Ambientalistas, pesquisadores e organizações da sociedade civil temem que o próximo desmonte a ser promovido pelo governo na área ambiental possa afetar em cheio uma das políticas mais antigas de qualidade do ar no Brasil: O Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos (Proconve). Isso porque representantes da indústria automobilística vem tentando adiar os prazos que determinam o uso de tecnologias mais limpas.
O Proconve existe desde de 1986 e define limites de emissão de poluentes para veículos. A implementação de novas tecnologias nos automóveis para esse fim é feita de maneira gradual no Brasil, com prazos de adequação para cada etapa. A próxima fase, voltada para veículos pesados, está prevista para ser colocada em prática a partir de 2022. Esse tempo de adequação foi definido em 2018, com a participação das próprias empresas.
Qualquer mudança nos prazos depende de decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). O órgão existe desde 1981 e no governo de Jair Bolsonaro sofreu o maior desmantelamento de sua história. O número de conselheiros caiu de 96 para 23 e foram excluídos representantes da sociedade civil. Com essa formação governista, o conselho vem derrubando normas de proteção ambiental sucessivamente.
Para mobilizar a população na tentativa de barrar a mudança, a Coalizão Respirar, formada por mais de 20 entidades civis em defesa da qualidade do ar no Brasil, criou o site Inimigo Invisível. Na página é possível enviar uma carta ao Conama e ao Ministério do Meio Ambiente a favor da manutenção dos prazos.
Carmen Araújo, especialista em gestão ambiental e diretora do International Council on Clean Transportation (Conselho Internacional para Transportes Limpos), explica que a restrição de emissões visa compensar os danos causados pelo aumento da frota no Brasil. “Nós tivemos grandes avanços desde a primeira fase, só que não suficientes para suplantar o crescimento da frota. Nós ainda temos problemas de qualidade do ar. As pessoas que moram nas grandes cidades estão respirando um ar muito ruim.”
Ônibus e caminhões são os maiores responsáveis pela poluição causada por veículos. Segundo um estudo da Universidade de São Paulo (USP), divulgado em 2018, embora representem apenas 5% da frota do estado, respondem por metade da poluição atmosférica. A etapa do Proconve que as indústrias querem adiar tem o potencial de diminuir em até 90% esse estrago.
A justificativa para o adiamento está nos supostos prejuízos causados pela pandemia do novo coronavírus ao setor automobilístico. Como em toda economia brasileira, o segmento sofreu retração em 2020. No entanto, em 2019 as vendas cresceram 8,6% na comparação com o ano anterior. Foi o melhor resultado desde 2014.
Atualmente, o Brasil já é o mais atrasado na adoção das novas medidas entre as nações com os maiores parques automobilísticos do mundo. As regulações implementadas aqui, normalmente seguem o exemplo do que é aplicado em países europeus e nos Estados Unidos, por exemplo. Segundo Carmem Araújo, existe uma defasagem de cerca de quatro anos, que será ampliada com o aumento dos prazos.
“Nós estamos falando de uma implementação em 2022 para veículos novos e 2023 para todos os veículos. Agora os argumentos são de que se interromperam testes durante a pandemia. Essa tecnologia já existe nas matrizes desses fabricantes há mais de dez anos. Não é uma tecnologia que estamos inventado aqui. Nós, por exemplo, exportamos essa tecnologia para o Chile, produzida aqui.”
A especialista completa: “O prazo é suficiente. Nós temos países como a Índia, com PIB menor do que o nosso e fabricantes locais que não são multinacionais, que pularam de uma fase mais simples para essa fase. Entraram no meio da pandemia adiando apenas 15 dias por ter os estoques de veículos antigos. Nos parece muito estranho que nós não mereçamos a melhor tecnologia. Essa questão de duplo padrão é muito triste de se ver.”
Ministério Público
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério do Meio Ambiente que as normas de diminuição das emissão sejam mantidas. No documento, o órgão considera uma série de aspectos de proteção ambiental, da saúde humana e do desenvolvimento do país, previstos em lei para embasar a recomendação.
De acordo com o texto, houve um “histórico de inércia e insuficiência na regulamentação e implementação do Proconve ao longo da última década”. Para o MPF, ao longo do vácuo normativo “o setor produtivo e o Estado não dispuseram de nenhuma meta ou horizonte temporal que forçasse o planejamento para a adoção de medidas mitigadoras de emissões.”
Ainda segundo o Ministério Público Federal, “esse quadro se agrava em virtude do contexto atual de enfrentamento público da pandemia, pois uma série de pesquisas recentes apontam que a poluição do ar leva a aumentos significativos do número de novos casos e mortes por covid-19.”
Se as recomendações forem descumpridas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o MPF pode optar por uma ação judicial.
Fonte: Brasil de Fato