
A produção de veículos no Brasil enfrenta uma crise. A falta de semicondutores pode interromper a indústria. Foto: Fábrica da Volkswagen no Brasil
A indústria automobilística brasileira volta a acender o sinal vermelho. A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) alertou o governo federal que a produção de veículos pode ser interrompida nas próximas semanas devido à falta de semicondutores — os chips que controlam praticamente todos os sistemas eletrônicos de automóveis modernos.
Segundo o presidente da Anfavea, Igor Calvet,estamos diante de uma “crise global de fornecimento de chips”. Para a Folha de São Paulo ele disse que “a indústria pode começar a parar em duas ou três semanas se não houver solução imediata”. O dirigente já comunicou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e sugeriu uma interlocução direta entre o governo brasileiro e o governo chinês para garantir o abastecimento.
Uma disputa global pelo controle da tecnologia
O impasse tem origem geopolítica. No início de outubro, o governo da Holanda, sob pressão dos Estados Unidos, assumiu o controle da empresa, gigante dos semicondutores de capital chinês. O executivo chinês da companhia foi afastado por ordem judicial sob suspeita de transferência de tecnologia estratégica à China.
A reação de Pequim foi imediata: o governo chinês impôs restrições à exportação de componentes e tecnologias produzidas pela Nexperia em seu território, limitando o fornecimento global de chips e afetando cadeias industriais em diversos países.
Como o Brasil importa praticamente todos os semicondutores que consome, a crise internacional atinge em cheio as montadoras instaladas no país, incluindo Volkswagen, Stellantis, GM, Toyota, Hyundai, BYD e outras.
Efeito dominó na indústria nacional
O Sindipeças-Abipeças, que representa a indústria de autopeças, já enviou um alerta ao governo pedindo “gestões técnicas e diplomáticas” para evitar a paralisação de linhas de montagem e o descumprimento de contratos de exportação.
De acordo com o sindicato, os componentes fabricados pela Nexperia são críticos para módulos de controle, sistemas de injeção e outros dispositivos eletrônicos que não têm substitutos imediatos.
Cada veículo moderno utiliza, em média, de 1.000 a 3.000 chips — responsáveis por controlar desde o motor até os freios ABS, airbags e sensores de estabilidade. Sem esses componentes, as linhas de montagem simplesmente não funcionam.
A CNN Brasil destacou que a crise atual é semelhante à vivida durante a pandemia, quando a escassez global de chips provocou a paralisação de fábricas e o aumento do preço de automóveis e eletrônicos.
Um problema que vai além dos carros
A crise dos semicondutores atinge toda a cadeia tecnológica, como:
- computadores,
- celulares,
- eletrodomésticos e
- equipamentos industriais.
O presidente da Anfavea enfatizou que há 1,3 milhão de empregos em risco em toda a cadeia automotiva, num momento já marcado por altos juros e desaquecimento da demanda interna.
“A urgência é evidente, e a mobilização institucional se faz necessária para evitar um colapso na indústria”, afirmou Calvet à CNN.
Reação do governo e contexto diplomático
A crise foi levada ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que prometeu acompanhar o caso. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) ainda não se pronunciou oficialmente.
Enquanto isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpre agenda na Ásia, com compromissos na Indonésia e na Malásia, e deve incluir o tema na pauta de discussões. Lula já declarou que o Brasil deve investir no processamento de minerais críticos — insumo essencial para semicondutores — “para deixar de ser mero exportador de commodities”.
A disputa por minerais críticos e terras raras
O pano de fundo da crise é a corrida global pelos semicondutores e pelos minerais raros que os compõem. A China domina cerca de 70% da mineração mundial de terras raras, 90% do refino e quase 100% da produção de ímãs permanentes, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
Esses materiais são vitais não apenas para a indústria automotiva, mas também para a transição energética e o setor de defesa.
Em resposta às restrições chinesas, os Estados Unidos reforçaram o bloqueio de exportações de tecnologia e podem impor novos controles sobre softwares usados na fabricação de chips. Essa guerra tecnológica e comercial entre potências, iniciada ainda no governo Trump, agora ganha novo fôlego e impacto direto sobre países dependentes, como o Brasil.
Risco de retrocesso industrial
A eventual paralisação da produção nacional de veículos representa mais um golpe na indústria brasileira, que já enfrenta desafios históricos de competitividade, juros elevados e baixo investimento em inovação.
Para especialistas, o episódio reforça a necessidade de criar uma política nacional de semicondutores, capaz de reduzir a vulnerabilidade externa e reconstruir a soberania tecnológica do país.
“Sem chips, não há carro, não há celular e não há indústria moderna”, resume Igor Calvet. “É preciso ação diplomática imediata e planejamento estratégico de longo prazo.”
Com informações de:
Folha de S.Paulo — reportagem de André Borges, edição impressa de 22/10/2025.
CNN Brasil — reportagem de Danilo Moliterno, publicada em 23/10/2025.
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