Por Carolina Maria Ruy
Em O Mundo Perdido, ficção de 1912 de Arthur Conan Doyle, os cientistas e concorrentes professor Challenger e Arthur Summerlee partem para uma viagem fantástica para ver se existem dinossauros na América do Sul. Eles se deparam com uma floresta exuberante e misteriosa, cheia de seres selvagens e outros que o velho mundo taxam de mitológicos, mas não encontram o que procuravam. Para sair de lá, sobem em um balão, e enfrentam outra particularidade daquele estado da natureza: uma forte tempestade. O balão cai no planalto que esconde o “Mundo Perdido”, onde, enfim, dinossauros e animais exóticos vivem livremente. Mais de um século depois a animação Up – Altas Aventuras resgata elementos da ficção de Doyle através da história de um idoso estadunidense.
A casa do simpático personagem Carl Fredricksen, suspensa por milhares de bexigas coloridas, sobrevoando a selva de pedra em meio aos raios e trovoadas, arrastada no cume do Salto Angel, o mais alto do mundo, no sudeste da Venezuela, ilustra contradições essenciais e emoções extremas: lar e aventura, nostalgia e impulsividade. A companhia inicialmente indesejada do menino Russell, de oito anos de idade, dá o ar familiar da história. Juntos eles devem encarar aventuras na selva, combater inimigos e salvar os injustiçados. É o que a empresa de animação por computação gráfica da The Walt Disney Company, a Pixar, faz de melhor: criar empatia de modo a nos introduzir em qualquer história, por mais inusitada que ela seja.
E o elemento aqui usado para nos aproximar da história é a trajetória de vida do senhor Fredricksen, antes e depois do momento em que ele, aos 78 anos, se abate profundamente por ter perdido sua amada companheira de tantos anos. Decompondo a aventura de Doyle, de 1912, UP – Altas Aventuras inova promovendo um retorno a uma relação básica e elementar.
Centrar foco neste senhor, com todos os seus rituais, suas rabugices e seus hábitos, é o elemento. Um velhinho num grande produto da Pixar não é só um velhinho. Ele é alvo de atenções, de debates, ele inspira ideias e olhares.
O que interessa aqui é ressaltar que o velhinho que protagoniza uma história não é mais o idoso debilitado e problemático. Está de acordo com a tendência mundial de que as pessoas vivem mais, e podem viver muito bem estes anos a mais. Enfatizando os hábitos do sistemático senhor Fredricksen, o filme mostra a perda de referências com o fim da atividade profissional e a morte da mulher. As excentricidades deste senhor se acirram quando ele entra nesta nova e misteriosa fase da vida. Por isto ele tem a ideia de fazer de sua casa um transporte aéreo para a ilha das cachoeiras, na Venezuela.
Não é um filme que fala diretamente sobre o trabalho. Mas chama a atenção para o fato de que as pessoas estão vivendo mais tempo. Ao perder o chão, Fredricksen tem que encarar a necessidade de seguir em frente. É uma questão que cabe à sociedade, que deve se ajustar a estes novos tempos de longevidade: o que fazer com e para este novo e crescente contingente de pessoas, potencialmente ativas, com mais de sessenta e cinco anos?
Pode-se ainda fazer uma analogia entre o mundo perdido e a etapa que se inicia para a trajetória de Fredricksen, na qual ele se vê tendo que se refazer e buscar novos sentidos, como a amizade com o pequeno Russell.
O fim da vida produtiva, imposto pelo mercado de trabalho, pode ser um bom recomeço. Essa é uma realidade cada vez mais comum. E é a melhor saída do mundo perdido.
UP – Altas Aventuras (UP)
EUA, 2009
Direção: Pete Docter
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
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