A CPI da Covid no Senado investiga nesta semana em que circunstâncias ocorreram os contratos de importação da vacina indiana Covaxin. Eles foram assinados pelo Ministério da Saúde com a empresa Precisa Medicamentos, que representa no Brasil o laboratório Bharat Biotech, fabricante do imunizante.
A venda entrou no foco da comissão depois de o Ministério Público Federal (MPF) apontar suspeita de favorecimento no contrato em razão de cláusulas tidas como benevolentes. De acordo com informações da Folha de S. Paulo, em depoimento sob sigilo ao Ministério Público Federal (MPF), um servidor da área técnica do Ministério da Saúde afirmou ter “sofrido pressão atípica” da gestão do general Eduardo Pazuello para tentar garantir a importação dessa vacina mais cara.
O funcionário declarou que o tenente-coronel Alex Lial Marinho era um dos responsáveis por pressionar a equipe. General da ativa do Exército, Marinho era homem de confiança do ex-ministro da Saúde, conforme a reportagem, e foi exonerado após a saída de Pazuello.
O servidor confirmou ao MPF ter recebido mensagens de “vários setores do ministério”, “perguntando o que faltava para fazer a importação”. Segundo ele, a demanda ocorria inclusive aos fins de semana. O que não era procedimento em relação às outras vacinas contratadas pela Saúde. A vacina Covaxin é a mais cara dentre os imunizantes comprados pela gestão Pazuello. A US$ 15 cada dose, a importação teve um custo total de R$ 1,61 bilhão. O sócio administrador da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, deve prestar depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (23) para tratar do assunto.
Em débito com a Saúde
A Procuradoria da República no DF ainda indica descumprimento do contrato, com atrasos no prazo de entrega do imunizante. A Precisa Medicamentos é também a empresa que tem entre suas sócias a Global Gestão em Saúde S.A. A firma deve quase R$ 20 milhões ao Ministério da Saúde. Presidida também por Maximiano, a Global é acusada de ter tido contrato favorecido pelo então ministro da Saúde do governo de Michel Temer, Ricardo Barros, hoje deputado federal (Progressistas-PR) e líder do governo na Câmara.
Em outubro de 2017, a sócia da Precisa Medicamentos venceu edital para a compra de medicamentos de alto custo para pacientes de doenças raras. A empresa embolsou à época R$ 19,9 milhões, mas até hoje os medicamentos não foram entregues. De acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatou que a Global não havia apresentado todos os documentos exigidos para liberar a importação dos remédios. Mas o órgão acabou sendo acusado por Barros de “favorecer monopólios”.
Alvo de investigações do MPF, o caso foi confirmado por funcionários da pasta, que também apontaram terem sido pressionados por Barros para que o pagamento fosse antecipado à Global, mesmo com as advertências da Anvisa. Ao contrário de outras empresas, a Precisa Medicamentos foi a única no Brasil a assinar a comercialização de compras de vacina com o setor privado. Defensor da medida, o líder do governo na Câmara também era uma das vozes mais ativas em criticar a Anvisa sobre o processo de aprovação de vacinas.
Escândalos interligados
Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Anvisa, o caso conecta todos os escândalos no governo Bolsonaro. “A Precisa já se envolveu com servidores do Ministério da Saúde em um negócio que até hoje está mal explicado e que provavelmente tem, numa das pontas, um deputado federal que é líder do governo e que tem dito que desta vez vamos ‘enquadrar’ a Anvisa. Ele tentou aprovar algumas leis que de fato ameaçaram muito a integridade da Anvisa, que é um órgão fundamental para o funcionamento do sistema de segurança sanitária brasileiro. Quer dizer, agir contra a Anvisa é um crime de lesa pátria. Esse conjunto de acontecimentos infelizmente não me surpreende”, analisa em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual.
O sócio administrador da Precisa está entre os que tiveram a quebra dos sigilos telefônicos aprovados pelos senadores da CPI da Covid. Em meio às denúncias que pesam sobre o governo de Jair Bolsonaro, o ritmo de vacinação continua lento no Brasil. De acordo com dados do consórcio de veículos da imprensa comercial, até o momento a primeira dose foi aplicada em 29,84% da população. Enquanto a segunda, em apenas 11,47%.
Pandemia sem trégua
De acordo com Vecina, ainda deve levar alguns meses, a depender do fluxo de importação, para conseguir vacinar substancialmente os brasileiros. Até lá, destaca o fundador da Anvisa, é preciso redobrar os cuidados com distanciamento social e uso de máscaras e higienização. “Capacidade de vacinação não nos falta. Se tiver vacina, nós vacinaremos. Mas não temos. As entregas serão sempre parceladas, pequenas, então, todas essas vacinas que foram compradas vão chegar bem mais lentamente”, alerta.
“Como não teremos cobertura vacinal e como estamos na perspectiva de disseminação dentro do Brasil da variante Delta, que veio da Índia e que é uma variante com alta capacidade de espalhamento como já foi demonstrado na Índia, meu temor é que vamos ter um número crescente de casos à medida em que essa variante se torne predominante. Acho que vamos ver dias muito tristes antes do efeito das vacinas conseguir nos levar a algum tipo de normalidade”, finaliza Vecina.
Fonte: Rede Brasil Atual