Coma, do grego “sono profundo”, é um estado de inconsciência do qual a pessoa não pode ser despertada. Desde a vertigem sentida pela democracia brasileira com o impeachment de Dilma Rousseff da presidência, tal como bem retratado pela produção cinematográfica de Petra Costa (2019), o país tem avançado a passos largos rumo ao abismo. A velocidade do processo de destruição das instituições democráticas e das sucessivas ameaças contra aquelas que ainda resistem nos permite aprofundar a metáfora que dá título ao referido documentário. A democracia brasileira “superou” a vertigem do golpe entrando em estado de coma.
Para ficarmos apenas nos exemplos mais recentes, no último mês a família Bolsonaro já comparou o STF a hienas em twitter presidencial, sugeriu inviabilizar a concessão de transmissão da TV Globo e defendeu um novo AI-5 no caso de “radicalização da esquerda”. A lista de deboche e ataque às instituições democráticas desde o início do mandato de Bolsonaro é infindável. A gravidade da situação é tamanha que precisamos conclamar todos aqueles que prezam pela democracia brasileira, em seu mais amplo espectro político, com o objetivo de tirar nossa sociedade desse coma.
Enquanto uma parcela da população permanece prostrada diante dos rotineiros escândalos presidenciais e outra parte segue fiel defensora de seu discurso ultra conservador – ainda que diretamente prejudicada pela política de precarização bolsonarista –, o governo avança com o projeto de espoliação do Estado nacional. Mega leilões do pré-sal, reforma da previdência, suspensão da política de valorização do salário mínimo, enfraquecimento dos sindicatos, abandono das políticas públicas de saúde e educação, abdicação da soberania nacional, precarização de jovens trabalhadores via “contrato de trabalho verde e amarelo”, bem como todo o novo desmonte de direitos trabalhistas implementado pela MP 905, dentre tantas outras medidas.
A assustadora lista do que já foi feito se apresenta tão somente como o preâmbulo da destruição democrática. O “Plano Mais Brasil” anunciado por Paulo Guedes consiste no próximo passo desta marcha acelerada, ou como os economistas progressistas têm chamado, o AI-5 econômico. No bojo deste “plano” estão as três PECs que buscam enrijecer e tornar permanente a política de austeridade fiscal, sujeitando inclusive os direitos sociais e a própria cidadania a este princípio.
Inicialmente, a chamada PEC Emergencial pretende “aprimorar” a PEC do Teto de Gastos aprovada por Temer, prevendo gatilhos que serão acionados automaticamente se os gastos do governo (federal, estadual ou municipal) ultrapassarem um limite pré-determinado. Caso isto ocorra, serão permitidas medidas ainda mais rigorosas, tais como, a redução de jornada e salário dos servidores públicos e a impossibilidade de quaisquer tipos de promoção, reajuste ou contratação.
A PEC dos Fundos Públicos, por sua vez, busca extinguir o máximo de fundos de destinação obrigatória, como por exemplo, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), responsável pelo pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial. Paulo Guedes pretende reorientar os recursos do FAT que são atualmente encaminhados ao BNDES e destiná-los ao abatimento da dívida pública, ou seja, entregá-los à ciranda financeira sem qualquer efeito contábil real. Está sendo proposto explicitamente um abandono da política de fomento ao desenvolvimento e à reindustrialização para favorecimento do rentismo financeiro.
Finalmente, a PEC do Pacto Federativo se propõe a quebrar a “rigidez orçamentária” alterando a distribuição de recursos entre União, estados e municípios, aumentando a autonomia destes dois últimos. Paulo Guedes quer desvincular o máximo de receitas, retirando a obrigatoriedade de gasto mínimo com determinadas áreas (aquelas que atendem diretamente a população em geral como saúde e educação, mas não apenas) e permitindo que a destinação destes recursos seja decidida politicamente.
Por incrível que pareça, o pior ainda não aconteceu. Precisamos retirar a sociedade brasileira do coma em que se encontra para barrar o “Plano Mais Brasil”, um verdadeiro programa de destruição da economia e da democracia brasileira. Os desafios que se apresentam para o ano de 2020 são enormes, mas uma compreensão acertada das ameaças que sofrem o povo brasileiro consiste no primeiro passo do seu despertar. A resistência e a mobilização sindical precisam ser generalizadas e fortalecidas diante deste cenário, avançando na ação estratégica e unitária. A luta da classe trabalhadora deve ocupar cada vez mais todos os espaços de disputa política em prol da democracia, desde as ruas, as mídias, as fábricas e o parlamento.
Sergio Luiz Leite é Presidente de Fequimfar