O dirigente do Partido Comunista da Argentina (PCA) Ariel Elguer concedeu entrevista ao Canal Pão com Ovo há dois dias das eleições. Ele avalia que a extrema direita, representada no candidato Javier Millei, precisa ser derrotada nas eleições, pois se trata de um laboratório de “grupos concentrados da decadência do poder mais concentrado do mundo, das burguesias parasitárias e do poder local”. É uma situação que leva as forças de esquerda a buscar o aprofundamento de uma democracia restrita, que efetivamente não consegue melhorar as condições de vida da maioria da população, mas que ainda assim é melhor do que a barbárie proposta por Millei.
Em uma entrevista de uma hora e quatro minutos, concedida nesta sexta (17) ao Canal Pão com Ovo e transmitida pela Voz Trabalhadora, Vozes Livres e Canal Geopolítica, o dirigente comunista argentino Ariel Elguer fez uma análise da eleição presidencial de seu país, cuja votação em segundo turno ocorre neste domingo, dia 19/11, entre o candidato de esquerda Sérgio Massa e o ultradireitista Javier Millei.
A entrevista foi mediada pelo integrante da Pão com Ovo, Igor Pereira-, e conduzida pelo jornalista José Reinaldo de Carvalho. O jornalista perguntou a Elguer sobre o tema da entrevista, que é a Argentina entre a democracia e a barbárie, o que ele avalia em relação a isso.
Transcrevemos o trecho em que ele responde essa pergunta:
“Nós entendemos que esse grande debate entre democracia e barbárie ou fascismo é parte do contexto mundial em que estamos. Entendemos que não podemos escapar da crise civilizatória do capitalismo e não podemos escapar da tendência da guerra global que está acontecendo hoje na Palestina, e por isso toda nossa solidariedade com o povo palestino.
Os diferentes golpes institucionais e ações que estão ocorrendo em toda a nossa latinoamérica nos últimos anos, incluindo o Brasil, demonstram que há uma tendência global de belicosidade dessa nova direita, desse fascismo ultradireitista e ademais ultraliberal. Uma combinação que as forças comunistas terão que estudar mais, aprofundar sobre esse fenômeno novo que aparece nos principais países do mundo e também em nossa região. São expressões que efetivamente contactam com sentimentos e opiniões de nosso povo, e justamente atacam estas democracias.
Patricia Etchegaray, que foi secretária geral de nosso partido, falava que temos democracias restritas. A abertura democrática pós-ditadura resultou nessas democracias restritas que não puderam efetivamente dar soluções materiais e reais a nosso povo. Creio que as experiências da Pátria Grande dos últimos anos da derrota desse projeto que foi a ALCA, e sem dúvidas de ampliação de direitos e melhores condições de vida para nosso povo, em todas as ações de desenvolvimento e soberania em uma grande quantidade de aspectos, ainda assim não puderam resolver situações profundas em nossas sociedades.
Hoje, em que pese o governo que derrotou eleitoralmente o macrismo nas últimas eleições, estamos frente a uma pobreza de 40% e uma pobreza infantil de 60%. Então, sem dúvida, há ações materiais que contactam esses setores fascistas e direitas e que dão vazão a um setor de nosso povo pensar nessa destruição, nesse ataque às castas e ao Estado que não dá respostas. Para mim é muito anedótico. Uma companheira que estava conversando ao final do dia ao tirar o lixo de casa, encontra dois papeleiros, aqueles que buscam o lixo para vender papelão, numa economia de sobrevivência. E ela perguntou eles: em quem vocês votaram? Eles responderam que votaram em Millei. A companheira então perguntou pq votaram em Millei, pois ele vai tirar nossos direitos. Os papeleiros então responderam perguntando: “e que direitos nós temos”? Temos que discutir e aprofundar: quais democracias nós temos?
Temos um grande dilema das forças populares, revolucionárias, progressistas e de esquerda. Como aprofundamos a democracia mesmo? A democracia participativa, que dê respostas a igualdade entre as pessoas. Hoje sem dúvida, o debate de democracia ou fascismo, as democracias que temos são o melhor que temos e podemos construir. A experiência que propõe Millei e a candidata a vice, como dizia Igor, ela é filha de militares e reivindica a última ditadura militar e põe em dúvida se realmente houve 30 mil companheiros detidos e desaparecidos na Argentina ou não, ela retorna a todo um clima de ódio político, de ataque a todas as instituições.
O outro fato que temos que mencionar foi o ataque de bombas de coquetel Molotov citado por Igor, à sede do Partido Comunista da Argentina. Não é um fato isolado. É parte de um ataque que ocorre ao longo do nosso país não só ao partido comunista, mas também à Campora e diferentes organizações políticas de nosso povo e até organizações do movimento popular. Nos últimos dias, várias universidades públicas sofreram atentados de diferentes grupos e sabemos que vem se formando e desenvolvendo como em épocas obscuras dizendo que vamos sequestrar, vamos usar o Falcon, esse emblema na Argentina com que sequestraram companheiros militantes populares na ditadura civil-militar argentina.
Há um clima de ódio político não muito distante do que acontece no Brasil e nos Estados Unidos. Estamos nesse mesmo momento alertando sobre a realização das próprias eleições no domingo 19 de novembro. Por que vem falando Millei sobre fraude nas eleições, pondo em dúvida todo o aparato democrático, entre outras coisas, para criar um clima semelhante ao que aconteceu no Brasil com o grupo de apoiadores de Bolsonaro, e nos Estados Unidos em torno do episódio do assalto ao Capitólio. Essa direita fascista e reacionária efetivamente vem com uma decisão de belicosidade e uma quantidade de ações que está estruturada.
É interessante a canção (paródia da música Ilariê da Xuxa que chama Millei de louco), ela faz uma desconstrução com bom humor, mas efetivamente Bolsonaro é um louco solto? Trump, Millei, são loucos soltos? Ou são laboratórios e ensaios destes grupos concentrados da decadência do poder mais concentrado do mundo, das burguesias parasitárias e do poder local da Argentina que buscam expressões para implementar uma agenda de direita? Há uma ameaça dos direitos trabalhistas com propostas de flexibilização das leis de proteção ao trabalho explicitada por Millei, na eliminação do artigo catorze da constituição, que são temas sensíveis e centrais da agenda dos trabalhadores. A ameaça sobre a educação pública e de qualidade, sobre a saúde pública, há uma grande quantidade de aspectos que vem a atacar a essa democracia restrita sim, mas que ainda defende interesses populares.”
Veja aqui o trecho da entrevista:
Aqui a íntegra da entrevista: