PUBLICADO EM 12 de jun de 2020
COMPARTILHAR COM:

“Nós precisa de você irmão!” ou o grito pela unidade que ecoa nas redes e ruas

Para fazer um breve giro da semana que se encerra e apontar os desafios que se apresentam, vou tratar aqui da vitória das Universidades, do surgimento de novos atores na luta política, e da formação de uma Frente Ampla nesse contexto.

Nessa semana que passou, mais uma investida contra as Universidades foi felizmente barrada no Congresso Nacional. O presidente decretava por medida provisória, como pretexto da calamidade pública que já tirou a vida de 40 mil brasileiros, que os reitores deveriam ser escolhidos por sua vontade, sem consulta a comunidade universitária. A rápida mobilização social pressionou o Congresso, que na mesma semana da edição da medida provisória já a devolveu a presidência declarando a inconstitucionalidade da mesma.

Derrota de um governo genocida, que vai perdendo capacidade de manobra diante da formação de uma grande massa de descontentes com seu governo. Uma maioria ainda sem projeto definido, mas que parece se unir em torno da causa da vida e da democracia.

Redes e ruas articulam resistências a esse poder arbitrário de um presidente que já declarou que sua principal especialidade é matar. Nas redes, vão emergindo personagens que não são da política tradicional, mas nela interferem engrossando a luta contra o fascismo.

Quem diria que a cantora Anitta e o youtuber Felipe Neto seriam parlamentares da democracia? Nas plataformas digitais, falam sobre democracia e feminismo para milhões. Quem diria que um movimento surgido de vídeos transmitidos pela internet pelo economista Eduardo Moreira mobilizaria milhões de pessoas em uma semana? O movimento #Somos70porcento movimenta as redes, e os monitoramentos da batalha digital detectam que pela primeira vez há uma expressiva e robusta maioria de menções contrárias ao governo.

Também nas ruas, há resistência e novidade. Aliás, as ruas, queiram as recomendações sanitárias ou não, estão cheias de gente de novo. Derrota da vida. Circulou a foto de um ônibus lotado, onde predomina a pele negra fechada no espaço diminuto do transporte coletivo, protegida apenas por máscaras, que são a única diferença de uma paisagem comum de antes da pandemia.

A urgência pelas contas que não param de chegar e a falta de políticas governamentais para garantir o isolamento, lembremos que até agora a segunda parcela do auxílio emergencial não chegou, são a receita que determina essa tragédia. É por isso que o dilema apresentado nessa altura do jogo não é abrir mão do isolamento para ir para a rua. O isolamento não é possível para milhões de pessoas.

O dilema, portanto, desse imenso proletariado precarizado, é: estando eu exposto a morte nas ruas, vou aceitar esse risco calado ou vou me rebelar coletivamente? Esse parece ser o contexto das mobilizações antifascistas protagonizadas por torcidas de times, movimento negro, muita gente jovem. Muita gente da periferia.

O site Intercept Brasil fez uma reportagem contando a história de Paulo Lima, um entregador de aplicativo que organiza uma mobilização antifascista. “Ninguém aqui é empreendedor de porra nenhuma, nós é força de trabalho nessa porra, nós precisa de você irmão!”, grita Paulo, carregando nas costas a mochila vermelha de um aplicativo de entrega de comida, e tendo às suas costas, na imagem, outros entregadores também com suas mochilas, em cima de bicicletas e motos.

Mesmo que a sociedade não enxergue, para esses entregadores nunca teve isolamento. Quem entrega a comida de quem fica isolado em casa? São esses corpos, na sua maioria jovens, que enfrentam a morte nas ruas, para ganhar uma remuneração baixíssima em troca da longa, extenuante e perigosa jornada de trabalho diário.

Paulo fala que fazer greve de entregadores tem retaliação do aplicativo. Eles são retaliados tendo reduzido o número de entregas ou até mesmo tendo zerado as entregas para quem participou da greve. Um patrão sem rosto, mas extremamente eficiente na perseguição. Por causa disso, amedrontados pelas represálias, as mobilizações se reduzem. Mas Paulo Lima, mesmo assim, quer lutar contra a ameaça fascista de fechamento do Congresso e do STF. O serviço de entrega de alimentos é essencial na pandemia e não é valorizado adequadamente, lembra outro entrevistado pela matéria.

Eles faturam duzentos ou trezentos reais por semana. Calcule a quantia desse faturamento por mês. Chega a um pouco mais de um salário mínimo, na melhor das hipóteses. Sem nenhuma garantia trabalhista. Sem férias, sem desconto para aposentadoria, sem proteção em caso de acidentes, nada. Uma situação tão precária quanto invisível.

Nós vínhamos dizendo que a rua estava interditada, e que era a rua a principal arma da esquerda. A burguesia tem outros instrumentos de expressão. A burguesia tem a mídia, tem influência no Congresso, no Supremo, na presidência. A rua estava sendo instrumento da extrema direita, até então rebatido pela direita e pela esquerda parlamentar, via instituições.

Mas os espaços de terno e gravata não nos favorecem. Foi exatamente o que disse Paulo Lima. Política não se faz só com terno e gravata. Essa grande multidão de pessoas que, acuados por uma forte coerção econômica, são obrigados a arriscar a vida para ganhar o sustento familiar, parecem que estão decidindo lutar por suas vidas que estão expostas ao risco extremo. Vivemos uma contradição imposta por essa necropolítica e necroliberalismo. Diante do risco de morte, os corpos estão resistindo. Essa é uma novidade? Está nascendo uma nova esquerda?

Os discursos ufanistas que exaltam o surgimento do novo e a morte do velho geralmente falham pela pressa. É simplificador demais dizer que os partidos e movimentos convencionais já não servem para nada e agora o que existe é essa novidade de redes e ruas. Nem Paulo Lima, o entregador, disse isso. Ele disse que gosta da política, e quer que todos dela participem. E ao cabo e ao fim é isso que quer dizer Frente Ampla.

É a participação de todos os setores para enfrentar um inimigo que ameaça a vida e a democracia. Do entregador de aplicativo a Anitta. Passando por Lula, por Ciro, Gilmar Mendes, Molon, Marina, Davi Alcolumbre, Maia, Fernando Henrique, Manuela, Freixo, Dino, e tantos outros. Vai ter acordo em tudo? Não vai. Mas o que é mais importante agora? O consenso é derrubar Bolsonaro? O consenso é defender a vida e a democracia? Não estamos lidando contra qualquer inimigo. Quem está contra Bolsonaro, está do nosso lado, mesmo que essa aliança dure o preciso momento de sua queda.

Igor Corrêa Pereira, técnico em assuntos educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, direção estadual da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS