabalho importante, “Messer/Metzer,” de 1972. Junto com jovens palestinos e israelenses, Ullmann simbolicamente trocou solo entre a vila árabe de Messer e o kibutz judeu de Metzer, vilas vizinhas cujos nomes significam a mesma coisa em árabe e hebreu: Fronteira. Em ambas as locações, poços do mesmo tamanho foram cavados e preenchidos com o solo da outra vila. Aqui, também, houve quase nada visível da superfície. Aqui, também, os espectadores foram desafiados: eles têm que abordar, ver, querer compreender o que está sendo apresentado.

O memorial em Berlim importantemente enfatiza os inícios do fascismo. O incêndio de livros anunciou o inimaginável. Uma placa está muito perto do memorial, também montada nas pedras de gesso da praça, com as palavras proféticas de Heines, de sua tragédia “Almansor”: “Isso foi apenas um prelúdio, quando você queima livros, você vai, no fim, queimar pessoas. (Heinrich Heine, 1820).”

Não deve ser esquecido que foi precisamente a assim chamada inteligência que executou a queima de livros, estudantes e seus professores, também bibliotecários e o comércio de livros. Esse ato de queima de livros contribuiu significativamente para a preparação da base intelectual para o fascismo. Quão rapidamente pessoas supostamente cultas e educadas perderam sua fachada e revelaram suas verdadeiras listras. Esse fenômeno é novamente muito evidente hoje. O conceito fascista de Gleichschaltung (conformidade forçada) pode estar muito bem em andamento, onde pensar independente do sistema é suprimido e tornado punível por lei.

Quando o fascismo crescia, quase todos os escritores alemães deixaram sua terra natal – um passo não tomado levemente por aqueles cuja arte está em sua língua nativa. Muitos poucos autores ficaram. A vasta maioria continuou escrevendo no exílio, e a literatura alemã durante o regime nazista é uma literatura de exílio. Erich Kästner foi um dos poucos que permaneceram na Alemanha, Hans Falada foi outro. Kästner também foi o único autor que testemunhou a queima de livros em Berlim, que engoliu seu próprio trabalho, incluindo seu romance Fabian (1931). O Fabian de Kästner não é ativamente envolvido na luta política. Esse romance, escrito antes de os nazistas tomarem o poder, se passa durante os últimos anos da República de Weimar. Embora o Fabian se distancie da ascensão dos fascistas alemães e veja a si mesmo como um amigo dos comunistas, ele conta em “decência” prevalente. Em seu prefácio de 1950 a uma nova edição do romance, Kästner descreveu seu objetivo como apontar para o abismo em relação ao qual a Alemanha estava se movendo. O romance critica sobretudo a passividade daqueles que reconhecem a perigosa deterioração da sociedade, mas façam sobre isso. Esse tema é de grande relevância hoje.

Jenny Farrell, nascida na República Democrática Alemã, vive na Irlanda desde 1985, é professora, escritora e editora. Escreve para a imprensa comunista na Irlanda, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, Brasil e Portugal e editou antologias de escrita da classe trabalhadora na Irlanda

Tradução: Luciana Cristina Ruy

Leia também:

A arte entra na era do imperialismo; por Jenny Farrell

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS