Por Carolina Maria Ruy
Vamos para o início. O filme conta a história real do processo que envolveu a professora, historiadora e especialista americana no Holocausto, Deborah Lipstadt e o escritor simpatizante do nazismo, David Irving.
Irving processou Lipstadt e a editora Penguin Books, que publicou seu livro “Denying the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory” (Negando o Holocausto – O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), em 1993, no Reino Unido, por terem-no acusado de ser um negador do Holocausto. No livro Lipstadt descreve Irving como “um dos mais perigosos porta-vozes da negação do Holocausto” e disse que ele minimiza a responsabilidade de Adolf Hitler no massacre de 6 milhões de judeus.
A acusada precisou provar que Irving mentia, em um caso que se desenrolou por seis anos, marcado por tensões e pela pressão da comunidade judaica. Ao final do julgamento, o juiz Charles Gray decidiu contra Irving, qualificando-o como anti-semita, racista, polemista de direita e pró-nazista.
Foi uma vitória para a civilização. Mas me parece estranho que isso estivesse em questão depois de quase 50 anos da desativação dos campos de concentração nazistas, com o fim da Segunda Guerra. Estranho que em 1993, ano em que o livro foi escrito, houvesse espaço para a tese negacionista. Ainda que tenhamos que admitir que teorias estapafúrdias estejam sempre presentes, elas deveriam ser um resquício de pensamento desvirtuado uma vez que o exemplo do nazismo já foi fartamente explorado e dissecado como um modelo da crueldade humana.
No filme, logo após sua derrota no julgamento, Irving faz uma espantosa fala para a TV ressaltando sua suposta vitória. Na vida real, sua apelação foi recusada e ele foi declarado falido em 2002, uma vez que não pôde pagar os custos do processo estimados em 2 milhões de libras.
Grupos neonazistas foram retratados no filme como uma torcida nos arredores do tribunal, ainda que em menor tamanho que a torcida pela vitória da historiadora.
E a vitória de Irving, após sua retumbante derrota, reside precisamente aí. Ao levantar dúvidas sobre um fato histórico tão sensível à humanidade, como foi o Holocausto, e, sobretudo, ao defender Adolf Hitler, tirando-lhe a atribuição de facínora e sanguinário, ele jogou a semente do contraditório sobre um caso que já tinha seus pilares bastante nítidos e definidos. Com isso ele contribuiu para despertar em parte da população uma mentalidade impermeável à complexa questão dos direitos humanos e ao debate acerca das pautas históricas. Ele – e não apenas ele – jogou, enfim, a semente de um brutal retrocesso.
E os frutos desta semente colhemos nos últimos anos, com a eleição de Donald Trump, de Jair Bolsonaro, e com o espantoso avanço de um pensamento que não deve ser apenas classificado como de extrema direita, mas que é mais do que isso: é anticientífico e anticivilizacional.
Carolina Maria Ruy é jornalista, pesquisadora e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Negação, (Denial), EUA, Reino Unido.
Direção: Mick Jackson
Lançado em 2016
Assista aqui o trailer de Negação: