PUBLICADO EM 28 de dez de 2017
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A lambada amazônica muito antes do Kaoma 

A lambada é natural da Região Norte do Brasil, no estado do Pará, oriunda de vários pontos do interior do estado. A sua gênese, bem como seus “pais”, são objeto de controvérsia entre músicos e pesquisadores paraenses. O gênero ganhou notoriedade regional nos anos oitenta, com a gravadora local Gravasom, por meio de lançamentos de discos de vários artistas e coletâneas populares, como a série “Guitarrada – Lambadas Ritmo Alucinante”. Em sua base musical estão o choro, o carimbó, a guitarrada, além de ritmos latinos como o merengue, o mambo e a cumbia. O gênero também chegou até o estado do Amazonas.

Vieira. Foto: Luciana Medeiros

 

 
Por Fernando Rosa
 
Para uns, a origem da expressão está na música “Lambada (Sambão)”, de Pinduca, de seu disco “No Embalo do Carimbó e Sirimbó – Volume 5”, lançado em 1976. Outros defendem a tese de que o guitarrista Mestre Vieira, o inventor da guitarrada, seria o verdadeiro criador da lambada. A “prova” disso seria o disco “Lambada das Quebradas”, gravado em 1976, mas lançado oficialmente dois anos depois, em 1978. No entanto, apesar da tese divulgada pelas redes, em especial pela Wikipedia, e pelo próprio Mestre Vieira, não há comprovação de que o disco “Lambada das Quebradas” tenha sido gravado em 1976. Na contracapa do vinil consta que o disco foi “gravado em outubro de 78”.
 
Para os ouvintes comuns e para “o mundo”, o gênero “lambada” torna-se conhecido com a versão de “Llorando se Fue”, pela brasileira Márcia Ferreira. Um huayno original dos bolivianos Los Kjarkas, a música “Llorando Se Fue” teve sua primeira versão gravada pelo grupo peruano Cuarteto Continental, em 1985. Em 1986, a cantora brasileira Márcia Ferreira grava uma versão de sua autoria – “Chorando Se Foi”, em parceria com José Ari, que chegou aos ouvidos dos franceses Olivier Lorsac e Jean Karacos, em um verão em Porto Seguro, na Bahia. De volta à Paris, em 1989, Lorsac registra ilegalmente a música sob nome de um autor fictício, monta o grupo Kaoma, com franceses e brasileiros, e lança a música com o nome de “Lambada”, que se torna um mega-hit mundial.
 
Apesar da falsa impressão de música “fake” para quem tomou conhecimento da lambada pelo grupo Kaoma, o gênero tem uma profunda vinculação com a cultura amazônica. Não apenas Pinduca ou Mestre Vieira, que dividem a paternidade, mas vários artistas gravaram lambadas nos anos oitenta. O grupo Os Populares de Igarapé-Mirí em seu primeiro disco, lançado em 1980, com Aldo Sena na guitarra, registrou duas lambadas – “Lambada do Tibúrcio” e “Lambada do Vento” (as duas de Sena).
 
Em 1982, o guitarrista Mário Gonçalves, irmão de Pinduca, grava seu primeiro disco solo “Guitarrando na Lambada”, não deixando dúvida sobre a força do gênero no estado. Mário foi quem havia gravado a guitarra na música “Lambada (Sambão)”, de Pinduca, de seu disco “No Embalo do Carimbó e Sirimbó – Volume 5”, na década anterior. O próprio Aldo Sena estreia em carreira solo, um ano depois, em 1983, com mais duas lambadas clássicas -“Lambada Complicada” e “Lambada Classe A”, imortalizada no repertório clássico do gênero.
 
O amazonense Oseas, radicado em Belém, onde integrou o grupo Lambaly, lançado pela gravadora Gravason, de Carlos Santos, também foi importante para a difusão do gênero. Além de cantor, Santos não apenas montou grupos como o Lambaly, mas também lançou a série de discos instrumentais “Guitarradas” com o subtítulo “Lambadas Ritmo Alucinante”. A série de sete discos, assinados por “Carlos Marajó” contou com a execução, até onde se sabe, de Oseas e, principalmente, Aldo Sena. Outros artistas também se destacaram gravando lambadas como os guitarristas Mestre Solano, Marinho, André Amazonas, Magalhães, e os saxofonistas Manezinho do Sax e Teixeira de Manaus.
 
