Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Banco Mundial revelou que 333 milhões de crianças sofrem com a pobreza extrema no mundo, sobrevivendo com cerca de US$ 2,15 por dia, cerca de R$ 10,85. De acordo com o documento, a pandemia do coronavírus desacelerou o combate à pobreza extrema em três anos.
Analistas apontam que as metas estabelecidas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU –não serão atingidas dentro do prazo desejado. Alexandra Brentani, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP, explica que a pandemia acentuou a desigualdade ao deixar determinados grupos ainda mais expostos ao coronavírus.
Impacto da pandemia
“Parcelas mais vulneráveis enfrentaram o maior risco de contágio, principalmente devido à necessidade de utilizar transporte público e à menor acessibilidade ao serviço de saúde”, destaca Alexandra. As circunstâncias de moradia e demografia dessas populações favoreceram a disseminação do coronavírus. Na visão da professora, tal cenário se tornou muito visível nas comunidades em que as residências são muito próximas, o saneamento básico dificilmente é uma realidade e há um maior número de moradores.
A desigualdade nas condições de trabalho se evidenciou, por exemplo, com a disseminação do trabalho remoto. “A falta de acesso a tecnologias, a impossibilidade de home office e outras adaptações em função das restrições de distanciamento social, fechamento das escolas, enfim, a pandemia acabou agravando desigualmente as diferentes camadas da nossa sociedade”, analisa a especialista.
O Relatório de Desenvolvimento Mundial 2022 do Banco Mundial mostrou que o impacto econômico da pandemia no Brasil seria ainda pior se as medidas de proteção de 2020 não tivessem sido implementadas. Mas, quando essas políticas de auxílio foram reduzidas, a pobreza aumentou substancialmente.
Crianças e a pobreza
De acordo com o Unicef, cerca de 50% das pessoas em situação de extrema pobreza no mundo são crianças, apesar de representarem somente um terço da população mundial. Além disso, a parcela populacional infantil apresenta duas vezes mais chances de viver em domicílios extremamente pobres, sem alimentação, saneamento, abrigo, cuidados de saúde e educação de que necessitam para sobreviver e prosperar.
A maior vulnerabilidade das crianças diante de cenários de emergência social, segundo Alexandra Brentani, perpassa a dependência dos menores em relação ao adultos para o cuidado e alimentação, por exemplo. “Famílias mais vulneráveis são aquelas que têm maior número de filhos e se tornam mais expostas à desnutrição, às doenças infecciosas, à baixa escolaridade do cuidador e também à falta de estimulação, aspectos associados à pobreza impactando o desenvolvimento infantil”, pontua a professora.
O ambiente familiar socialmente vulnerável combinado à dependência das crianças para um bom crescimento contribui para a perpetuação do que a especialista denomina de “ciclo intergeracional da pobreza” – resultado da ausência de transferências de investimentos necessários e de políticas públicas. “Por esse motivo que as crianças expostas a essas condições dependem do auxílio governamental para conseguir alterar a sua trajetória, principalmente, nesses primeiros anos de vida, que são um período sensível para o desenvolvimento infantil”, esclarece.
Possíveis planos
A pediatra aponta que intervenções nos três primeiros anos de vida podem alterar significativamente a trajetória dos indivíduos. Em paralelo, programas parentais para a promoção de um ambiente mais acolhedor têm sido explorados em países de baixa e média renda. “O programa Rich Openlearn, desenvolvido na Jamaica, mostrou um impacto não só no curto prazo, mas também no melhor desempenho acadêmico, menor envolvimento em criminalidade durante a adolescência e melhor nível salarial e colocação no mercado de trabalho quando essas crianças chegaram aos 30 anos de idade”, destaca.
Além dos planos direcionados para os responsáveis pelas crianças, Alexandra menciona a diversidade de programas no Brasil, como o acesso ao acompanhamento pré-natal, a vacinação, Estratégia Saúde da Família e o próprio Bolsa Família, que não só combate a pobreza, mas também fortalece o acesso à saúde e educação. Apesar dos notáveis avanços conquistados, principalmente nos grandes centros urbanos, a partir de tais políticas públicas, a pediatra ainda possui ressalvas diante do cenário brasileiro. Para ela, o acesso limitado a serviços de atendimento da primeira infância e a falta de auxílio para as próprias mães são obstáculos para um enfrentamento efetivo da pobreza extrema infantil, que exige um investimento de longo prazo.
Veja aqui o relatório original em inglês: Global Trends in Child Monetary Poverty
Fonte: Jornal da USP
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