PUBLICADO EM 08 de out de 2018
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Pais brancos precisam fazer mais do que conversar com seus filhos sobre racismo

Num momento de profundas divisões raciais e políticas, pais brancos têm preocupações sobre como criar filhos brancos para que sejam bondosos e, muito importante, não racistas. O conselho que eles mais frequentemente recebem é simples: conversar mais com seus filhos sobre racismo. Isso é importante. Mas, eu vi em primeira mão que não é o suficiente.

Margaret A. Hagerman

Por dois anos eu estudei 30 famílias brancas em uma comunidade do Meio-Oeste dos EUA. Minha pesquisa mostra que um aspecto crucial é frequentemente esquecido ao criar filhos brancos na América: os ambientes sociais em que eles crescem. Crianças brancas aprendem sobre raça como resultado de suas próprias experiências – não apenas através de conversas. Sua experiência vivida e suas interações com os pares, professores, vizinhos, treinadores, irmãos e estranhos importam muito. As escolhas que os pais fazem sobre como estabelecer as vidas das crianças influenciam as ideias de seus filhos sobre raça e racismo. A vizinhança em que eles vivem, a escola que frequentam e as atividades das quais participam – ligas esportivas, organizações religiosas, clubes, acampamentos de verão – estabelecem os parâmetros de como as crianças entendem raça.

Entrevistei 36 garotos e garotas nas idades entre dez e treze anos. Eu os observei em suas vidas cotidianas. Aproximadamente metade das crianças no estudo frequentavam escolas diversas, viviam perto de vizinhanças negras ou latinas, e participavam de atividades com crianças de diversas origens. A maioria dessas crianças brancas estavam confortáveis discutindo raça, carregavam ideias complexas sobre racismo e tinham aplicado experiências participando em ativismo social. Uma criança branca de onze anos crescendo nesse contexto diverso disse, “eu acho que racismo é um problema muito maior do que as pessoas percebem”.

As outras crianças em meu estudo frequentavam escolas predominantemente brancas, viviam em uma vizinhança quase inteiramente branca e participavam de atividades com muitas poucas crianças negras. Essas crianças brancas faziam piadas sobre raça com seus amigos, usando a frase “isso é racista” como um insulto, aparentado com “isso é estúpido”, e tinha limitados discernimentos sobre ambos aspectos contemporâneos e históricos sobre o racismo na América.

Isso apareceu em famílias onde os pais falavam abertamente sobre raça, tanto como naquelas onde raça era percebida como um tópico desnecessário para discussões em família. Como uma criança branca de onze anos de idade crescendo nesse contexto me disse, “Racismo era um problema quando todos aqueles escravos estavam por aí e aquela coisa de ônibus… como Eleanor Roosevelt, e como ela ia no ônibus. E ela era afro americana, e sentou-se na parte dos brancos…, mas depois dos anos 1920 e tudo isso, as coisas mudaram”.

Perpetuando a desigualdade

Em contextos predominantemente brancos como esse, os pais frequentemente articulam a difícil questão que Heather Johnson explorou em seu livro de 2014, The American Dream and the Power of Wealth: Choosing Schools and Inheriting Inequality in the Land of Opportunity (O sonho americano e a força da riqueza: escolhendo escolas e herdando desigualdade na terra da oportunidade). Eles dizem que a América é uma meritocracia com oportunidades iguais, ainda então outorga tremendos privilégios educacionais para seus próprios filhos optando por escolaridade e tutoria privadas, elites, caros programas de enriquecimento e aí por diante. De acordo com o Centro Nacional de Estatísticas Educacionais, em 2015, estudantes brancos constituíam a maior percentagem de estudantes em escolas privadas católicas, de outras religiões e escolas privadas não segmentadas. Eu descobri que as crianças que alunos de escolas privadas que entrevistei frequentavam escolas com perfil de alunos mais branco, se achavam mais inteligentes e mais bem-sucedidos do que seus pares das escolas públicas. Assim sendo, essas crianças desenvolviam compreensões de onde eles se encaixavam no mundo. Eles diziam que “sabiam que eles eram especiais” e que eram “mais merecedores que as outras crianças”.

Mas mesmo em contextos raciais diversos, as ações dos pais nem sempre se alinham com o que eles dizem que acreditam. Por exemplo, como Amanda Lewis e John Diamond mostram em seu livro de 2015: Despite the Best Intentions: How Racial Inequality Thrives in Good Schools (Apesar das melhores intenções: como a desigualdade racial prospera em boas escolas), embora pais brancos frequentemente digam que querem diversidade na vida de seus filhos, suas ações mostram seu desejo de proteger práticas de segregação dentro de escolas diversas, que ofereçam vantagens para seus filhos. Ao invés de descobrir maneiras de melhorar as experiências de todas as crianças em suas escolas, pais brancos, no livro de Lewis e Diamond, usam seus recursos materiais, culturais, sociais e simbólicos para advogar para seus próprios filhos através de práticas como assegurar que seus filhos sejam colocados em cursos de nível mais alto, com os melhores professores. Embora esses pais privilegiados não estejam expressando animosidade racial quando eles advogam desse jeito, eles estão, na verdade, perpetuando a desigualdade, por guardar oportunidades para seus próprios filhos. Eu descobri na minha pesquisa que esses tipos de comportamento de pais moldam como as crianças entendem elas mesmas, sua posição no mundo, e o que elas merecem.

Pequenas ações, poderosas mensagens

O comportamento cotidiano de pais brancos também importa: quando trancar as portas do carro, conversas na mesa de jantar, os livros e revistas quem tem em casa, a maneira como reagem às manchetes das notícias, quem convidam para churrascos de verão, se, e como, respondem às questões colocadas pelas crianças sobre raça, os amigos, como respondem às observações abertamente racistas feitas pelo vovô no jantar da família e onde passam o tempo de laser. (Restaurantes, destinos de férias e eventos da comunidade podem ser deliberadamente e por padrão majoritariamente brancos – ou intencionalmente não).

Essas pequenas ações mandam sutis, mas poderosas mensagens. Pais podem nem mesmo estar cientes que eles estão transportando ideias sobre raça através desses comportamentos, mas as crianças aprendem deles o tempo todo. Nesse sentido, ao tratar de racismo com crianças, as ações dos pais frequentemente falam mais alto que suas palavras.

As conversas que os pais têm com seus filhos sobre raça e racismo importam – assim como tudo mais que os pais fazem. Ao invés de focar unicamente no que eles falam para as crianças sobre raça, pais brancos devem pensar mais criticamente e cuidadosamente sobre o que eles fazem em seus cotidianos, que podem, na realidade, reproduzir ideias racistas e formas de desigualdade racial que eles dizem que procuram desafiar.

Fonte: Margaret A. Hagerman, socióloga e autora de: “White Kids: Growing up with Privilege in a Racially Divided America” (Crianças brancas: crescendo com privilégios numa América racialmente dividida), para time.com

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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  • rita de cassia vianna gava

    Os pais são modelos para os filhos
    Mas a educação de forma geral influência

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