PUBLICADO EM 11 de ago de 2020
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Trabalho remoto e as arbitrariedades do governo Leite

A suspensão das atividades presenciais na Educação é motivo ainda de grandes polêmicas e controvérsias, mesmo com os números oficiais apontando 3 milhões de infectados e 100 mil mortes. O negacionismo, a omissão e negligência, a falta de políticas e recursos e o discurso demagógico que opôs vida/saúde versus economia/emprego estão na base da situação criada por Bolsonaro e, infelizmente, reproduzida e acreditada por parte significativa da sociedade.

Sobre esses aspectos muito foi dito e escrito a respeito e a posição e opinião dos sujeitos e organizações de perfil democrático e progressista já é bem conhecida. A ignorância intencional das recomendações e orientações emanadas pelas autoridades científicas e sanitárias corresponde a uma postura ativa de caráter genocida, necropolítico e fascista.
Cabe, entretanto, discutir à luz da realidade a questão da Educação, único segmento onde a prática do isolamento via interrupção do funcionamento de instituições de ensino acontece. Sem pretender generalizar – embora existam elementos para tal exercício – focalizamos o caso do Rio Grande do Sul, em particular o da rede pública estadual do qual o Cpers-Sindicato é a representação unitária dos trabalhadores em educação.

O Governo Eduardo Leite, após verdadeiro massacre contra os direitos funcionais e previdenciários e dura retaliação ao movimento grevista, adotou uma medida minimamente correta ao interromper as aulas logo no início da pandemia. Tirante essa iniciativa, pode-se dizer que em todo o resto aparecem problemas de concepção, execução e alcance que destoam àquilo que se espera de um modelo que priorize os fundamentos e princípios que norteiam a Educação conforme prevê a Constituição Federal, a LDB e o PNE.
A introdução do trabalho/ensino remoto seria admissível e aceitável, mas os termos, condições, métodos e desdobramentos da política implementada apontam desde o início graves erros, distorções e problemas. A começar pela fórmula unilateral de definição das medidas a serem tomadas, desprezando a Gestão Democrática e a participação das entidades de representação da comunidade escolar, em especial do Sindicato e da União Estudantil.

Na esteira desse processo se apresentou um programa baseado numa plataforma digital – o Google ClassRoom – que, a par de suas qualidades, não é acessível a todos e tampouco educadores e educandos têm pleno domínio e proficiência. Indispensável registrar que um contingente expressivo de alunos não possuem aparelhos e conexões para acompanhar as aulas por meio desse recurso, redundando em evidente desigualdade e exclusão.

Sobre as exigências de trabalho através da modalidade virtual é preciso dizer que o mesmo resultou num caso de sobretrabalho (repercutindo também nos estudantes) explícito. Não bastassem as tarefas escolares, há um sem número de cobranças burocráticas e administrativas e, para agravar o quadro, uma formação pedagógica intensa e concentrada que torna a sobrecarga ainda maior. Tudo isso em meio à continuidade dos atrasos e parcelamentos de salários há quase 6 anos congelados.

Mas não pára por aí: criou-se a roldão uma ideia de que o trabalho domiciliar, remoto, realizado sem a interação física e presencial é uma espécie de “não-trabalho” e que o resguardo da saúde e da vida seria antes um privilégio do que um direito! A inculcação de um imaginário de “não-trabalho” gera uma espécie de dívida moral dos educadores, não raro vistos como profissionais que ganham seus vencimentos sem esforço, merecimento e labor. É como se moralmente devêssemos acatar todas as atribuições emanadas da Secretaria de Educação sem nenhum questionamento, crítica ou oposição, afinal não estaríamos verdadeiramente trabalhando.

Por outro lado, a avalanche de tarefas e obrigações impostas cria a impressão de que o Governo está fazendo o máximo, com eficiência, qualidade e zelo pelo interesse da sociedade, das famílias e dos alunos, deixando à margem a situação excludente de uma grande parcela e, pior, colocando os excluídos como responsáveis pela própria situação (o cancelamento de matrículas ou a avaliação com vistas à aprovação/reprovação são casos patentes).

Há também um aspecto perverso: o da destruição física e psíquica dos educadores. A demanda excessiva os massacra a ponto de muitos considerarem a possibilidade de retorno das aulas regulares como forma de se verem livres de tamanho abuso laboral. Seria preferível se pôr em risco de contágio, transmissão, adoecimento, internação e óbito do que suportar uma carga tão exaustiva.
Aliás, a dificuldade em dar conta do que está posto gera um efeito colateral lamentável: a ocorrência – cada vez mais frequentemente denunciada – de assédio moral. Corte de ponto, disponibilidade ou exoneração surgem como ameaças a serem levadas a termo. Não é nada simpático falar, mas o fato é que muitas vezes, direções de escola assumem papel e função de “capitães do mato”, destroçando os laços de coleguismo, solidariedade e coletividade característicos do ambiente escolar.

Resta ainda comentar sobre a consolidação do formato estrutural da Educação para o pós-pandemia. Com o avanço da precarização do trabalho docente ou técnico-administrativo, as políticas de terceirização, “uberização” ou privatização via fundações e a massificação de plataformas digitais não é difícil vislumbrar um cenário de demissões e enxugamento de pessoal. Embora se compreenda que a Educação a Distância, num quadro ideal, pudesse trazer desenvolvimentos novos, mais investimentos e capilarização do trabalho pedagógico, sob a hegemonia do neoliberalismo e acossado pelas concepções fascistas, o futuro se mostra incerto, perigoso e preocupante.

Dado o descrito e analisado, a primeira reação é de desânimo e entrega, mas justamente na recuperação do sentido e significado da luta – organizada, politizada, antagonista e propositiva – é que reside nossa força potencial. A tendência desestruturante e reducionista da Educação e dos educadores precisa ser enfrentada com discurso, projeto e movimento. Denunciar os ditames, empreender resistência, construir alternativas e ampliar a ação para além do corporativismo, se constituem em algumas das necessidades dos trabalhadores em educação para dar um basta ao estado de coisas deteriorado e degradado. O Cpers, em todas as suas instâncias, tem essa responsabilidade, tarefa, condição e compromisso. Nenhuma derrota é permanente, nenhuma vitória é impossível! Avante, educadores e educadoras!

Alex Saratt é professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS, vice-diretor do 32º núcleo do Cpers-Sindicato

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