O italiano Paolo Giordano, autor do livro “No contágio”, escreveu que esta pandemia nos revelou a complexidade do mundo, de suas lógicas sociais, políticas, econômicas, interpessoais e psíquicas.
Penso que os países são micromundos, cada um com suas características, detalhamentos, pensamentos, filosofia, visão de sociedade, cultura, arte, diversidades e diferenças. Mas há toda uma conexão de relações humanas no planeta, do individual ao coletivo, até mesmo espiritual. Só vamos sair desta crise se houver solidariedade mundial.
O Brasil precisa compreender que os nossos problemas são estruturais, desumanos. Precisamos de uma força muito grande para continuar perseverando em busca de mudanças necessárias. Se antes da pandemia ocorriam sérios problemas, eles, agora, se tornaram mais visíveis, principalmente no cenário social, que trata diretamente com a vida das pessoas.
Temos 45 milhões de trabalhadores na informalidade, sem direito social e trabalhista algum. Em seis meses, mais de 10 milhões perderam o emprego.
O alto custo de vida está fazendo com que as pessoas deixem de comer, de se alimentar dignamente. De uma hora para outra, os preços foram às alturas: carne, arroz, feijão, óleo, luz, gás.
É lamentável que hoje existam 50 milhões de brasileiros vivendo na pobreza e 12,5 milhões na extrema pobreza. Segundo o IBGE, 10,3 milhões passam fome.
A saúde pública é precária. Temos a maior concentração de renda do mundo e os problemas na educação, na segurança e na infraestrutura não param de crescer.
Ódio e violência se espalharam pelo país inteiro.
Agridem e matam mulheres, jovens, idosos, LGBTI. Uma gigantesca onda de preconceito e discriminação reafirmou que o racismo no Brasil é estrutural.
O governo brasileiro, em discurso na ONU (Organização das Nações Unidas), se isentou dos erros no encaminhamento do problema da pandemia. Hoje são mais de 143 mil mortos e quase 5 milhões de casos no país.
Nessa mesma esteira, o governo ainda afirmou que os indígenas e caboclos brasileiros são os responsáveis pelas queimadas no Pantanal e na Amazônia.
O mundo todo está de olho no Brasil devido ao descaso com que o poder público trata as questões do meio ambiente e das populações quilombolas e ribeirinhas, atingidas também pela covid-19.
Os biomas do nosso país estão sendo cobertos por sangue verde. O Pantanal atingiu mais de 15 mil focos de incêndio em 2020, o maior número desde 1998.
O fogo já destruiu 15% desse bioma. Animais diversos e espécies em extinção não têm para onde fugir, muitos estão morrendo queimados. As imagens que percorrem o mundo são chocantes.
Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o fogo destruiu 85% do Parque Encontro das Águas, que possui 108.960 mil hectares. Ele cobre uma área rica em cursos de água, que apoiam a grande biodiversidade da flora e fauna.
A incidência de queimadas na Amazônia continua altíssima. O Inpe identificou 2.002 focos, um número 170% superior ao mesmo período do ano passado.
O Cerrado também está ameaçado. Ele é conhecido como a mais rica savana do mundo. Sua área original era de 204 milhões de hectares. Hoje, 57% desse total foram destruídos.
Uma resolução do governo delimitou faixas de proteção permanente em áreas de vegetação no litoral. Cerca de 1,6 milhão de hectares de manguezais e restingas poderão ser destruídos.
As atitudes do atual governo não surpreendem mais ninguém. Precisamos de responsabilidade e de medidas urgentes. A omissão está fazendo com que o país sofra retaliações. Urge a necessidade de nos comportarmos com espírito público e republicano. O que vamos fazer no pós-pandemia? Esse é o grande desafio que está dado.
Creio que não vamos a lugar algum se não nos despirmos das nossas arrogâncias e ignorâncias, deixando de lado ideologias, que, neste momento, não ajudam em nada.
O importante é a construção da “ideia da obra a realizar”. O Congresso tem um alto grau de responsabilidade e de entendimento e pode, sobretudo, ser radical na serenidade.
O país não suporta mais tantos equívocos de governança, de uma governabilidade desfocada, de política de Estado e ação de governo de ataques aos direitos humanos e ao meio ambiente. Se pararmos e escutarmos a voz das ruas, vamos perceber que a sabedoria popular está emitindo sinais. Eles se mostram mais claramente nos desamparados e nos gritos dos esquecidos.
Para pensar o Brasil pós-pandemia é preciso, inevitavelmente, sentir esses sinais que estão em todo o nosso país, essa dor coletiva que está nos campos e nas cidades.
Neste momento de alta crise na saúde, na economia e no social, o Estado brasileiro tem que estar mais próximo da cidadania. É preciso que as pessoas tenham o mínimo de dignidade humana.
Os problemas estão aí para serem resolvidos; as assimetrias solucionadas; as palavras soltas, conectadas umas às outras, construindo conversação e diálogo.
Volto a falar aqui: o importante é a “ideia da obra a realizar”.
Já passou da hora de o Brasil retomar o rumo do crescimento e do desenvolvimento sustentável, aplicando políticas de emprego e renda, fortalecendo a saúde pública, o SUS, a seguridade social.
É imprescindível valorizar o salário mínimo, apoiar fortemente a indústria nacional, as micro e pequenas empresas, a ciência e a tecnologia, a agricultura familiar, o meio ambiente.
Da mesma forma, respeitar os direitos de todos os trabalhadores, dos empreendedores com responsabilidade social, dos aposentados e pensionistas.
Temos que compreender que o mundo do trabalho está mudando e que novas perspectivas e cenários teremos pela frente. O país tem que se preparar. O caminho ainda é o forte investimento na educação e no ensino, em todos os níveis, qualificando cada vez mais nossa mão de obra. A educação é um eficaz instrumento de mudanças na sociedade.
Garantir acesso universal à internet, como direito à dignidade humana, assim como é a saúde, a educação, a moradia, o emprego. Apresentei a PEC 35/2020 com esse objetivo.
Há 40 anos, o Brasil fala em reforma tributária e nada acontece. Os poderosos não a querem, pois, necessariamente, ela terá que mexer em privilégios, o que contribuirá para a desconcentração de renda.
A reforma tributária que pregamos é a progressiva, solidária e justa, tendo como base a taxação das grandes fortunas, dos dividendos e dos lucros.
O auxílio emergencial de R$ 600 precisa ser mantido até o final do ano. É necessário também regulamentar a Lei 10.835/2004, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, que instituiu a Renda Básica de Cidadania Universal. Nesse sentido, apresentei o PL 4194/2020.
Um país como o nosso não pode abrir mão de programas sociais como o Bolsa Família. São eles que vão garantir a melhoria de vida das pessoas, principalmente aquelas de baixa renda.
O projeto é a ideia e o sonho a ser alcançado, sempre olhando para todos, nos colocando no rumo certo de harmonia nacional, de combate à fome e à miséria, de desenvolvimento equilibrado.
A utopia jamais desaparece. Mas é preciso agir, propor, interagir com a realidade e com a sociedade, se sobrepor às desavenças e aos descaminhos que nos tentam impor.
Paulo Paim, senador da República (PT-RS)