O publicitário João Santana, que trabalhou em diversas campanhas políticas no Brasil e na América Latina, concedeu uma entrevista à Folha de S. Paulo em maio de 2023. Na conversa, foi perguntado sobre a comunicação do governo Lula 3. Deu a seguinte resposta: “Fala-se muito que o governo tem problema de comunicação, mas acho que, na verdade, a comunicação sofre problemas de governo”.
Mais do que um problema na área da comunicação, o governo padece da falta de uma estratégia para enfrentar a profunda crise nacional e a nova conformação política com a intensa polarização com a ascensão da extrema-direita
A pesquisa Genial/Quaest aponta uma queda persistente da aprovação do trabalho do Lula e do governo federal, em comparação com os levantamentos anteriores do mesmo instituto. O sinal amarelo acendeu, mas ainda não houve uma mudança qualitativa. O quadro repete o padrão das pesquisas realizadas durante as eleições de 2022, especialmente entre os dois turnos.
O país continua dividido entre o campo esquerda, que construiu uma frente ampla no processo de resistência ao governo Bolsonaro, e a extrema-direita, que sustenta sua hegemonia na direita com capacidade de mobilização e intensa luta ideológica. Os números da pesquisa expressam, a grosso modo, a polarização entre aqueles que aprovam e desaprovam o trabalho do presidente Lula (51×46), com impactos no deslocamento do segmento que não se alinha automaticamente na disputa.
A esquerda tem maioria ampla na região Nordeste (68×31), enquanto a direita tem mais força no Sudeste (52×44) e no Sul (57×40). A esquerda tem vantagem entre aqueles que têm escolaridade até o ensino fundamental (59×38), enquanto a direita é superior entre os que têm ensino superior (53×45).
Em relação às faixas de renda, a esquerda tem apoio amplo entre quem ganha até dois salários mínimos (61×36), mas desvantagem entre aqueles que recebem mais de cinco salários mínimos (44×54). Na faixa de dois a cinco salários mínimos, a direita tem consolidado a sua superioridade (52×45).
No tópico referente a religião, a direita mantém ampla ascendência entre os evangélicos (62×35), ao passo que a esquerda tem maioria entre os católicos (58×39).
Os indicadores da avaliação do governo pioraram nos últimos 12 meses. Eventualmente, podem até melhorar por questões conjunturais no próximo período. É natural que determinados segmentos – cada vez mais estreitos – se desloquem entre os dois polos.
A questão é que a moldura da fotografia do momento segue um padrão, com dois polos que dividem a sociedade e tem mais ou menos apoio em certos indicadores.
Diante disso, cabe ao governo atuar sobre a situação concreta e fazer a disputa na sociedade, apresentando um projeto de Nação e conduzindo uma agenda pública.
Ao mesmo tempo, implementar políticas capazes de melhorar efetivamente a vida da população. Assim, poderá fortalecer a adesão dos seus apoiadores, atrair o segmento flutuante e incidir na base do adversário
Até agora a Esplanada dos Ministérios optou por gerenciar a burocracia, retomar políticas públicas exitosas 20 anos atrás e negociar com adversários sem demarcar a diferença de projeto. Lula é o único que participa do debate público geral e se posiciona diante de questões relevantes. O ministro Fernando Haddad tem aberto discussões na sua área, assim como fazia o então ministro Flávio Dino. Para além disso, é um silêncio constrangedor.
Em um quadro desfavorável com a dilapidação do Estado, com a pressão do grande capital e do Congresso Nacional, dificilmente gerenciar a burocracia terá resultados sem construir uma força na sociedade para impulsionar mudanças na política e na economia.
O governo não pode abrir mão de fazer o debate público com a sociedade, defender o programa apresentado nas eleições e apontar quem são os adversários da sua implementação. Dessa forma, pode colocar sua base em movimento e evidenciar os responsáveis pelas dificuldades.
O quadro de polarização está consolidado e a extrema-direita intensifica a disputa. Mesmo com o cerco a Jair Bolsonaro, tenta manter iniciativa política. Do seu lado, o governo tem uma política “água com açúcar”, amarrado pela frente ampla, que neutraliza os esforços da esquerda de fazer os enfrentamentos.
Desse modo, jogar toda a responsabilidade pela queda da aprovação da gestão na comunicação simplifica o problema, embora essa área tenha limites evidentes. O buraco é mais embaixo, porque a política de comunicação é um desdobramento da política do governo. Qual a estratégia do governo para enfrentar a crise brasileira e isolar a extrema-direita?
A melhora a conta gotas na economia não representou uma mudança substancial na vida das pessoas. Essa situação contrasta com as promessas de unir e reconstruir o país por meio da “retomada da democracia” com a derrota de Jair Bolsonaro.
A ausência do debate público com a sociedade e a frustração das expectativas da população abrem margem para a extrema-direita atrair o segmento que flutua na polarização e avançar sobre a base de apoio do Lula.
Enquanto o governo optar por simplesmente gerenciar uma burocracia enferrujada que não renderá nada de substantivo para a população, a extrema-direita vai surfar nas suas contradições para atacar e ampliar a sua base.
Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato