PUBLICADO EM 26 de dez de 2017
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Início do ano não deve ter incentivos para montadoras

Incertezas atormentam indústrias do setor automobilístico; resistência da equipe do Ministério da Fazenda adiou o lançamento do novo programa e frustrou executivos do setor; boa notícia nesse setor é a retomada da economia; trabalhadores que passaram meses afastados, durante a crise, começaram a voltar para as fábricas


Pela primeira vez em décadas de sua história no Brasil, a indústria automobilística chega ao fim do ano sem a certeza de que terá incentivos fiscais no próximo. Apesar da expectativa de que ganharia, de presente de Natal, um novo programa para preservar pelo menos uma parte dos benefícios garantidos ao longo dos últimos cinco anos, os executivos do setor frustraram-se com a resistência da equipe do Ministério da Fazenda, o que levou o governo a adiar o lançamento do novo programa.

Essa indústria tem, ainda, outros desafios pela frente. O conceito de transporte mudou em todo o planeta. A eletrificação dos automóveis virou bandeira em nações desenvolvidas e também na China, maior mercado do mundo. Mas no Brasil, a questão divide as montadoras, o que coloca o país sob o risco de ficar para trás no desenvolvimento das novas tecnologias.

 A boa notícia nesse setor é a retomada da economia. Operários que passaram meses afastados, durante a crise, começaram a voltar para as fábricas. No segmento de caminhões, encomendas da área de infraestrutura e do setor agrícola intensificaram-se em novembro e dezembro, exigindo horas extras de trabalho na virada do ano.

 

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Mesmo que o Rota 2030, nome do aguardado programa automotivo, seja anunciado nos próximos dias, o pacote de estímulos fiscais estará longe do que já foi no passado. Estão previstos incentivos na forma de créditos fiscais para empresas que comprovarem a intenção de fazer pesquisa e desenvolvimento de produtos no país. Trata-se de uma concessão bem mais modesta do que essa indústria já recebeu em distintas épocas.

Zerar a alíquota do IPI dos carros com motor 1.0 foi expediente usado diversas vezes por diferentes governos desde meados da década de 1990. De Itamar Franco a Dilma Rousseff, a redução de impostos nos carros era apresentada como uma ajuda governamental para evitar demissões em momentos de vendas fracas.

O governo de Fernando Henrique criou um programa de incentivos que atraiu investimentos e, ao mesmo tempo, provocou uma acirrada guerra fiscal, entre estados e municípios.

Mas hoje o quadro é diferente. A necessidade de ajuste das contas públicas já não permite certas concessões do Poder Público. Os próprios dirigentes da indústria automotiva reconhecem que a redução do gasto público é condição para a retomada do crescimento econômico do país. Alguns creem até que se as contas públicas estivessem equacionadas haveria mais boa vontade, de parte do governo, para sustentar alguns projetos do setor.

É o que pensa o presidente da Mercedes-Benz no Brasil e América do Sul, Philipp Schiemer. Para o executivo, a falta de interesse do governo em ajudar a manter fábricas de carros de luxo no país vem dessa demora em ações, como a reforma da Previdência, cujo objetivo final é o equilíbrio do caixa. “Se o Brasil fechasse suas contas teria mais claro onde investir”, diz Schiemer. O executivo está preocupado com o futuro da fábrica de automóveis que a companhia decidiu construir no interior de São Paulo, embalada pelos incentivos fiscais do Inovar-Auto, programa automotivo, que chega ao fim esta semana.

As indefinições em torno do programa automotivo e da própria gestão do país tornam-se ainda mais obscuras à medida que o período eleitoral se aproxima. “Pela sua natureza, 2018 não será um ano simples”, afirma o presidente do Sindicato nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças), Dan Ioschpe. Para ele, o ano que chega marcará o crescimento tanto das vendas internas quanto das exportações de peças e veículos por um lado, mas, por outro, como efeito da redução da proteção, uma maior competição dos produtos importados.

Ioschpe termina o ano com a sensação de que o esforço de exportação foi a melhor coisa que aconteceu para a indústria de autopeças este ano. A crise brasileira estimulou os executivos de vendas a levar o produto brasileiro a feiras de autopeças no exterior. Num total estimado de US$ 7,4 bilhões, a receita com exportações na indústria de autopeças vai crescer 12,8% em 2017 na comparação com 2016.

Para 2018, o Sindipeças calcula que as exportações cheguem a US$ 7,8 bilhões. Mas, como a importação também tende a avançar, as projeções da entidade indicam que a balança comercial do setor fechará com déficit de US$ 7,6 bilhões, um aumento de 40,7% em relação ao resultado de 2017.

Na indústria de veículos, a receita com vendas externas avançou 45,9% de janeiro a novembro, num total de US$ 8,09 bilhões. As vendas a outros países já absorvem 37% da produção de caminhões no Brasil, um avanço de dez pontos percentuais em relação a uma década atrás.

Apesar de o mercado externo ser hoje o alento que a indústria precisava para ocupar a capacidade ociosa, que, durante a crise, passou de 50%, para alguns analistas, o futuro das exportações de veículos brasileiros é incerto. Em recente apresentação de estudo sobre a política industrial automotiva no Brasil, o pesquisador Timothy Sturgeon, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) disse que as exportações do setor “não serão sustentáveis” nos próximos anos porque falta competitividade aos fabricantes instalados no Brasil.

Apesar de criticar as conclusões do pesquisador, os fabricantes de veículos reconhecem o desafio de reconduzir o Brasil a posições que ocupou no cenário global. As montadoras haviam acabado de concluir uma forte expansão industrial quando as vendas no mercado interno começaram a despencar, há três anos.

O parque industrial desse setor foi preparado para uma produção anual de 5 milhões de veículos. Mas em apenas três anos, o volume encolheu mais de 50%. A produção de veículos no Brasil saiu de 3,7 milhões em 2013 para 2,1 milhões em 2016 e não há perspectivas de recuperação dos volumes perdidos em menos de seis anos. Desde então, o mercado brasileiro caiu do quarto para o oitavo lugar no ranking mundial.

Não saber o que o governo decidirá é o que mais incomoda o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. “Trabalho nessa indústria há 37 anos e uma das coisas que mais me incomodam até hoje é a falta de previsibilidade”, destaca.

Mas enquanto esperam definições no Brasil, os fabricantes traçam planos para garantir espaço num cenário global no qual as pessoas mudam hábitos de transporte e consideram a posse de um carro cada vez menos necessária. A Ford anunciou investimento de US$ 4,5 bilhões para lançar 13 modelos de carros elétricos nos próximos cinco anos. A Toyota anunciou recentemente que até 2025 não terá nenhum veículo da marca no mundo sem opção elétrica.

No Brasil, porém, não há consenso entre as montadoras. As quatro maiores estão divididas. General Motors e Ford estão do mesmo lado. Para o presidente da Ford na América do Sul, Lyle Watters, o Brasil não pode perder a chance de engajar-se no desenvolvimento do carro elétrico. “A eletricidade será uma força difícil de parar”, diz o presidente ad GM Mercosul, Carlos Zarlenga.

Já o presidente da Fiat, Stephan Ketter, defende a intensificação do uso do etanol como alternativa energética limpa criada pelo Brasil. Para Megale, o Brasil, um “país pobre”, é carente de muitas coisas necessárias para o carro elétrico dar certo, como infraestrutura e sistemas de descarte das baterias.

Fonte: Valor Econômico

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