PUBLICADO EM 20 de dez de 2021
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Um acordo melhor para os trabalhadores do mundo

Aumentar os ganhos trabalhistas e a dignidade do trabalho requer tanto o fortalecimento do poder de negociação dos trabalhadores, quanto o aumento da oferta de bons empregos para aqueles que mais precisam deles. Isso daria a todos os trabalhadores um acordo melhor e uma parte justa da prosperidade futura.

Por Dani Rodrik

As últimas quatro décadas de globalização e inovação tecnológica foram uma benção para aqueles com as habilidades, riqueza e conexões para tirar vantagem dos novos mercados e oportunidades. Mas trabalhadores comuns tiveram muito menos para festejar.

Em economias avançadas, os ganhos para aqueles com menos educação frequentemente estagnaram, apesar dos ganhos da produtividade geral do trabalho. Desde 1979, por exemplo, a compensação dos trabalhadores da produção nos EUA cresceu menos de um terço do que a taxa de crescimento da produtividade. A insegurança do mercado de trabalho e a desigualdade aumentaram, e muitas comunidades foram deixadas para trás, quando as fábricas fecharam e os empregos migraram para outro lugar.

Em países em desenvolvimento, onde a teoria da economia padrão previu que os trabalhadores seriam os principais beneficiários da expansão da divisão global do trabalho, as corporações e o capital novamente colheram os maiores ganhos. Um livro que está para ser lançado de Adam Dean, da Universidade George Washington, mostra que mesmo onde governos democráticos prevaleceram, a liberalização comercial andou de mãos dadas com a repressão de direitos trabalhistas.

Males do mercado de trabalho criam tensões sociais e políticas mais amplas. Em seu livro inovador de 1996, “When Work Disappears”, o sociólogo William Julius Wilson descreveu como o declínio dos empregos de operários tinha alimentado um aumento em divisões familiares, abuso de drogas e crime. Mais recentemente, os economistas Anne Case e Angus Deaton documentaram o crescimento das “mortes de desespero” entre homens americanos com menos educação. E uma crescente literatura empírica ligou o crescimento do populismo autoritário de direita em economias avançadas ao desaparecimento de bons empregos para trabalhadores comuns.

Como resultado da pandemia global de COVID-19, os problemas trabalhistas estão recebendo atenção renovada – e com razão. Mas, como podem os trabalhadores não apenas obter o seu quinhão, mas também ter acesso a empregos decentes que permitam vidas significativas?

Uma abordagem é confiar no interesse próprio esclarecido de grandes corporações. Trabalhadores felizes e realizados são mais produtivos, menos prováveis de desistir e mais prováveis a fornecer bom atendimento aos clientes. Zeynep Ton, do MIT, mostrou que estabelecimentos de varejo podem cortar custos e aumentar os lucros pagando bons salários, investindo em seus trabalhadores e respondendo às necessidades dos empregados.

Mas, muitas empresas que afirmam tomar o caminho certo em padrões trabalhistas também são veementemente antissindicais; pegando o caminho mais baixo minimizando o pagamento dos trabalhadores e dizem que é muito frequente uma estratégia corporativa lucrativa. Historicamente, é a poder compensatório do trabalho – através da ação coletiva e organização sindical – que trouxe os ganhos mais significativos para os trabalhadores.

Então, uma segunda estratégia para ajudar os trabalhadores consiste em aumentar o poder organizacional do trabalho vis-à-vis empregadores. O presidente dos EUA, Joe Biden, explicitamente endossou essa abordagem, argumentando que o encolhimento da classe média americana é uma consequência do declínio no poder sindical e jurou fortalecer o trabalho organizado e a negociação coletiva.

Em países como os Estados Unidos, onde os sindicatos se tornaram significativamente mais fracos, essa estratégia é indispensável para corrigir desequilíbrios no poder de negociação. Mas, a experiência em muitos países europeus, onde a organização trabalhista e a negociação coletiva continuam fortes, sugere que isso pode não ser a solução completa.

