PUBLICADO EM 06 de dez de 2018
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No Brasil, mais de 15 milhões vivem com até R$ 140 por mês

A pobreza extrema no país cresceu 12,7% no ano passado, na comparação com o ano anterior, para 15,2 milhões de pessoas.

O resultado confirma reportagens publicadas com exclusividade pelo Valor ao longo do ano, mostrando a disparada da pobreza extrema nacional e em regiões específicas do país.

A pobreza calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem como base a linha de corte adotada pelo Banco Mundial, de US$ 1,90 por dia, o correspondente a R$ 140 por mês. Para chegar a esse valor, o órgão adotou a taxa de conversão por paridade do poder de compra e a inflação medida pelo IPCA para o ano recente. No levantamento usado pelo Valor, em abril, a LCA Consultoria adotou uma linha de corte de R$ 136.

O combate à miséria é o foco da maioria dos programas de transferência de renda, sejam eles estaduais ou federais. O exemplo mais conhecido é o Bolsa Família, do governo federal. O benefício básico do programa prevê pagamento mensal de R$ 89 em auxílio concedido às famílias em situação de extrema pobreza, com renda de até R$ 890 por pessoa por mês.

Erradicação da pobreza

O Brasil precisaria gerar uma renda adicional de R$ 10,2 bilhões por mês para erradicar a pobreza. Esse valor é a soma de quanto cada um dos 54,789 milhões de brasileiros pobres precisaria receber a mais por mês — seja por salários, benefícios sociais ou outras formas de ganho — , a fim de superar a linha de pobreza. E corresponde ao tamanho do lucro da Petrobras no segundo trimestre.

“A conta considera uma alocação perfeita dos recursos, ou seja, quem precisa de mais R$ 6 para deixar a pobreza receberia mais R$ 6, quem precisasse de mais R$ 10 receberia mais R$ 10. Essa conta não considera o custo administrativo de se fazer isso por programas sociais, de chegar até essas pessoas”, explicou Leonardo Athias, pesquisador do IBGE.

A estimativa consta na Síntese de Indicadores Sociais, divulgada nesta quarta-feira (5) pelo instituto. Segundo o estudo, a pobreza cresceu 3,7% no ano passado, frente ao ano anterior — o correspondente a 1,97 milhão de pessoas a mais. E metade desse incremento ocorreu no Estado de São Paulo, o mais rico do país.

De acordo com Athias, a pobreza cresceu no ano passado num ambiente ainda negativo no mercado de trabalho. O Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, de 1,1% frente ao ano anterior, foi puxado pela agropecuária, atividade menos empregadora. Além disso, programas de transferência de renda ficaram mais restritos por conta da situação fiscal do setor público.

“Houve dificuldades administrativas para conceder benefícios sociais no ano passado. Enxugamento dos programas por causa da questão fiscal, o que se refletiu sobre os números de pobreza. Quando você tem uma crise econômica, você deveria aumentar o acesso à política de compensação para as pessoas que estão com insuficiência de renda, o que não aconteceu”, disse o pesquisador.

Desta forma, 26,5% dos brasileiros estavam abaixo da linha de pobreza em 2017, proporção maior do que a medida no ano anterior (25,7%). A métrica da pobreza é a utilizada pelo Banco Mundial para países de renda média-alta, como o Brasil — renda domiciliar per capita de US$ 5,5 por dia, o correspondente a R$ 406 por mês. Basicamente, é a soma de todas as rendas dos moradores do domicílio dividida pelo número total de moradores (pais, filhos etc).

O Estado de São Paulo foi o responsável por mais da metade do crescimento da pobreza no país ano passado. O Estado tinha 6,701 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 5,5 por dia, 1,1 milhão de pessoas a mais do que o registrado pelo IBGE em 2016. Trata-se de um crescimento de 20,8% no período de apenas um ano — avanço sem paralelos nas outras unidades da federação.

O Nordeste ainda concentra, porém, a maior parte da pobreza do país. A região tinha 25,6 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 5,50 por dia, 46% da população da região. Na comparação com 2016, a pobreza no Nordeste cresceu 2,5%, o que corresponde a 622 mil pessoas a mais. No Sudeste, o crescimento foi mais intenso, de 9,2%, para 15,15 milhões de pessoas, refletindo o forte crescimento de São Paulo.

Como ocorre há alguns anos, o Maranhão foi o Estado mais pobre do país, com 54,1% da população vivendo com menos de US$ 5,50 por mês. Na sequência, aparecem os Estados de Alagoas (48,9%) e Amazonas (47,9%). No outro extremo das estatísticas, Santa Catarina tinha 8,5% de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza, o menor índice do país. O Estado de São Paulo, com 14,9%, vem abaixo do verificado no Estado do Rio (19%).

