PUBLICADO EM 11 de mar de 2021
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‘Medida Provisória’: Uma Futurista ‘Solução Final’ ao ‘problema racial’ brasileiro no PAFF

O premiado Medida Provisória, do diretor/coautor Lázaro Ramos exemplifica o que eu mais amo sobre o Festival de Cinema Pan Africano (PAFF, na sigla em inglês): ele dá aos cinéfilos a oportunidade de ver filmes, frequentemente de destinos distantes ao redor do mundo, que nós de outra maneira nunca teríamos a chance de ver. Frequentemente esses são produções dignas e bem feitas, que o PAFF dá está dando acesso e um ponto de apoio em Los Angeles, discutivelmente a capital mundial do cinema (embora não necessariamente a capital do “cinema mundial” em si).

Por Ed Rampell (traduzido do People´s World)

O 29º anual de 2021 Festival Virtual Pan Africano de Filmes e Artes acontece de 28 de fevereiro a 14 de março.

O filme Medida Provisória se passa e é rodado em locações no Brasil (e está em português, com legendas em inglês). Essa vasta nação é composta por uma extensa tapeçaria de etnias. De acordo com o excelente novo documentário, Tribes on the Edge, de Céline Costeau, há aldeões indígenas na região amazônica que ainda, no século XXI, não experimentaram contato com pessoas de fora (e suas doenças devastadoras!).

O mix étnico do Brasil também inclui outro fato importante que muitos americanos não sabem: o Brasil tem a maior população do Hemisfério Ocidental com ascendência africana, aproximadamente 75 milhões, de mais de 211 milhões de habitantes.

(Como o PAFF é “Pan” e muito ecumênico em sua perspectiva e inclusão de Negros, dos EUA à Mãe África, do Caribe à América “Latina, à Melanésia etc., esse festival abrange filmes daquelas regiões, e, é claro, do Brasil, aquele gigante da América do Sul. O alcance étnico inclusivo do PAFF é ainda outra grande coisa sobre esse festival de cinema. Mas eu divago.)

Com sua vasta população negra, em 1888 o Brasil se tornou a última nação no Hemisfério Ocidental a abolir a escravidão, um quarto de século depois que Lincoln assinou a Proclamação da Emancipação. (Um número de ex-proprietários de escravos dos EUA se mudou para o Brasil depois da Guerra Civil, para tentar e reconstituir suas fortunas). Como se pode imaginar, o racismo continua uma questão para os brasileiros contemporâneos, sejam eles povos aborígenes, ou descendentes de africanos.

Tudo isso é pano de fundo para o enredo emocionante de Medida Provisória que, como 1984, de George Orwell, e Bravo Mundo Novo, de Aldous Huxley, é um olhar distópico para uma sociedade futurística. No futuro não tão distante, brasileiros de linhagem essencialmente europeia impõe uma “solução” para a desigualdade racial, através da qual o Brasil descobre um modo muito mais barato de lidar com a questão de reparações caras, do que pagar aos descendentes de pessoas escravizadas os “salários atrasados” que são devidos por causa do débito histórico para com seus ancestrais.

Em Medida Provisória, essa “indenização cancelada” chama às assim chamadas pessoas com “alta melanina” ao invés ganharem uma passagem só de ida para “voltar” à África, onde eles vão se estabelecer em países como Angola (também anteriormente colonizado por Portugal). No princípio esse programa do governo de “volte você mesmo” é voluntário. (Lembra da proposta de imigração de Mitt Romney, durante a campanha presidencial de 2012?)

Mas, é claro, a maioria dos negros brasileiros nunca pôs os pés na África e nem fala as mesmas línguas que a maioria dos africanos. Como o líder da resistência, Antônio, (o ator inglês-brasileiro Alfred Enoch, da franquia de filmes Harry Potter e da série de TV How to Get Away with Murder) proclama: “O Brasil também é meu! Eu nasci aqui!”