O problema é que direitos trabalhistas fortes também podem criar mercados de trabalho dualísticos, onde os benefícios acumulam para “insiders”, enquanto muitos trabalhadores com menos experiência lutam para encontrar empregos. Ampla negociação coletiva e regulamentos trabalhistas robustos geralmente serviram bem aos trabalhadores franceses. Mas, a França tem uma das maiores taxas de desemprego da juventude entre as economias avançadas.

Uma terceira estratégia, que visa minimizar o desemprego, é assegurar demandas de trabalho adequadas, através de políticas macroeconômicas expansionistas. Quando a política fiscal mantém a demanda agregada alta, os empregadores caçam os trabalhadores – ao invés do contrário – e o desemprego pode permanecer baixo. Uma pesquisa de Larry Mishel e Josh Bivens, do Instituto de Política Econômica, mostra que a austeridade macroeconômica é a razão principal porquê os salários dos EUA ficaram atrás da produtividade desde a década de 1980. Em contraste, a resposta fiscal agressiva do governo Biden à crise da COVID-19 assegurou que os salários dos EUA aumentassem entre uma queda acentuada no desemprego.

Mas, embora mercados de trabalho apertados possam ajudar os trabalhadores, eles também podem colocar um risco de inflação. Além disso, as políticas macroeconômicas não podem alcançar os trabalhadores menos qualificados, ou as regiões onde os empregos são mais necessários.

Uma quarta estratégia, então, é mudar a estrutura da demanda na economia para beneficiar os trabalhadores menos educados ou regiões deprimidas em particular. A falta de empregos seguros de classe média é ligada de perto ao desaparecimento – como resultado da globalização e das mudanças tecnológicas – dos trabalhos de operários em fábricas, de vendas do setor de serviços e de escritório. Formuladores de políticas devem focar em expandir a oferta de empregos no meio da distribuição de habilidades para reverter esses efeitos polarizadores.

Isso envolve revisar programas industriais e de desenvolvimento de negócios existentes, assim os incentivos irão para as empresas mais provavelmente para gerar empregos decentes nos lugares certos e são projetados com os interesses dessas empresas em mente. Políticas industriais convencionais que tenham como objetivo manufatura intensiva em habilidade – e capital – e dependam fortemente de incentivos fiscais não vão fazer muito para estimular a expansão de bons empregos para aqueles que mais precisam deles.

Além do mais, nós devemos explicitamente considerar como as novas tecnologias ajudam ou prejudicam os trabalhadores, e repensar políticas de inovação nacionais. A atual narrativa foca quase exclusivamente em como os trabalhadores devem retreinar para se adaptar às novas tecnologias, e muito pouco em como a inovação deve se adaptar às habilidades da força de trabalho.

Como economistas como Daron Acemoglu, Joseph E. Stiglitz e Anton Korinek apontaram, a direção da mudança tecnológica é flexível e depende de incentivos de preço, impostos e as normas prevalecendo entre os inovadores. Políticas governamentais podem ajudar a guiar tecnologias de automação e inteligência artificial junto a um caminho mais amigável ao trabalho, que complementa as habilidades dos trabalhadores ao invés de substituí-los. Minha colega de Harvard, Stefanie Stantcheva, e eu discutimos algumas ideias preliminares em um relatório que nós preparamos para o Presidente francês, Emmanuel Macron.

Em última análise, impulsionar os ganhos trabalhistas e a dignidade do trabalho requer tanto o fortalecimento do poder de negociação dos trabalhadores, quanto o aumento da oferta de bons empregos. Isso daria a todos os trabalhadores um acordo melhor e uma parte justa da prosperidade futura.

Dani Rodrik é professor de economia política internacional na Universidade de Harvard, Escola de Governo John F. Kennedy.

Fonte: Project Syndicate

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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