A cada eleição disputada no Brasil, o dinheiro ganha um peso progressivamente maior na definição dos resultados. Havia uma expectativa de que, com as mudanças na legislação eleitoral, a influência do poder econômico diminuiria.
A declaração de inconstitucionalidade das doações empresariais a campanhas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi muito comemorada por diminuir a intervenção direta do grande capital na política. Além disso, obstruir o jogo de interesses das grandes empresas, que financiavam candidatos e depois cobravam apoio para fechar contratos corruptos com o Poder Público.
Desde então, o sistema político foi se adequando à nova situação e buscando alternativas, sobretudo, para beneficiar aqueles que já ocupavam postos na institucionalidade, como deputados federais e senadores. O Congresso Nacional criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) , em 2017. Esse fundo é composto por dinheiro do Orçamento Geral da União e distribuído aos partidos, proporcionalmente ao tamanho das bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
O fundo se tornou a principal fonte de recursos para as campanhas eleitorais. Em 2018, teve um orçamento de R$1,7 bilhão para a primeira disputa eleitoral sem financiamento privado. Em 2022, o valor teve um aumento considerável e chegou a R$4,9 bilhões.
Paralelamente, os parlamentares fizeram uma queda de braço com o Poder Executivo e passaram a controlar parte do Orçamento por meio das emendas parlamentares. Ao enviar recursos diretamente para as suas bases, beneficiando governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores aliados, ganham musculatura e ficam mais competitivos para garantir sua reeleição.
Em 2019, o montante para as emendas ficou em R$18 bilhões. De lá pra cá, houve um crescimento substantivo no orçamento controlado pelos deputados e senadores, que deve terminar o ano próximo a R$50 bilhões. Mais de 20% de todos os recursos livres do Orçamento estão sob controle dos parlamentares.
Agora, o que se vê é a proliferação de casos de corrupção envolvendo as emendas parlamentares. Em 2021, foi revelado um esquema de superfaturamento na compra de tratores e equipamentos agrícolas, que ficou conhecido como “tratoraço”.
No mesmo ano, operação da Polícia Federal investigou um esquema de corrupção na área da saúde em municípios do interior do Brasil. Investigações apontaram também o desvio de recursos destinados por emendas no Maranhão, no Piauí e em Alagoas, envolvendo o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
As emendas parlamentares têm inundado os municípios e influenciado nas disputas eleitorais, tanto pelos investimentos que os parlamentares fazem diretamente nas suas bases como também pelas denúncias de desvio de recursos para campanhas, com o objetivo de eleger os próprios deputados e senadores como seus aliados nesta disputa municipal.
O peso do dinheiro na definição do voto cresceu também com as mudanças na legislação eleitoral. A minirreforma eleitoral de 2015 diminuiu o tempo de campanha, que caiu de 90 para 45 dias, e da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, que foi encurtada de 45 para 35 dias.
A redução do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV, que diminuiu o custo milionário na produção dos programas, foi acompanhada pela emergência das novas tecnologias e redes sociais. A comunicação digital tem demandado um volume de recursos cada vez maior para a montagem de estratégias de redes, política de dados e pagamento de tráfego pago às plataformas.
Essas mudanças legais de caráter neoliberal prometiam reduzir os custos das campanhas e simplificar o processo eleitoral, tornando mais direto e eficiente. Na realidade, o debate democrático ficou mais pobre e o processo eleitoral mais intenso e concentrado em um curto período, aumentando o peso do dinheiro na disputa do voto, sobretudo, na reta final.
Um dos efeitos colaterais da enxurrada de dinheiro na política é a diminuição do engajamento do trabalho militante, que voluntariamente cumpria tarefas nas campanhas. Agora, com a generalização do pagamento dos “cabos eleitorais”, aumenta a demanda por algum tipo de remuneração.
A votação de um candidato, seja a vereador, deputado e até prefeito, virou uma fórmula do volume de recursos levantados para rodar materiais, viabilizar o trabalho do maior número de referências nos territórios e implementar uma estratégia digital para obter votos de opinião.
Desde a Constituinte de 1988, que obstruiu reformas estruturais para democratizar o modelo representativo, as mudanças eleitorais atendem a conveniência daqueles que controlam estruturas e alimentam uma relação clientelista com a população.
A lógica do “centrão” de ontem e de hoje beneficia a classe dominante, mas parece que se generalizou no sistema político, com o orçamento das eleições sob seu próprio controle. Essas máquinas eleitorais funcionam, essencialmente, para manter mandatos e garantir sua reprodução política, o que congela a atual correlação de forças no Congresso, desfavorável para as forças populares.
O Brasil precisa de uma profunda reforma política, que altere as estruturas de representação, a divisão de cadeiras no Congresso, a relação do Legislativo e Executivo, a forma de atuação dos partidos e a relação das eleições com o dinheiro. Dessa forma, será possível reconstituir o sentido da soberania popular nas eleições, que deve ser exercida pelo sufrágio universal e pela condição mais equitativa possível para disputa entre todos os cidadãos.