Então o assustadoramente nomeado, que soa como Orwell, “Ministro do Retorno”, logo intensifica sua campanha reunindo negros e forçosamente os deportando de volta para a África, seja eles querendo ou não. Isso desencadeia distúrbios, brutalidade policial, e a emergência de “Afro Bunkers” subterrâneos, para onde os negros fogem e se escondem para escapar da perseguição e deportação forçada.

Esses “Afro Bunkers” chamam à mente os pântanos e outros assentamentos para os quais as pessoas escravizadas fugitivas escaparam e se estabeleceram em muitos países nos continentes americanos, incluindo o Brasil, os quilombos.

Medida Provisória foca em Antônio, um advogado; sua esposa, a médica grávida Capitu (a linda Taís Araújo, que é casada com o diretor Ramos e interpretou a personagem título na sexy série de TV Xica da Silva, uma telenovela spin-off de um popular filme brasileiro de 1976 do mesmo nome, sobre uma mulher sexualmente realizada); seu companheiro de quarto e amigo, o jornalista André (Seu Jorge, que cruzou de filmes brasileiros como Cidade de Deus, de 2002, e a cinebiografia anti-ditadura Marighela, de 2019, para filmes de Hollywood como A Vida Marinha, de 2004, com Steve Zissou); e a namorada branca de André, Sarah (Mariana Xavier). O filme estiloso e bem trabalhado segue o quarteto, enquanto eles tentam resistir ao Ministro do Retorno, no Rio de Janeiro.

Abrangendo a diversidade do Brasil, a complexa história de Medida Provisória inclui personagens asiáticos (houve significativa imigração para o Brasil de várias nações asiáticas, e não esqueça que a nação vizinha Peru teve um presidente descendente de japoneses), mais uma subtrama gay e referências à diabetes. O talentoso elenco tem outros veteranos atores brasileiros, incluindo Paulo Chun, Jéssica Ellen, Rincon Sapiência, Adriana Esteves, e o ator inglês William Russell, cujos extensivos créditos incluem The Great Scape, de 1963, e Superman, de 1978 – e sendo o pai de Alfred Enoch.

Para aqueles que podem considerar o enredo de Medida Provisória um retorno forçado muito improvável, eles devem considerar o fato de que o atual Presidente de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro, é um idiota extremista despótico, que foi apelidado de “Trump dos Trópicos” – e nós todos sabemos as visões desprezíveis de Donald considerando assuntos como raça e imigração, assim como sua predileção ditatorial de governar por decreto através de “ordens executivas”. Nessa luz, enquanto provocativo e evocativo, o tema de Ramos e seus coautores de repatriação por coerção pode não aumentar muito a credulidade. O título de seu filme também ecoa outro filme politicamente carregado, Assassinato de um Presidente (Executive Action, no título em inglês), de 1973, sobre uma conspiração de direita para assassinar JFK, escrito por Dalton Trumbo e Donald Freed.

O currículo de Ramos inclui muitos filmes, como Sabor da Paixão, de 2000, estrelando Penélope Cruz, mais alguns escritos e créditos de produção. Com o enredo que faz pensar de Medida Provisória, sobre injustiça racial, altos valores de produção, um elenco estelar, o debut de Ramos como diretor marca um lançamento auspicioso de um cineasta a ser reconhecido no palco internacional nos anos a vir. Os fãs de filmes devem manter seus olhos sobre esse diretor promissor – e pôr seus olhos nesse envolvente conjunto de drama no futuro próximo. E, aliás, continuar assistindo através do fim e da sequência de créditos, também.

Medida Provisória foi indicado para melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Moscou e ganhou um “prêmio de roteiro” no Festival de Cinema Indie de Memphis, onde também foi indicado à categoria de “Melhor Recurso Narrativo”. O filme de 103 minutos é uma adaptação da peça de teatro Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação. Esse filme imaginativo é um filme altamente recomendado do Brasil, que personifica a elegância e o espírito cinematográfico do PAFF.

Ed Rampell é um historiador e crítico de cinema morador de LA e coorganizador da Comemoração do 70º Aniversário da Lista Negra de Hollywood.

Fonte: People´s World

Tradução: Luciana Cristina Ruy

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