PUBLICADO EM 02 de mar de 2020
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O filme Negação mostra como o simpatizante do nazismo, David Irving, plantou sementes de retrocesso

O filme Negação, de Mick Jackson (disponível no Netflix), foi lançado nos EUA pouco mais de um mês antes da vitória de Donald Trump nas eleições de 2016. Aquela eleição fez emergir um pensamento reacionário, que se opõe à ciência, à história, aos direitos humanos e aos avanços civilizatórios, que até então parecia disperso. Fosse produzido alguns meses depois, talvez a conclusão do filme fosse relativizada.

Por Carolina Maria Ruy

Vamos para o início. O filme conta a história real do processo que envolveu a professora, historiadora e especialista americana no Holocausto, Deborah Lipstadt e o escritor simpatizante do nazismo, David Irving.

Irving processou Lipstadt e a editora Penguin Books, que publicou seu livro “Denying the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory” (Negando o Holocausto – O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), em 1993, no Reino Unido, por terem-no acusado de ser um negador do Holocausto. No livro Lipstadt descreve Irving como “um dos mais perigosos porta-vozes da negação do Holocausto” e disse que ele minimiza a responsabilidade de Adolf Hitler no massacre de 6 milhões de judeus.

A acusada precisou provar que Irving mentia, em um caso que se desenrolou por seis anos, marcado por tensões e pela pressão da comunidade judaica. Ao final do julgamento, o juiz Charles Gray decidiu contra Irving, qualificando-o como anti-semita, racista, polemista de direita e pró-nazista.

Foi uma vitória para a civilização. Mas me parece estranho que isso estivesse em questão depois de quase 50 anos da desativação dos campos de concentração nazistas, com o fim da Segunda Guerra. Estranho que em 1993, ano em que o livro foi escrito, houvesse espaço para a tese negacionista. Ainda que tenhamos que admitir que teorias estapafúrdias estejam sempre presentes, elas deveriam ser um resquício de pensamento desvirtuado uma vez que o exemplo do nazismo já foi fartamente explorado e dissecado como um modelo da crueldade humana.

No filme, logo após sua derrota no julgamento, Irving faz uma espantosa fala para a TV ressaltando sua suposta vitória. Na vida real, sua apelação foi recusada e ele foi declarado falido em 2002, uma vez que não pôde pagar os custos do processo estimados em 2 milhões de libras.

Grupos neonazistas foram retratados no filme como uma torcida nos arredores do tribunal, ainda que em menor tamanho que a torcida pela vitória da historiadora.

E a vitória de Irving, após sua retumbante derrota, reside precisamente aí. Ao levantar dúvidas sobre um fato histórico tão sensível à humanidade, como foi o Holocausto, e, sobretudo, ao defender Adolf Hitler, tirando-lhe a atribuição de facínora e sanguinário, ele jogou a semente do contraditório sobre um caso que já tinha seus pilares bastante nítidos e definidos. Com isso ele contribuiu para despertar em parte da população uma mentalidade impermeável à complexa questão dos direitos humanos e ao debate acerca das pautas históricas. Ele – e não apenas ele – jogou, enfim, a semente de um brutal retrocesso.

E os frutos desta semente colhemos nos últimos anos, com a eleição de Donald Trump, de Jair Bolsonaro, e com o espantoso avanço de um pensamento que não deve ser apenas classificado como de extrema direita, mas que é mais do que isso: é anticientífico e anticivilizacional.

Carolina Maria Ruy é jornalista, pesquisadora e coordenadora do Centro de Memória Sindical

Negação, (Denial), EUA, Reino Unido.
Direção: Mick Jackson
Lançado em 2016

Assista aqui o trailer de Negação:

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