As forças políticas que defendem o interesse coletivo, a solidariedade, os direitos humanos e o meio ambiente, as relações de trabalho civilizadas e o respeito às liberdades, precisam urgentemente ampliar suas relações para os setores moderados, rompendo o isolamento em que se encontram na atual conjuntura brasileira.
O processo de discussão e votação da reforma da Previdência deixou evidente que sem o concurso das forças de centro, que se apropriaram de algumas das bandeiras dos partidos de oposição no âmbito do Parlamento, teria sido praticamente impossível retirar aspectos perversos da reforma, como o caso da capitalização, do BPC, dos trabalhadores rurais, do aumento automático da idade mínima, entre outros.
Nesse contexto, os partidos políticos, os movimentos sociais e culturais, que se articulam no campo da esquerda e centro-esquerda, precisam urgentemente romper a bolha, abrir mão da obsessão de hegemonismo e ampliar relações com os setores de centro, formando frentes amplas em defesa dos interesses do País e do povo, sob pena de enorme retrocesso civilizatório.
Só com a união de forças — e está provado que a oposição progressista é insuficiente para dar conta sozinha dessa tarefa — e por intermédio de frentes amplas, com uma pauta de pacificação, calcada no pluralismo ideológico tão essencial às democracias, será possível formar maioria e reagir a essa política nefasta, que caminha a passos largos, na destruição do que ainda resta de soberania e do bem-estar social no Brasil.
Estamos diante de um ambiente político caótico, marcado pelo fundamentalismo, pela fúria persecutória e pela completa ausência de racionalidade, em que tudo se justifica em nome da guerra cultural e ideológica estabelecida. Numa situação dessas, não faz sentido as forças de esquerda escolherem quem lutará do seu lado contra a insensatez e o desmonte do País. Ou o progressismo brasileiro amplia suas alianças e reúne condições de resistir ou marcará posição e colocará em risco importantes conquistas históricas.
Os fundamentos da República (cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, etc), de que trata o artigo 1º da Constituição Federal, assim como seus objetivos fundamentais (construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir desigualdades sociais e regionais, garantir o desenvolvimento nacional, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação), a que se referem o artigo 3º da Constituição, estão sendo desrespeitados à luz do dia, sem qualquer reação, e até mesmo sob o aplauso de certos setores da sociedade que lucram com a barbárie.
Em nome de uma cruzada moralista justiceira, de um suposto acerto de contas com o passado, que utiliza o combate à corrupção como elemento mobilizador, está em curso um movimento de desmonte dos serviços públicos, dos bancos públicos, do parque produtivo e das empresas de engenharia e de construção nacional, incluindo as principais estatais brasileiras, desde sempre responsáveis pelo investimento e a geração de emprego e renda, sem que haja reação enfática da sociedade.
Onde estão os inteligentes e notáveis homens públicos, juristas, políticos, autoridades eclesiásticas, líderes de classe, militares, entre outros, que não se articulam para evitar esse desmonte e esse retrocesso civilizatório? Alguém, pessoa ou instituição, com credibilidade, precisa tomar a iniciativa de resgate da lucidez no País. Já nos alertava Ulysses Guimarães: “República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam”.
Para orientar essa articulação, entretanto, é necessário um programa mínimo, que, de um lado, reconheça a necessidade de reformas, considerando que o Sistema Político se encontra exaurido e sem condições de responder adequadamente às demandas da sociedade, e, de outro, que preserve os vulneráveis de maiores sacrifícios.
Nessa perspectiva, é urgente e indispensável a elaboração de uma plataforma ampla, de interesse coletivo, que preserve o patrimônio e a soberania nacional, defenda a probidade como valor fundamental, reconheça a economia de mercado, e a necessidade de reformas e ajustes no papel do Estado, porém cuidando para que haja calibragem e transição na implementação dessa agenda, de tal modo que os eventuais sacrifícios dela decorrentes sejam distribuídos de forma justa e equânime, devendo ser proporcionais à capacidade econômica e condição social dos contribuintes e usuários ou beneficiários dos serviços públicos, não elegendo como variável de ajuste apenas e exclusivamente os mais pobres, aqueles que dependem da prestação do Estado, ou daqueles cuja renda tem natureza alimentar.
A divisão dos brasileiros, a desorientação reinante, a ausência de um projeto de País, só reforça esse ambiente baseado em vaidades, ressentimentos, julgamentos morais e manipulações de emoções, reações e comportamentos os mais primitivos do ser humano. É hora de pacificar o País e construir soluções de interesse da maioria e não estimular esse comportamento insano de desconstrução/destruição das conquistas econômicas, sociais e culturais do Brasil. A forma de estancar isso é reunindo as instituições e pessoas de bom senso em torno de um programa, que reflita, de fato, as demandas e aspirações do povo brasileiro.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor licenciado do Diap