As guitarras cantam novamente
 
O ressurgimento da guitarrada em Belém acontece em 1998 com os discos “Mundo Açu”, do Cravo Carbono, e “Guitarras que Cantam”, disco solo de Chimbinha (antes de formar a Calypso) e também do próprio Vieira, com o disco “A Volta”.
 
“Ao mesmo tempo o grupo Abril (na época abrindo também um selo de música) lança em 2000 o documentário “Música do Brasil”, onde Mestre Vieira era apresentado ao Brasil como um guitarrista único e original”, diz Bruno Rabelo, integrante do Cravo Carbono e um dos editores do blog e do canal de Youtube “Lambada das Quebradas”. O guitarrista Chimbinha e Cravo Carbono estão no documentário, produzido e realizado por Hermano Vianna.
 
Após diversas apresentações do grupo Cravo Carbono pela cidade e em festivais importantes como Rec Beat, além do circuito Itaú Cultural em 2001, divulgando a guitarrada, a Funtelpa, então sob direção de Ney Messias, decide lançar o disco “Mestres da Guitarrada”, com produção de Beto Fares e direção musical de Pio Lobato.
 
Após lançamento do disco dos Mestres da Guitarrada em 2004, surge em Belém o grupo La Pupuña, e ambos contribuem para divulgar gênero em escala nacional. Guitarristas como Pio Lobato, Félix Robatto e, mais recentemente, Lucas Estrela atualizaram a guitarrada e, com isso, também a lambada. “Aqui no Norte, a guitarra toca lambada, e lambada na guitarra é guitarrada”, canta Robatto em seu disco solo – “Belemgue Banger”.
 
Discografia sugerida:
 – Pinduca – No Embalo do Carimbó e Sirimbó – Volume 5
– Mestre Vieira – Lambada das quebradas (volume 1)
– Os Populares de Igarapé-Mirí – Lambadas incrementadas (volume 1)
– Mário Gonçalves – Guitarrando na lambada
– Aldo Sena – Aldo Sena (Solo de Craque, 1983)
– Carlos Marajó – Guitarradas (Lambada Ritmo Alucinante) – Volumes 1, 2 & 3
– Oseas – E sua guitarra maravilhosa (volume 2)
– João Gonçalves – O guitarra de ouro (volume 1)
– André Amazonas – A guitarra do povo
– Marinho – Guitarra de ouro
– Magalhães – Magalhães e sua guitarra
– Solano e Seu Conjunto – Volume 2 (Ela é americana)
– Mestre Curica – Mestre Curica e seu Conjunto
– Manezinho do Sax – Apimentado
– Teixeira de Manaus – Série “Raizes Nordestinas)
– Cravo Carbono – Mundo Açú
– Chimbinha – Guitarras que cantam
– Mestres da Guitarrada (Mestre Vieira, Aldo Sena e Mestre Curica)
– La Pupuña – EP + All rigth Penoso
– Félix Robatto – Belemgue banger
– Lucas Estrela – Farol 
– Rosivaldo Cordeiro – Guitarreiro (volume 1)

 Para saber mais:

 Lambada das Quebradas no Youtube 

Canal dos pesquisadores e músicos André Macleuri e Bruno Rabelo criado para divulgar LPs completos das décadas de 60 a 90 produzidos e lançados na Região Norte do Brasil. O foco são os gêneros guitarrada, lambada, carimbó, beiradão, brega, MPB clássica (feita por artistas nortistas) e ritmos afins que foram importantes na gestação de alguns desses gêneros. O nome do Canal é uma homenagem ao criador da guitarrada, Mestre Veira.

Ouça lambada amazônica também no Spotify  

Fernando Rosa é jornalista, produtor cultura e editor do portal Senhor F.

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