Por Hasan Dodwell e Nick Macwilliam (Jacobin)
Em 28 de abril sindicatos e movimentos sociais colombianos encenaram uma nova rodada de protestos paro nacionais (greve nacional), a mais recente de uma série contínua de mobilizações para abordar a ladainha de problemas impactando a sociedade colombiana.
A oposição a uma reforma tributária planejada – que os organizadores da greve disseram que injustamente teria como alvo as classes média e trabalhadora, no qual é um dos países mais desiguais da América Latina – foi a questão central, particularmente no contexto da pandemia global, que colocou uns estimados cinco milhões de colombianos fora do trabalho. Apelos para revogar a reforma tributária foram alinhados com demandas de longa duração acerca dos crescentes níveis de pobreza, abordando a crise de direitos humanos afetando grande parte do País e adequadamente avançando a implementação do acordo de paz de 2016.
Desde que o movimento de greve nacional foi lançado em novembro de 2019, os manifestantes se acostumaram as repressões da polícia da administração de direita do Presidente Iván Duque. Ainda, mesmo por padrões recentes, a propagação e duração da violência desencadeada desde 28 de abril foi extrema. Por mais de três semanas de protestos diários através da Colômbia, as forças de segurança colombianas – especialmente a notória unidade da polícia antimotim, o Esquadrão Anti-Perturbação Móvel (Na sigla, ESMAD) – cometeu massivas violações de direitos humanos enquanto o governo de Duque procura suprimir a raiva em relação a seu governo.
Como convém à era do telefone com câmera, as mídias sociais contaram a história da revolta social da Colômbia. Milhares de imagens e vídeos se propagaram virtualmente, com vários se destacando por suas exposições de unidade social ou solidariedade pungente: mães carregando escudos improvisados se juntam a manifestantes jovens na linha de frente para enfrentar a polícia militarizada; estátuas de colonizadores são derrubadas e substituídas com as semelhantes das vítimas da violência de Estado; música, arte e dança energizam multidões cujas vozes se levantam como uma para exigir uma Colômbia mais justa.
Enquanto a organização oficial do movimento de greve nacional vem de sindicatos junto com camponeses, indígenas e outras organizações sociais estabelecidas, os protestos se caracterizaram pela mobilização de jovens colombianos de bairros urbanos pobres. Nas cidades através do País, mais notavelmente em Cali, essa nova geração de manifestantes políticos se tornou a assim chamada linha de frente, resistindo a níveis sempre crescentes de brutalidade policial.
As mídias sociais também expuseram a horrível violência infligida nos manifestantes pelas forças de segurança. Em um angustiante vídeo, enquanto quatro agentes do ESMAD a arrastam para uma delegacia de polícia em Popayán, Alison Meléndez, de dezessete anos, grita que eles estão removendo suas calças. No dia seguinte, depois de reportar que eles a tinham agredido sexualmente, ela tirou sua vida. Imagens de vídeo filmadas na cidade de Madrid, em Cundinamarca, mostram uma bomba de gás lacrimogêneo disparada contra os manifestantes
de uma viatura policial blindada. O projétil atingiu Brayan Niño, de vinte e quatro, na face, o matando, apesar dos esforços daqueles ao seu redor.
Em 18 de maio, organizações de direitos humanos colombianas registraram aparente responsabilidade das forças de segurança por mais de 2.300 atos de violência, 43 assassinatos (incluindo quatro menores), 18 agressões sexuais e 30 casos de ferimentos nos olhos. Homens em roupas comuns foram filmados atirando nos manifestantes, enquanto policiais de uniforme ficavam ao lado deles e não faziam nada, o que é particularmente alarmante dado a longa história da Colômbia de conluio do Estado com o terror paramilitar.
Houve uma ampla condenação internacional a resposta do governo da Colômbia aos protestos. O Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos disse que testemunhou o uso de “força excessiva”, enquanto a embaixada dos EUA em Bogotá exigiu “moderação” da polícia colombiana, para evitar “adicionais perdas de vidas”.
Cinquenta e cinco membros do Congresso Americano assinaram uma carta chamando a situação de direitos humanos de “fora de controle”, enquanto sindicatos britânicos e irlandeses exigiram justiça para as vítimas da violência. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos requisitou permissão do governo colombiano para investigar os abusos. Por sua parte, o governo britânico, que tem programas de treinamento com a polícia colombiana, não criticou diretamente a violência de Estado.
A oposição à reforma tributária planejada vem em uma época em que estimadamente mais de cinco milhões de pessoas perderam sua principal fonte de renda, devido à pandemia global e níveis de pobreza crescendo para mais de 40 por cento. O coronavírus particularmente impactou os muitos colombianos ganhando a vida no grande setor informal, que representa cerca de metade da força de trabalho em funções como trabalhadores do transporte, equipes domésticas e vendedores de rua.
