Isso é o que prevê o Projeto de Lei (PL) nº 3.932/2020, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PC do B) e outras 15 deputadas de 12 partidos, já aprovado na Câmara dos Deputados, que será votado no Senado Federal. O texto foi aprovado por acordo de lideranças de forma simbólica, na última quarta-feira (26), mesmo dia que entrou na pauta.
De acordo com a assessoria do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), como é um tema delicado e foi construído por muitas mãos, o PL pode ser votado nos próximos dias no Senado, também de forma bem rápida.
Apesar do amplo apoio dos parlamentares, especialistas e sindicalistas apontam alguns problemas para implementação da proposta. Primeiro, o projeto não deixa claro quem vai pagar o salário dessas trabalhadoras e se terá fiscalização. Segundo, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), que pode sancionar, vetar em parte ou totalmente a proposta, já falou que, se fosse empresário, não pagaria os mesmos salários a homens e mulheres jovens porque a mulher pode engravidar e receber salário-maternidade. Então é possível que vete integralmente a lei.
O objetivo do projeto é salvar vidas, diz a deputada Perpétua Almeida, que espera ver a proposta sancionada. Ela ressalta o alto número de gestantes ou lactantes que morreram no Brasil por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus e o pouco tempo que o parlamento tem para garantir a proteção das gestantes. “Morreram mais mulheres grávidas ou no pós-parto no Brasil do que em todos os outros países do mundo juntos e isso precisa ser considerado. Precisamos afastar as grávidas do trabalho presencial em defesa da vida delas e dos nascituros”, afirmou.
De acordo com estudo publicado no periódico médico International Journal of Gynecology and Obstetrics, 124 mulheres gestantes ou que estavam no período do puerpério morreram de Covid-19 no Brasil, o que representa 77% das mortes registradas no mundo.
“Como se trata de vidas e o decreto de calamidade vai até 31 de dezembro eu acho que será votado e aprovado no Senado sem problemas, mas se for alterado, o PL volta para Câmara e atrasará o trâmite. Com isso, mais gestantes podem perder suas vidas e ainda terão pouco tempo de afastamento. A gente está falando de vidas”, alerta a deputada.
Mas, mesmo que o texto seja aprovado no Senado sem alteração, ainda tem de ser sancionado e Bolsonaro já deu várias demonstrações que discorda dos direitos das mulheres, um peso para o empresariado, segundo ele.
“Eu não empregaria [mulheres e homens] com o mesmo salário. Mas tem muita mulher que é competente”, disse Bolsonaro em entrevista à apresentadora Luciana Gimenez, na RedeTV!, em 2016, dois anos antes da eleição presidencial.
O deputado explicava uma entrevista que concedera ao jornal Zero Hora em 2014. “Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? ‘Poxa, essa mulher está com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, 6 meses de licença-maternidade’. Quem que vai pagar a conta? O empregador”, disse Bolsonaro ao jornal.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, essas e outras falas do presidente sobre a mulher trabalhadora, as medidas deste governo sempre tirando direitos trabalhistas mostram que não podemos esperar muito dele, ou seja, há o risco dele vetar o projeto. A postura deste governo é contra a obrigação do estado de proteger as gestantes trabalhadoras, afirma.
“O Estado deveria, na verdade, garantir a segurança e proteção destas gestantes, mas como não lembrar da fala de Bolsonaro em 2014 que as mulheres deveriam ganhar menos porque engravidam e como não ficar em dúvida se este projeto vai ser sancionado?”, disse Juneia.
Salário e fiscalização
O projeto que prevê proteção às gestantes no trabalho é louvável e muito importante para saúde, tanto da mãe quanto do nascituro, mas o que não está claro na Lei é quem vai pagar o salário desta trabalhadora e se terá fiscalização, analisa a advogada, especialista em trabalho e fundadora do escritório Calidone Recchia Advogados, Sonia Calidone.
Em tempos normais, quando ficam sabendo que a trabalhadora está grávida os empregadores preferem demitir e depois negociar o pagamento da indenização e, muitas vezes, até parcela o valor, diz a advogada que contou um caso que ilustra bem sua preocupação: Uma gestante, com contrato de trabalho por prazo determinado, perdeu uma ação na Justiça porque o patrão não quis dar a estabilidade garantida no Artigo 10 da Constituição, que prevê a proteção contra “dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”, contou a advogada.
Sonia disse que os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) entenderam que a proteção não se daria neste caso porque a Constituição diz que a despedida deve ser arbitrária, o que não foi neste caso porque o contrato dela tinha data para acabar. “O que é um cúmulo, porque a lei foi feita para proteger a vida e nem assim o empregador respeita”.
“Esta lei é baseada num mundo ideal, não no mundo real que estamos vivendo. Nós mulheres sabemos que nas crises somos as primeiras a ser demitidas e gestantes então. Quem vai pagar, o empregador ou o governo com este monte de medida que ele está fazendo em defesa dos patrões?”, questionou a advogada, se referindo ai Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que prevê redução de jornada e de salário e suspensão do contrato de trabalho. Ambos subsidiados pelo governo.
Sonia ainda destaca que não vai ter fiscalização porque Bolsonaro, em uma das primeiras ações quando assumiu o governo, acabou com o Ministério do Trabalho e consequentemente com as delegacias regionais que faziam a fiscalização.
“Não temos mais quem faça a fiscalização e para uma gestante denunciar é difícil, porque o desemprego está em alta e esta mulher precisa garantir proteção também ao seu filho. Como será?”, questionou.
“Temos que ser muito gratas por projetos como este, mas temos que aprovar e depois melhorar o texto, porque pode servir não só para a pandemia, mas também em epidemias e para outras crises sanitárias, como foi o do zicavírus. Muitas mulheres sofrem até hoje com isso. Temos que garantir proteção e vida para estas mulheres”, afirma a advogada trabalhista.
Para a procuradora Fernanda Maria Mauri Furlaneto, que atua no Ministério Público do Trabalho no Maranhão (MPT-MA), seria óbvio para qualquer empregador e governo o respeito a vida. Mas como o óbvio nem sempre é observado, esse respeito também é garantido na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O texto da CLT garante à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, inclusive o direito de ser transferida de função, quando as condições de saúde o exigirem e é o caso da pandemia, explica a procuradora.
Caso parecido
Essa semana, a procuradora conseguiu uma liminar na Ação Civil Pública (ACP) que garantiu as profissionais de saúde lactantes do município o direito de serem afastadas do trabalho presencial, sobretudo quando envolver o atendimento a casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.
Na decisão a juíza substituta da vara do Trabalho de Imperatriz, Márcia Rocha Nardin, determinou que o município de Imperatriz terá que garantir, quando possível, que a realização das atividades das lactantes ocorra em regime de trabalho remoto ou teletrabalho.
A determinação prevê que priorizem os profissionais que integram grupo especial de risco, sem prejuízo salarial, sanção disciplinar ou término da relação de trabalho, sob pena de configurar ato discriminatório. Em caso de descumprimento, será aplicada multa de R$ 20 mil por item ignorado e por profissional prejudicado.
“Se conseguimos isto para as trabalhadoras da saúde porque não podemos garantir proteção a todas as gestantes?”, questiona a procuradora.
A magistrada decidiu ainda que as ausências ao trabalho ou as alterações na prestação de serviços de trabalhadores dos grupos de riscos, decorrentes da adoção de recomendações para evitar o contágio pela Covid-19, não poderão justificar sanção disciplinar ou término da relação de trabalho, sob pena de configurar ato discriminatório.
Fonte: CUT