Darcy Ribeiro foi preciso quando afirmou que “a crise na educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Parafraseando o grande mestre, é possível afirmar que a desigualdade no Brasil também não deriva de crises, mas sim de um projeto. Um projeto vergonhoso de País que mantém sempre os privilégios de poucos ao custo da miséria de muitos. A falta de correção na tabela do Imposto de Renda é um exemplo evidente disso.
Hoje, um trabalhador que ganha suados 4.665 reais paga 27,5% de IR. Já um empresário que recebe 4 milhões de lucros e dividendos não paga absolutamente nada. Neste momento, em que cerca de 34 milhões de brasileiros separam os seus documentos para apresentar a sua declaração à Receita Federal, vale a pena se perguntar: como é possível um País assim dar certo?
A falta de correção na tabela do IR também escancara o pouco caso do presidente Jair Bolsonaro com os mais pobres. Durante a campanha eleitoral, ele prometeu aumentar a faixa de isenção para até cinco salários mínimos, mas, até agora, no último ano do seu governo, não foi feito nenhum reajuste. É estelionato eleitoral que chama? Se alguém ainda tem alguma dúvida, isso é só mais uma mostra de a quem o seu governo realmente serve.
Segundo cálculo da Unafisco, associação dos auditores da Receita, mais de 15 milhões de brasileiros que hoje pagam Imposto de Renda poderiam estar isentos da cobrança. Isso se houvesse pelo menos a correção da tabela pela inflação acumulada desde 1996, de 134,5%, que não foi repassada no período.
Na prática, congelar a tabela significa um aumento indireto de tributos. Isso porque aqueles que têm alguma correção salarial pela inflação muitas vezes acabam tendo que pagar mais imposto se entram em uma faixa maior de tributação. Ou têm que começar a pagar, se antes eram isentos. Isso em meio a uma das maiores crises econômicas da nossa história, em que há brasileiros revirando lixo ou na fila do osso para se alimentar.
Atualmente, há cerca de 8 milhões de contribuintes isentos, que recebem até 1.903,98 reais. Se a tabela fosse reajustada pela inflação não repassada, a isenção valeria para quem ganha até 4.465,35 reais, alcançando um número total de 23,8 milhões de pessoas.
Há sete anos, não há nenhum reajuste nas faixas salarias de tributação. Um trabalhador que recebe 1.903,99 de salário já paga 7,5% de imposto. A partir de 2.826, 67, paga 15%; acima de 3.751,07 reais, 22,5%; e mais de 4.464,69 reais, 27,5%. E, vale repetir: quem ganha milhões de lucros e dividendos não paga nada, zero.
O limite para deduções também está defasado, ainda segundo cálculos da Unafisco. O valor referente a despesas com educação, que hoje é de 3.561,50 por ano, deveria estar em 8.352,67; e o desconto por dependente, atualmente de 2.275,08, deveria ser de 5.335,67.
Mas parece que não há interesse real em mudar esse quadro. Afinal, os donos do poder seguem aumentando os seus lucros em detrimento do bem-estar de milhões de trabalhadores, que não têm direito ao básico para ter uma vida digna.
Segundo dados das declarações de Imposto de Renda de 2021, com base nos rendimentos de 2020, a renda dos brasileiros com lucros e dividendos atingiu 384 bilhões de reais, representando um aumento de 7% em relação ao ano anterior, em pleno primeiro ano da pandemia. De cada 100 reais declarados como lucros e dividendos, 70 estavam em mãos do 1% mais rico do País – um grupo de 316.348 contribuintes com rendimentos entre 603,1 mil e 2,6 bilhões.
Já os 25% mais pobres – 7,9 milhões de pessoas com renda de até 28,5 mil por ano – declararam o recebimento de 111 bilhões em 2020, valor menor do que os 119,3 bilhões informados pelo mesmo grupo no ano anterior.
Além de a massa salarial ter diminuído, os salários foram mais tributados por causa da falta de correção na tabela do IR, ao contrário dos lucros e dividendos, que nada pagam. Ao que tudo indica, a concentração de renda só aumentou, aprofundando ainda mais a nossa já obscena desigualdade. É ou não é um projeto? Até quando vamos suportar isso?
Publicado originalmente em Carta Capital
Antonio Neto
presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e do Sindpd (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação no Estado de São Paulo)