PUBLICADO EM 22 de abr de 2019
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Bolsonaro esconde os crimes da ditadura

O decreto 9.759, assinado por Bolsonaro no dia 11, impede a identificação dos mortos pela repressão da ditadura.

Por José Carlos Ruy

Brasília – Tumulto e confusão marcaram sessão da Câmara do Deputados sobre 50 anos do golpe militar de 1964 (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Quando era deputado federal, Jair Bolsonaro colocou na porta de seu gabinete na Câmara dos Deputados, em junho de 2009, uma placa de extremo mau gosto e profundamente desrespeitosa em relação aos desaparecidos políticos assassinados pela ditadura – “quem procura osso é cachorro”, dizia aquela placa, dirigindo-se contra as buscas pelos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.

Agora, na presidência da República, ele tem a oportunidade de exalar outra vez esse fétido sentimento profundamente antidemocrático, e que beira o fascismo dos repressores de 1964. Confirmando sua admiração pelo torturador coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem não se cansa de elogiar, Bolsonaro tomou uma medida que poderá ter a consequência de colocar ainda mais obstáculos para a identificação das vítimas dos crimes da ditadura, que ele acoberta.

Ele assinou, no dia 11 de abril, o decreto 9.759, que extingue a maioria dos conselhos sociais que integravam a Política Nacional de Participação Social (PNPS), o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), e órgãos de defesa dos direitos humanos – cerca de 700 conselhos estão na mira do direitista, organismos ligados à defesa dos direitos humanos, igualdade racial, índios, LGBT e meio ambiente e outros. Entre eles as comissões, ligadas ao governo federal, que tentavam identificas ossadas de desaparecidos políticos assassinados pela ditadura, como aquelas encontradas em 1990 numa vala comum no cemitério de Perus, em São Paulo. São 1.047 caixas com ossadas, muitas delas de oposicionistas assassinados pela repressão da ditadura, ali enterrados clandestinamente para ocultar aqueles crimes políticos – que são, assim, três graves transgressões da lei: a tortura, o assassinato, e a ocultação de cadáver.

O deplorável decreto de Bolsonaro elimina dois grupos de trabalho (GTs) formados para a identificação de corpos de vítimas da ditadura. Os grupos que investigam Perus e Araguaia foram eliminados pelo decreto de Bolsonaro.

A vala do cemitério de Perus foi descoberta em 1990. Ali estavam os restos mortais de vitimas da repressão política na década de 1970, sepultados sob nomes falsos.

O GT Perus era ligado à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cujo trabalho foi iniciado em 2014, por ordem da Justiça Federal. O decreto também extingue o GT Araguaia.

A medida tomada pelo capitão-presidente corta os recursos do governo federal que eram usados na identificação daqueles restos mortais. As comissões e grupos de trabalho ficam à míngua, sem poder pagar pelos caros exames envolvidos nesse trabalho.

Em Perus podem ter sido ocultados na vala comum cerca de 40 corpos de oposicionistas. O trabalho de identificação, lento, difícil e meticuloso, chegou a seis deles e há mais sete que podem estar localizados ali – coisa que só o trabalho dos peritos poderá confirmar.

O trabalho com as ossadas encontradas nas 1047 caixas já envolveu legistas da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e também do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), da Universidade Federal de São Paulo. