PUBLICADO EM 25 de jun de 2019
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“Eu não vou deixar o racismo roubar a alegria da minha criança”, afirma Dani Mcclain

Reproduzimos o depoimento de Dani Mcclain, autora de: “We Live for the We: The Political Power of Black Motherhood” (Nós vivemos pelo nós: a força política da maternidade negra).

A reflexão de Mcclain sobre os desafios de criar sua filha, sendo ela negra em um país racista, pode ser muito instrutivo para pensar sobre as relações sociais e as limitações que os preconceitos impõe na vidas das pessoas. A escritora mostra aqui como tem conseguido driblar de forma inteligente e responsável situações injustas que tem raízes históricas e que espantosamente ainda não foram superadas.

“No verão de 2016, eu estava grávida e ansiosa. Naquele julho, enquanto eu estava no terceiro trimestre, a polícia havia matado aquele homem de Baton Rouge (Louisiana), chamado Alton Sterling, enquanto ele estava preso no chão. No dia seguinte, Philando Castile foi morto baleado pela polícia, durante uma parada de trânsito, em um subúrbio de St. Paul, Minnesota, enquanto sua namorada e sua filha de 4 anos de idade estavam sentadas a polegadas de distância. Ler as notícias das mortes desses homens trouxe à mente crianças negras que haviam morrido de maneira tão sem sentido quanto: Jordan Davis, de 17 anos, abatido num posto de gasolina na Flórida, por um homem branco, incomodado pela música que Davis e seus amigos tocavam; Tamir Rice, de 12 anos, morto pela polícia num playground de Cleveland, enquanto segurava uma arma de brinquedo; Aiyana Stanley Jones, de 7 anos, baleada e morta pela polícia durante uma incursão no meio da noite em sua casa.

Enquanto eu me preparava para o nascimento de minha primeira filha, eu já podia ver que eu iria precisar de um plano para me impedir de sucumbir ao medo. Eu queria que minha filha corresse riscos, experimentasse e fosse ousada, mas eu sabia que frequentemente é negado às crianças negras a presunção de inocência, se suas travessuras forem um pouquinho para os lados. Dadas às altamente publicadas mortes de pessoas negras nas mãos da polícia e de vigilantes, como eu poderia ensinar minha filha a encarnar a liberdade despreocupada e bagunçada da juventude, que deve ser seu direito inato?

Eu comecei a perguntar a experts, como profissionais que trabalham em saúde pública e desenvolvimento infantil, e mães e avós que tinham compreensões sobre criar filhos. Essas questões e outras me levariam a enfim escrever meu primeiro livro: “We Live for the We: The Political Power of Black Motherhood”.

Como eles fizeram isso? Como devo eu?

Eu obtive uma gama de respostas. Muitas mães sugeriram encontrar um ambiente de brincar e escola que dão espaço a crianças negras para serem espontâneos e livres, lugares onde as famílias não precisam se preocupar que o limite apropriado para o desenvolvimento de seus filhos vai ser mal interpretado ou punido. Eu aprendi, por exemplo, sobre “Little Maroons”, um programa cooperativo pré-escolar baseado no Brooklyn e depois da escola, com currículo centrado na África, assim como “Detroit Summer” e “Sankofa”, em Cincinnati, programas de desenvolvimento de jovens que oferecem paraísos seguros para crianças mais velhas. Cat Brooks, uma organizadora de comunidade em Oakland, me disse que manter a estrutura e disciplina em casa a ajuda a sentir que está fazendo tudo o que ela pode para manter sua filha pré-adolescente segura no meio das ameaças do mundo. A planejadora de cidade, Christy Leffall e a professora de meditação, Shahara Godfrey, ambas em Oakland, separadamente enfatizaram a importância de as famílias procurarem uma prática espiritual que ofereça calma, e um modo de fazer sentido do sofrimento. Para elas, o Budismo foi uma corda salva-vidas.

Umas das minhas conversas mais memoráveis foi com Kim Tabari, uma mãe ativa no capítulo de Long Beach, de “Black Lives Matter” (Nota: Vidas negras importam), que co-fundou um grupo de justiça social para crianças. Ela disse que fez uma decisão consciente de não ser uma mãe superprotetora para seu filho de 11 anos de idade, depois de testemunhar o comportamento de uma amiga, mãe de um garoto negro adolescente. Depois que o adolescente entrou em uma briga em um ônibus, sua mãe o proibiu de pegar transporte público, optando por a levá-lo de carro a todos os lugares, e assim restringindo sua independência. “Ela o protegeu porque tinha medo. Eu disse que não vou ser essa pessoa”, Tabari contou. “Eu quero ter o hábito de ensiná-lo, de ser alegre com ele, explorando as coisas”.

“Você sabe que as pessoas são sempre assim: ‘como está o homenzinho?’ Eu digo: ‘ele não é um homem, é um garoto.’”

