PUBLICADO EM 10 de nov de 2017
COMPARTILHAR COM:

A morte do cachorro de Dilma e a Estratégia da Distração

Recordo-me como se fosse hoje. O primeiro operário era eleito presidente da República, representando amplos setores da esquerda e dos movimentos sociais, com enorme repercussão na mídia internacional e a discussão promovida pela imprensa privada brasileira era o plantio de flores vermelhas no jardim do Palácio da Alvorada, em alusão ao PT, cultivadas supostamente a pedido de Marisa Letícia.

Esse debate paisagístico foi literalmente estercado por várias semanas. A grande discussão naqueles primeiros dias de governo, que dividia o Brasil, já pautava de forma maniqueísta se tinha sido certo ou errado plantar flores vermelhas no formato de estrela. Até Oscar Niemeyer foi procurado pela grande mídia para dar sua opinião. Para o chefe do departamento técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) as modificações eram legais porque os jardins podem sofrer acréscimos e modificações. Mas para o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil a iniciativa era um “desrespeito”. A partir daí quantas questões fúteis, irrelevantes e totalmente insignificantes diante do gigantismo de um país continental como o nosso, com imensos problemas estruturais a serem resolvidos, foram alimentados pela grande mídia? Milhares.

Hoje (10/11), mais um factoide é criado com a abertura de investigação policial para apurar a morte de um cachorro de Dilma Rousseff que ocorreu em 2016. Ninguém menos que o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, determinou a abertura do inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte do cão, sacrificado aos 13 anos de idade, vítima de doença degenerativa. Imediatamente a assessoria de Dilma respondeu: “Como se investigações mais graves não devessem ser apuradas, como a compra de votos para a aprovação do impeachment. É lamentável que isso ocorra no país que virou sinônimo de Estado de Exceção. Aos olhos do mundo, vale tudo para achincalhar a imagem e a honra de Dilma Rousseff”.

De fato, é isso. No dia em que trabalhadores promovem manifestações em todo o país contra a Reforma Trabalhista que retira direitos básicos dos trabalhadores, a morte do cachorro de Dilma em 2016 ganha mais repercussão. Essas picuinhas fazem parte daquilo que o filósofo estadunidense, Noam Chomsky, chama de Estratégia da Distração. Segundo esse autor, a Estratégia da Distração, usada pela classe dominante, através dos seus grandes meios de comunicação privados, é “o elemento primordial que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e informações insignificantes”.

A Estratégia da Distração é, segundo Chomsky, igualmente indispensável “para impedir o público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais. Consiste em manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por termos sem importância real. Manter o público muito ocupado sem nenhum tempo para pensar nas coisas que realmente têm importância”. Essa estratégia é, de certa forma, já antiga. Pode ser vista ao longo das últimas décadas em vários programas sensacionalistas, sobretudo aqueles que se especializaram em notícias de violência. Mas esse fenômeno adquiriu proporções muito maiores com o advento das redes sociais.

No ápice da crise política que sequestrou o mandato presidencial de Dilma Rousseff, os golpistas em todo o Brasil deliravam em torno das acusações mais inverossímeis possíveis, quase todas elas irrelevantes, tais como o modo como ela falava ou se vestia, discursos citados fora de contexto, o conteúdo de uma conversa telefônica totalmente normal (apesar de ilegal) com o ex-presidente Lula, entre tantas outras coisas banais.

O tal “conjunto da obra” amplamente citado pelos golpistas, nunca levou em consideração grandes temas relacionados à política industrial, à geopolítica, à soberania nacional, e muito menos ao tão necessário projeto nacional de desenvolvimento. Essa Estratégia da Distração continua mais forte que nunca e parece contaminar também parte significativa da esquerda brasileira, movimentos sociais e amplos setores do pensamento progressista do Brasil. Ao invés de adotarmos uma postura proativa e pautarmos o debate em torno de um projeto base de repactuação e de um acordo nacional em prol da retomada do desenvolvimento, da democracia e da distribuição de renda, ficamos na defensiva, reativos a uma pauta conservadora que tenta nos dividir ainda mais.

Precisamos focar nos grandes temas que interessam a nação e ao povo. Não é hora de nos distrairmos em questões menores que, embora tenham importância, na atual quadra política são secundárias. Como diz um velho dito popular, “é preciso engolir sapos”. Contra a dispersão, o voluntarismo e o espontaneísmo, elementos tão típicos de um público cada vez mais distraído, é preciso resgatarmos valores como a unidade, o trabalho coletivo e a ação consciente.

Portanto, não nos interessa jogar água no moinho da direita conservadora. Candidaturas com a de Lula, Ciro e Manuela D’Ávila devem seguir o leito natural de um rio que deságua na mesma foz e abastece o ideário de lutas do povo brasileiro. Qualquer desvio nesse curso servirá aos interesses diversionistas dos que hoje assaltam o nosso país.

Luciano Rezende Moreira é professor na Universidade Federal de Viçosa, campus Florestal. Graduado em Agronomia, bacharel em Administração Pública e licenciando em Geografia. É mestre em Entomologia e doutor em Fitotecnia

ENVIE SEUS COMENTÁRIOS

QUENTINHAS