Como outros indicadores sociais, a pobreza é crescente em função de cor, sexo e do tipo de arranjo familiar. Um domicílio com uma mulher de cor preta ou parda sem cônjuge e com filho tinha 64,4% de probabilidade de ser pobre. As chances de um homem branco ou uma mulher branca serem pobres — independentemente do arranjo familiar — eram muito menores: de 16,7% e 16,2%, respectivamente.

O IBGE não divulgou estatísticas sobre pobreza no país em anos anteriores, uma vez que a série histórica sobre a renda efetivamente recebida pelos brasileiros foi “quebrada” em 2015, com mudanças de perguntas no questionário da pesquisa. É sabido, porém, que o Brasil viveu uma acelerada redução da pobreza a partir do início dos anos 2000 até 2014, quando a crise econômica geraria uma reversão.

No Nordeste, meio salário mínimo per capita

Metade da população do Nordeste vivia de uma renda de meio salário mínimo por mês no ano passado, segundo a Síntese de Indicadores Sociais. Isso corresponde a 28,5 milhões de pessoas.

Para chegar a esse contingente, o IBGE divide a renda de cada família — considerando salários, programas de transferência de renda, aluguéis, aplicações, aposentadorias — pelo número de moradores do domicílio. Desta forma, encontra a renda domiciliar per capita.

Na região Sudeste, 21% da população viviam com um rendimento domiciliar per capita de até meio salário mínimo. Quando considerada uma renda de até 1 salário mínimo por habitante (R$ 937 por mês em 2017), essa proporção cresce para 77,3%, conforme o IBGE.

A região Sul foi a que apresentou o maior rendimento domiciliar per capita, de R$ 1.788 por mês no ano passado, superando as regiões Centro-Oeste (R$ 1.776) e Sudeste (R$ 1.773). Os menores rendimentos por morador estavam nas regiões Nordeste (R$ 984) e Norte (R$ 1.011).

Índice de Gini

Hoje, o instituto divulgou um novo cálculo do Índice de Gini do país e mudou um pouco a percepção sobre o que aconteceu com a desigualdade de renda no primeiro ano de saída da crise.

Pelo novo cálculo, que agora faz um tratamento estatístico na base de dados do IBGE, a desigualdade passa a ter um leve acréscimo de 2016 para 2017, em vez da estabilidade anteriormente divulgada.

Em abril, o IBGE divulgou que o índice de Gini, principal medida de desigualdade da renda, ficou estável no país no ano passado, em relação ao ano anterior, ao registar 0,549 — o indicador varia de zero a um, sendo zero uma distribuição perfeitamente igualitária. Das cinco grandes regiões, a desigualdade crescia em quatro e recuava apenas no Sudeste.

Nesta quarta-feira, a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE confirma que o Gini foi de 0,549 em 2017, mas exibe um índice menor em 2016 (0,546). A diferença é pequena, de 0,03 ponto, mas é assim que o índice de Gini costuma se mover — lentamente. Os técnicos do IBGE chamaram a diferença de “acréscimo”, mas evitaram defini-la como “significativa” — ou seja, para além do intervalo de confiança da pesquisa.

O índice de Gini de 2016 mudou por conta de um tratamento estatístico aplicado sobre a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2016, que é a fonte dos dados para o cálculo do índice de Gini. Diferentemente do que ocorreu na divulgação anterior, de abril, o órgão decidiu agora retirar da amostra um empresário do ramo de transportes — com renda declarada de mais de R$ 1 milhão por mês — que vinha provocando distorções nas estatísticas do órgão. Isso teria provocado a mudança do índice de Gini de 2016.

Por ser uma pesquisa baseada em amostra domiciliar, cada entrevistado pela Pnad Contínua representa um grupo maior de pessoas. Em geral, moradores de bairros de alta renda tendem a compor um conjunto menor de pessoas na pesquisa, por representarem uma parcela menor da população (os ricos). Esse milionário dos transportes, no entanto, mora num bairro de baixa renda e entrou na pesquisa com peso maior do que deveria.

“Atribuímos novo peso a esse outlier”, resumiu André Simões, coordenador da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.

O departamento que publica a Síntese de Indicadores Sociais (Coordenação de População e Indicadores Sociais) é diferente do que publicou o índice de desigualdade em abril (Coordenação de Trabalho e Rendimento). Por isso, a abordagem diferente. O tratamento de “outlier” — como são chamadas as observações anormais da pesquisa, que provocam distorções — não é uma prática na Coordenação de Trabalho e Rendimento.

Segundo Simões, porém, a Síntese de Indicadores Sociais seria uma espécie de estudo e, por isso, comportaria o tratamento estatístico.

Desta forma, a desigualdade de renda da região Sudeste também passa a ter comportamento diferente. Em vez de queda de 0,535, em 2016, para 0,529, em 2017, o índice de Gini da região passa a mostrar um crescimento de 0,528 para 0,529. Procurado, o IBGE informou que os dois índices (com e sem tratamento) serão oficiais. “Os vários índices valem, pois cada um deles é referente a um tipo de rendimento”, informou.

Fonte: Valor Econômico

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