PUBLICADO EM 05 de mar de 2021
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Levanta mina, descobre o peito, vai à luta e constrói o mundo novo

Chiquinha Gonzaga, cantora e compositora, na juventude

Por Marcos Aurélio Ruy

Para homenagear o Dia Internacional da Mulher – 8 de março –, a seleção desta edição conta somente com autoras importantes da música popular brasileira. De Chiquinha Gonzaga (1847-1935) a MC Carol, as canções retratam a condição da mulher que sobrepuja o momento e vai à luta para se impor num mundo dominado pelo patriarcado opressor e rude.

Neste momento sombrio falar dessas nove compositoras e cantoras escolhidas, significa falar da história do Brasil. Elas mostram as mudanças na luta pela emancipação feminina. Na arte, no mundo do trabalho e na vida, as mulheres foram se impondo, resistindo, desconstruindo o conceito de Amélia, a “mulher de verdade” porque conformada e submissa.

A resistência das mulheres através da história, que hoje conservadores tentam negar, construiu esta nação desde a escravidão, onde o trabalho das mulheres elevou o patamar de vida do país. Aqui elas falam por elas. Não que não existam autores voltados para essa importante mudança ao retratar a vida como ela é, mas sempre vislumbrando a possibilidade de mudança com elas à frente. Mas a voz delas ressoa em nossos ouvidos e mentes e aguçam a vontade de se unir a elas para acabar de vez com todo tipo de opressão.

Chiquinha Gonzaga
Uma das mais importantes vozes femininas da música popular brasileira, a carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935) deveria se conformar em ser dama da corte, mas como uma mulher à frente do seu tempo se impôs e se transformou na grande compositora que inovou a nossa música popular. Foi selecionada “Lua Branca” porque sua história já mostra a fibra dessa mulher. Essa modinha foi composta em 1912 para a opereta Forrobodó, mas em 1929 entrou em cena uma versão com letra modificada da música. Chiquinha teve que processar pelo plágio de sua melodia. Sua autoria ficou comprovada, mas permaneceu a letra, que nunca se soube a autoria.
“Oh, lua branca de fulgores e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo”

Luas Branca (1912), de Chiquinha Gonzaga; interpretação de Luiza Lara

Dona Ivone Lara
A primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola de samba, a Império Serrano, a carioca Dona Ivone Lara (1922-2018) se destacou com uma voz imponente, com poesias narrando a vida das mulheres nos morros cariocas. Conhecida como a Dama do Samba, sua obra está consagrada na história da música popular brasileira. “Sonho Meu” argumenta que a “madrugada fria” só traz “melancolia” por causa da ausência de companheirismo dos homens.
“Sinto o canto da noite na boca do vento
Fazer a dança das flores no meu pensamento
Traz a pureza de um samba
Sentido, marcado de mágoas de amor
Um samba que mexe o corpo da gente
E o vento vadio embalando a flor”

Sonho Meu (1978), Délcio Carvalho e Dona Ivone Lara

Rita Lee
A roqueira paulista Rita Lee é um dos grandes nomes da MPB. Ela despontou nos Mutantes, nos festivais dos anos 1960, e nunca mais saiu das corações e mentes dos brasileiros. Em “Cor de Rosa Choque” canta que o “sexo frágil não foge à luta”, então “não provoque” porque “é cor de rosa choque”.
“Sexo frágil
Não foge à luta
E nem só de cama
Vive a mulher

Por isso, não provoque
É cor de rosa choque”

Cor de Rosa Choque (1982), de Rita Lee e Roberto de Carvalho

Leci Brandão
Outra sambista carioca, Leci Brandão, atualmente deputada estadual pelo PCdoB em São Paulo, apresenta uma obra voltada para as questões sociais e políticas. Envolvida nos movimentos por igualdade de gênero. “Dona Maria Segura” trata da vida de tantas Marias por este país afora labutando para segurar o rojão e avançar para uma vida melhor para todas as pessoas.
“Dona Maria é quem sabe se é óleo ou gordura
Ela manda na cozinha
Ela bate a carne dura

Dona Maria é que reza
Sabe da planta que cura
Ela lava, ela varre, ela passa
Que Deus proteja essa tal criatura”

Dona Maria Segura (2008), de Leci Brandão

 

https://www.youtube.com/watch?v=EM_i8llzxG8

Marisa Monte
Outra carioca se destaca na MPB com grande versatilidade e talento. Em parceria com Arnaldo Antunes (paulista) e Carlinhos Brown (baiano) ela mostra que “Não É Fácil” ser mulher num país tão machista e opressor. Ainda mais neste momento onde o conservadorismo destruidor de sonhos e vidas avança.
“Se você quisesse ia ser tão legal
Acho que eu seria mais feliz
Do que qualquer mortal
Na verdade não consigo esquecer
Não é fácil
É estranho”

Não É Fácil (2000), de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte

Tulipa Ruiz
Como mais um talento revigorante da MPB, a paulista Tulipa Ruiz esbanja talento em obras coladas na realidade e no sonho de tudo mudar para a construção de um país baseado no respeito e no amor.
“Descobre o peito
Pinta a boca e beija o espelho
Que reflete a silhueta que você acabou de descobrir
Perfuma a nuca,
Perfuma o pulso,
Sente o seu perfume
E sai de salto por aí”

Da Menina (2010), de Tulipa Ruiz

Joana Knobbe
Paulista de nascimento, mas radicada em Natal, no Rio Grande do Norte, Joana Knobbe é uma das novas vozes femininas mais destacadas do momento. E sua obra, melodia e poesia se unem numa simbiose ímpar. Nesta canção ela canta “que a vida não espera”. É preciso viver, resistir e se impor.
“É hora de acordar
Vem, vamos andar
Colher flores e pedras
O mar
É tão amplo
Há sempre um caminho pra se chegar lá

Vem, vamos brincar
Que a vida não espera
No choro, ou no grito
Há sempre um sorriso que vai se firmar”

Lila (2018), de Joana Knobbe

MC Carol
Já a rapper carioca MC Carol canta a revolta da mulher que luta para superar o medo e conquistar o seu lugar negado pelo preocnceito, se valorizando neste mundo que insiste em pôr a mulher para baixo, para tentar impedir que ela mude o mundo com valorização de sua vida.
“Se valorizar
Não é querer ser melhor que alguém
É entender que você não é pior que ninguém

Levanta mina
Olha pra cima
Sente esse clima
Amor próprio é nosso rolê”

Levanta Mina (2021), de MC Carol

Pitty
A roqueira baiana Pitty desconstrói o conceito de Amélia, retratando com rara felicidade que a mulher mudou. Essa mudança transformou o mundo e abriu caminho para o novo com a cara e a coragem que só as mulheres têm.

Desconstruindo Amélia (2009), de Martin Mendonça e Pitty

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  • Val Gomes

    Parabéns Marcos Ruy! Pela seleção crítica. Parabéns Rádio Peão Brasil.

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