PUBLICADO EM 10 de abr de 2021
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Sob pressão a MPB resgata a necessidade de respirar e superar a ausência de quem se foi

Por Marcos Aurélio Ruy

A música está para a vida tanto quanto a ciência para a superação da pandemia. A humanidade não sobrevive sem a ciência, sem os profissionais da saúde neste momento crucial pelo qual o país passa.

E a música popular brasileira vem resgatar a resistência e apontar o caminho da ciência, da cultura, da vida. O caminho da unidade de todas as pessoas que defendem o saber, que valorizam a inteligência, que respeitam as diferenças. A unidade que pode trazer a novidade e deixar para trás o pensamento obtuso, a obscuridade, a falta de cultura, de ciência, de vida.

Esta seleção traz seis canções apropriadas para a compreensão deste momento da vida do país e do mundo. Cinco representantes fundamentais da MPB e um compositor argentino, Fito Páez. Porque o papel da cultura é superior. É elevar o pensamento e principalmente a vontade de transformar o mundo na prática.

Gilberto Gil e Ruy Guerra

A parceria do baiano Gilberto Gil com o moçambicano, radicado no Brasil, Ruy Guerra, importante cineasta do país, “Sob Pressão” retrata com emoção o momento que vivemos. A pressão que sofremos para sobreviver ao negacionismo, à falta de coordenação nacional no combate à pandemia que ceifa vidas, à falta de um governo à altura das necessidades do país.

Sob pressão se faz a unidade em defesa da vida, da ciência e da inteligência como única forma de derrotar o retrocesso, a desinteligência. O Brasil está pagando um preço muito alto porque a mentalidade escravocrata de parte da elite nos impede de crescer.

“Neste canto aqui da poesia

Casa da fantasia e da razão

Abre-se a porta e entra um novo dia

Pela janela adentro um coração

A voz de um barco a bordo da alvorada

O sol da aurora secando o pulmão

Ano passado se eu morri na estrada

Vai que esse ano não morro mais não”

 

Sob Pressão (2021), de Gilberto Gil e Ruy Guerra; Gil canta com Chico Buarque

José Miguel Wisnik

O paulista Zé Wisnik canta a esperança e a vontade de superação de um povo destinado a vencer o medo introjetado por uma elite carcomida. Que tem medo desse povo e, por isso, procura mantê-lo na ignorância.

“E que não seja o ovo da serpente

Chocado por gente chocada renitente

Querendo a todo custo que ela seja chata

A terra não é plana

A terra não é chata

A terra simplesmente plana

Carregando o peso da ganância que a maltrata

Dançando em ondas com os astros

Seus parceiros mudos

Abraçando em círculos o centro que lhe escapa”

 

A Terra Plana (2020), de José Miguel Wisnik

Fito Páez

Uma das mais importantes vozes do rock feito na Argentina, Fito Páez também é roteirista de cinema e sua arte remonta à esperança de um futuro com uma vida mais digna para todas as pessoas.

“Tudo gira e gira

Tudo sob o Sol A

vida é projetada

borboleta tecnológica”

 

Borboleta Tecnológica (1994), de Fito Páez

Ednardo

O cearense Ednardo trouxe à tona uma história importante da vida do país em uma de suas canções. “Ausência”, gravada em 1974, foi feita para homenagear uma guerrilheira do Araguaia. Uma jovem com quem passou uma noite dançando e a levou para casa já na madrugada.

Ele conta que a moça o “olhava como se fosse a última vez, deitava a cabeça em meu ombro, me beijava e dava carinhos, de repente vi seus olhos se encherem de lágrimas e foi uma cachoeira, e eu sem entender muito do que estava acontecendo falei – Que é isso, amanhã a gente se ver de novo”. E ela respondeu que “amanhã estou viajando e não sei se volto…”.

Não voltou. Foi morta na Guerrilha do Araguaia, movimento armado de resistência à ditadura (1964-1985), que começou em 1967 e foi barbaramente exterminado em 1974, pela maior expedição do Exército brasileiro depois da Segunda Guerra Mundial. Claramente a intenção do Exército era apagar a guerrilha da história do país, mas não se apaga a história.

Ednardo afirma ainda que “tempos depois soube que um grupo de estudantes de Fortaleza havia ido para Araguaia e participar da guerrilha, e ela foi uma das pessoas junta a muitos outros. Nunca mais a vi, foi morta junto a outros e outras”.

Música, que conhecida a sua história, fica ainda mais emocionante. Impossível ouvi-la sem derramar lágrimas. Obrigado Ednardo por contar essa história.

“Tu lembras a rua estreita, estrada tão antiga

E eu mostrava a ti uma cantiga

Uma cantiga antiga do lugar

Na rua, na paz da lua um sonho se fazia

E sem querer então eu esquecia

Que já não temos tempo pra sonhar

 

Sorrias e a tua voz a cada instante amiga

A um só tempo em um abraço estreito

Fazia à vida, um violão, um jeito de se fazer amar

 

Sorrias e a tua voz estranha, estrada amiga

Perdeu-se ao longe na partida

E não ficou ninguém em teu lugar”

 

Ausência (1974), de Ednardo

Heitor dos Prazeres

O sambista carioca Heitor dos Prazeres (1898-1966). Canta o desejo dos morros cariocas de ir para o asfalto e mostrar o seu valor. Ele também foi pintor com a mesma vontade de retratar a vida da favela e a influência dos negros brasileiros na cultura e na vida do país.

“Olha ele, cuidado!

Ele com aquela conversa

É danado

Olha ele, cuidado!

Que aquele homem é danado”

 

Olha Ele, Cuidado (1927), de Heitor dos Prazeres; canta Alfredo Albuquerque

Racionais MCs

Como um dos mais importantes grupos do rap brasileiro, o Racionais MCs, da periferia da capital paulista, está na estrada desde 1988 com sua arte mostrando a vida nas periferias, as dificuldades, os anseios e os desejos de tudo mudar.

“Eu vejo o rico que teme perder a fortuna

Enquanto o mano desempregado, viciado, se afunda

Falo do enfermo, (irmão) falo do são (então)

Falo da rua que pra esse louco mundão

Que o caminho da cura pode ser a doença

Que o caminho do perdão às vezes é a sentença

Desavença, treta e falsa união

A ambição é como um véu que cega os irmão

Que nem um carro guiado na estrada da vida

Sem farol no deserto das trevas perdidas

Eu fui orgia, ébrio, louco, mas hoje ando sóbrio

Guardo o revólver quando você me fala em ódio

Eu vejo o corpo, a mente, a alma, o espírito

Ouço o repente e o que diz lá no canto lírico

Falo do cérebro e do coração

Vejo egoísmo, preconceito de irmão pra irmão

A vida não é o problema, é batalha, desafio

Cada obstáculo é uma lição, eu anuncio”

 

A Vida É Desafio (2002), de Mano Brown

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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