PUBLICADO EM 03 de out de 2020
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Revolução de 30: Aos 90 anos ainda é símbolo de nossa modernidade

Por Carolina Maria Ruy

A Revolução de 30 chega aos 90 anos ainda como a mais abrangente transformação civilizadora da nossa história. Ele tem raízes em um contexto internacional que já não sustentava um regime oligárquico e feudal em suas relações sociais.

Mais especificamente a Quebra da bolsa de Nova Iorque, em outubro de 1929, que afetou nossas exportações de café.

Logo em 1929, a política foi estremecida quando lideranças da oligarquia paulista romperam a aliança com os mineiros, conhecida como política do café com leite, e indicaram o paulista Júlio Prestes como candidato à presidência da República. Em reação, o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada apoiou a candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio Vargas.

Em 1 de março de 1930, foram realizadas as eleições para presidente da República que deram a vitória ao candidato governista, que era o presidente do estado de São Paulo (seria governador nos dias atuais), Júlio Prestes. Porém, ele não tomou posse, em virtude do movimento desencadeado a partir de 3 de outubro de 1930 por Vargas, e foi exilado.

Só um mês depois Getúlio Vargas assumiria a chefia do “Governo Provisório” em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha no Brasil. Ele comandou um processo que levou o país a atravessar de uma fase predominantemente rural, para um país urbano e industrializado. Tal transformação não consistiu apenas em uma mudança no modo de produção e de trabalho, ela atingiu um sentido mais profundo, cultural e social, fomentando uma concepção de cidadania e civilidade condizente com o caráter industrial que se estabelecia.

Uma de suas primeiras medidas foi a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado para administrar questões que, até então, eram tratadas pelo Ministério da Agricultura.

O “ministério da Revolução”, como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta, surgiu para concretizar o projeto de interferir sistematicamente no conflito entre capital e trabalho. Até então as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, sendo na realidade praticamente ignoradas pelo governo.

A década de 1930 ainda seria de profundas mudanças para o Brasil. Duas Constituições, uma progressista e uma conservadora e autoritária, foram promulgadas, acompanhando o clima internacional marcado pelas tensões que resultaram na Segunda Guerra Mundial.

Surgiram também diversas Leis trabalhistas que, em 1943 formariam a CLT, como a regulamentação da sindicalização das classes patronais e operárias e a criação da Justiça do Trabalho, inaugurada em 1941.

Sancionada pelo presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo, a CLT unificou toda legislação trabalhista existente no Brasil, além de introduzir novos direitos e regulamentações até então inexistentes. “O resultado foi um código de considerável abrangência, composto por oito capítulos e 922 artigos que abrangem e especificam direitos de grande parte dos grupos trabalhistas brasileiros e tratam minuciosamente da relação entre patrões e empregados, estabelecendo regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc”[1].

Após o Estado Novo e após o governo autoritário e repressor de Eurico Gaspar Dutra, Getúlio voltaria ao poder em 1950, eleito democraticamente, e já sob nova Constituição, a Constituição de 1946 que restara os valores progressistas da Carta de 1934.

Na década de 1950 o Brasil já apresentava cidades desenvolvidas, uma urbanização crescente e a formação de novas forças sociais. Processo que também impulsionou um renascimento da militância operária, o aumento do número de sindicalizados e a ocorrência de movimentos grevistas de envergadura, especialmente em São Paulo como a Greve dos Bancários de São Paulo de 1951 e a Greve dos 300 mil, de 1953.

Um grande marco deste período é a criação da Petrobrás em outubro de 1953, após pressões sociais configuradas na Campanha do Petróleo que defendia o monopólio estatal em todas as fases da exploração. A frase “O petróleo é nosso”, adotada pela campanha, se tornou famosa ao ser pronunciada pelo então presidente da república Getúlio Vargas por ocasião da descoberta de reservas de petróleo na Bahia.

De volta à presidência da República, Getúlio enviou ao Congresso um projeto propondo a criação da “Petróleo Brasileiro S.A.” (Petrobras). Seu projeto previa que esta fosse uma empresa de economia mista com controle majoritário da União. Depois de uma batalha parlamentar de 23 meses, o Senado terminou por aprovar a criação da Petrobras, sancionada por Vargas – lei 2.004 – em 03 de outubro de 1953. Este foi o resultado da vitória dos nacionalistas e do triunfo da campanha “O petróleo é nosso”.

Vale lembrar também, na esteira dos acontecimentos deflagrados pós Revolução de 30, o expressivo aumento do salário mínimo de 1954.

Após a greve de 1953 e a campanha contra a carestia, o ano de 1954 iniciou-se com uma grande pressão para o aumento do salário mínimo. Em fevereiro, os sindicatos envolvidos no Pacto Intersindical foram em caravana ao Rio de Janeiro, reivindicar aumento do salário mínimo e congelamento dos preços aos valores vigentes em 30 de junho de 1953.

Os empresários temiam um aumento maior do que o observado em dezembro de 1951, quando havia sido feito o último reajuste salarial. Entretanto seu ministro do trabalho, João Goulart, apresentou a proposta de dobrar o salário. Um aumento até hoje, 2020, inédito, de 100%.

O decreto proposto por Goulart foi assinado por Vargas no Dia do Trabalhador daquele ano. Ao anunciar o novo valor, o presidente relembrara as medidas que havia tomado para “proteger a classe trabalhadora”, e terminara com um veemente apelo: “Constituís maioria. Hoje estais com o Governo. Amanhã sereis Governo”.

Vargas, junto com seu ministro que pouco tempo depois se tornaria presidente e seria deposto pelo golpe militar, enfrentaram uma grande pressão política e da elite empresarial ao atender aos anseios da classe trabalhadora. A atitude corajosa cobrou um preço caro que se desdobraria no suicídio de Getúlio Vargas em agosto daquele 1954. Seu suicídio causou grande comoção popular, repercutindo nas forças políticas da época.

No dia 24 sua carta-testamento, endereçada ao povo brasileiro, foi lida pelas rádios. As últimas palavras de Getúlio Vargas, inscritas na carta, tornaram-se parte emblemática da história do País:

“E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

O povo, então, tomou as ruas do Brasil manifestando pesar pela morte do presidente, e indignação e revolta contra seus adversários. O cenário transformara-se completamente. O clima para a deflagração do golpe, que antes fervilhava na alta cúpula, esfriara por completo. Muitos historiadores afirmam que o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo.

É inegável que entre 1930 e 1954 o Brasil viveu um grande avanço. Um avanço que ainda hoje, 90 anos depois, correntes políticas teimam em tentar diminuir. Existem aqueles que dizem que Vargas apenas atendeu a necessidades do capitalismo. Mas a questão aqui é que o Brasil da oligarquia do café com leite mantinha a sociedade em uma situação pré-capitalista, dominada por uma mentalidade escravocrata. Não é exagero dizer que a Revolução de 30 é a maior ruptura da nossa história recente.

[1] Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Acessado em 21/08/2020 https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-

Carolina Maria Ruy é jornalista e  coordenadora do Centro de Memória Sindical

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