Eu perguntei a Tabari o que ela fazia para lidar com seus medos. “Nós tentamos rir muito. Sermos bobos,” ela disse. “Você sabe como as pessoas são sempre assim: ‘como está o homenzinho?’ Eu digo: ‘ele não é um homem, é um garoto.’” Tabari protege contra esforços para apressar seu filho para a vida adulta. O largo mundo faz isso muito frequentemente. Um estudo de 2014, descobriu que mulheres brancas universitárias percebem garotos negros de idade de 10 anos, como quatro ou cinco anos mais velhos do que eles são. Garotas negras, especialmente aquelas que são curvilíneas, são desproporcionalmente envergonhadas e empurradas para fora de salas de aula por oficiais escolares, que subjetivamente impõem políticas de como se vestir, de acordo com um relatório de 2018.

Determinada a adotar a prática de Tabari de se orientar em direção a alegria, eu me assegurei de que a vida da minha filha fosse preenchida com música e risadas. Quando Is era pequena, eu a colocava em seu assento de bebê e compunha rotinas de dança enquanto cozinhava. Eu colocava Héctor Lavoe ou Beyoncé e a segurava enquanto dançávamos pela cozinha. Agora que ela pode brincar mais independentemente, ela ouve uma música e para o que está fazendo para se mexer com o ritmo. Ela recentemente pediu a minha mãe para tocar uma música do Drake que ela ama. “Essa é minha jam”, Is disse a ela.

Nossas imersões familiares em bobeiras e música bastaram até a minha filha atingir a marca de 18 meses. Então eu senti a necessidade de deixá-la com outras crianças mais frequentemente. Foi quando nós entramos em círculos de histórias da biblioteca, aulas de música semanais, programas de criança e playgrounds, eu me perguntei como ajudar a minha filha a ser alegre e despreocupada, enquanto nos movíamos no largo mundo. Eu precisava saber como preparar minha filha para o tratamento discriminatório e exclusão que ela com certeza iria encontrar. Mas ela estava apenas aprendendo a falar, apenas aprendendo como confiar em alguém fora de seu pequeno círculo de intimidade. Como introduzir ideias tão complexas em alguém tão pequena?

Eu compartilhei minhas preocupações com Denese Shervington, regente da cadeira de psiquiatria na Universidade Charles R. Drew, na Califórnia e presidente do Instituto de Mulheres e Estudos Étnicos, baseado em New Orleans, e ela ofereceu duas ferramentas apropriadas para a idade para usar enquanto minha filha crescia em direção aos anos pré-escolares: definição explícita de limites e contagem de histórias. Crianças pequenas podem ser extremamente literais, até rígidas, quando é dito a elas que algo pode machucá-las. Apenas pense na criança que olha para você com horror, quando você sugere atravessar a rua contra o farol, mesmo quando não há carros a vista. Diga a elas que algumas coisas não são seguras – brincar com uma arma de brinquedo em público, por exemplo – e as crianças pequenas tendem a ouvir sem muitos questionamentos, disse Shervington. Quando elas ficam mais velhas, vão entender o contexto social, porque algumas regras se aplicam a elas, mas não a seus pares brancos.

Um recente relatório da NPR aponta para a força das histórias como um dissuasivo para mau comportamento em comunidades Inuit, e Shervington sugeriu algo similar: mostrar contos de advertência, que assustam nossos filhos o suficiente para eles serem menos prováveis de fazerem coisas que os colocariam no caminho do perigo – pense no bicho-papão, que aterrorizou alguns de nós em nossa juventude. Mas ao invés de ser explícito sobre potenciais consequências, nós devemos deixar espaço para imaginação juvenil. “Nós não devemos dizer a eles, ‘porque a polícia vai te matar’”, ela explicou.

Equipada com maneiras específicas para ir ao encontro das minhas responsabilidades como mãe de uma criança negra, eu podia ser proativa e focada, ao invés de afundar em preocupação e desespero generalizados. Há realmente tanto que você pode fazer, Shervington parecia estar dizendo. Faça essas coisas e siga em frente. Não deixe o racismo roubar a alegria de sua família.

Agora, depois de dois anos entrevistando mães negras, eu compreendo aquela demanda simultânea de que seja permitido a nossas crianças serem crianças e cuidadosamente introduzir a elas para as realidades da vida negra nesse país que são apenas parte do mundo. Dançar, rir e encontrar prazer nas pequenas coisas pode ser de valor para a maioria das famílias, mas para famílias negras, se comprometer em práticas de alegria é necessário para nossa sobrevivência, para nossa habilidade de reivindicar totalmente nossa humanidade.

Em um recente dia banhado pelo sol, eu assisti minha filha escalar um ginásio de selva, agilmente escalando as barras de metal para se mover mais acima do que eu nunca havia visto ela ir antes. Ela riu quando eu a elogiei, e estava claramente orgulhosa dela mesma. Eu resisti ao impulso de alertá-la, e ela não pediu minha ajuda até que ela tentasse e falhasse umas poucas vezes para encontrar seu pé no caminho para baixo. É assim que vai ser, eu pensei. Eu posso frequentemente ver perigo e machucados à espreita, mas ela vai estar se divertindo, inconsciente dos riscos envolvidos, enquanto ela explora o mundo. Minha tarefa vai ser estar envolvida, instruindo ou avisando quando for necessário, tentando ficar perto o suficiente para empreender em caso de um desastre, mas principalmente dando a ela espaço suficiente para aprender por ela mesma como manobrar essa vida” (Dani Mcclain).

Fonte: time.com

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