Lockdowns nacionais, acompanhados de uma ausência de apoio do Estado, empurraram muitos colombianos para condições de precariedade ainda mais profundas. Embora Duque tenha revogado a reforma tributária depois de cinco dias de agitação intensa, foi tarde demais. Seu governo tinha derramado muito sangue.
Em meio aos assassinatos e violência brutal sendo realizados por agentes do Estado, longe de acabar com os abusos, oficiais do governo repetidamente emitiram declarações estigmatizantes contra os manifestantes. Em 3 de maio, o Ministro da Defesa, Diego Molano, disse: “A Colômbia enfrenta a ameaça terrorista de organizações criminosas”, enquanto a Vice-Presidente, Martha Ramírez, insinuou que organizações indígenas eram financiadas por dinheiro ilegal de drogas.
O uso de nódoas para deslegitimar os movimentos populares não é de forma alguma uma tática nova – sindicalistas e ativistas há muito foram rotulados de “guerrilheiros” ou “terroristas”. Durante as semanas recentes, contudo, e no contexto de um acordo de paz agora assinado com a maior e mais velha organização guerrilheira do País, as tentativas de estigmatizar parecem ter fortalecido amplamente a determinação dos manifestantes.
A raiva com a injustiça econômica está junto com a principal preocupação por direitos humanos e paz. O acordo de paz de 2016 trouxe a cortina para décadas de conflito armado entre o Estado colombiano e as FARC. O processo de paz viu avanços importantes, tais como a reforma das FARC como um partido político e o desenvolvimento de um internacionalmente
aclamado Sistema de Justiça transicional, que começou a investigar os crimes cometidos durante o conflito.
Em uma das suas descobertas mais significativas até agora, ele descobriu que, entre 2002 e 2008 – durante o governo do ex-Presidente Álvaro Uribe, os militares colombianos assassinaram 6.402 civis e falsamente os apresentaram como guerrilheiros mortos em combate.
Desde o seu começo, contudo, a direita colombiana tem feito esforços para minar o processo de paz. Na verdade, Uribe, que continua a manejar poder político significativo e cujo apoio a Duque foi fundamental para sua bem-sucedida campanha presidencial, tem sido a principal voz nessa oposição.
A campanha eleitoral de Duque foi baseada em antagonismo ao acordo de paz e uma promessa de fazer mudanças fundamentais. Desde 2018, quando Duque foi eleito, a Colômbia tem dependido de um movimento político hostil ao processo de paz. Os protestos deram voz a uma grande rejeição a influência contínua do uribismo na política colombiana e seus ataques aos direitos humanos e à paz.
Além disso, desde que o acordo foi assinado, mais de mil ativistas sociais e líderes comunitários foram assassinados na Colômbia, com violência concentrada em regiões historicamente impactadas por conflitos, pobreza estrutural e abandono do Estado. A retirada acordada das FARC criou vácuos de poder em áreas que o Estado falhou em proteger. Paramilitares e outros grupos armados ilegais agora competem para exercer o controle sobre territórios ou economias ilícitas, visando líderes locais e deslocando comunidades inteiras.
Adicionalmente, mais de 270 ex-combatentes das FARC foram assassinados desde que deixaram suas armas. A Missão de Verificação das Nações Unidas na Colômbia avisa que a violência em relação a ativistas sociais e ex-combatentes é a principal ameaça ao processo de paz. O governo Duque, contudo, tem procurado minimizar a crise de direitos humano e nega que os assassinatos reflitam uma segmentação sistemática de grupos específicos.
Com as eleições marcadas para 2022, os protestos podem ser fundamentais para determinar quem leva a presidência. O movimento pró-paz entra na campanha eleitoral em uma posição de força, mas se ele vai ser capaz de coalescer com sucesso em torno de um único candidato pode se provar decisivo. O candidato de esquerda e vice-campeão de 2018 Gustavo Petro atualmente lidera as pesquisas, e seus apoiadores estarão confiantes de que a intensidade dos protestos reflete um desejo generalizado para fundamentalmente remodelar o modelo social político e econômico da Colômbia.
A infinidade de fatores que sustentam o descontentamento popular na Colômbia agora explodiu em primeiro plano. Em reuniões em 10 e 16 de maio com oficiais do governo, o Comitê Nacional de Greve apresentou demandas para resolver a crise, incluindo um imediato fim à violência. Organizações de direitos humanos exigiram uma drástica reforma da polícia, que envolve remover a jurisdição da polícia do Ministério da Defesa e a dissolução do ESMAD. Contudo, com o governo Duque ainda cometendo flagrantes abusos de direitos humanos, há pouca indicação de que uma resolução esteja perto. O povo colombiano mostrou que eles não planejam recuar em breve.
Hasan Dodwell é diretor da Justiça pela Colômbia.
Nick MacWilliam é um jornalista independente que cobre a América Latina e coeditor da revista Alborada.
Fonte: Jacobin
Tradução: Luciana Cristina Ruy
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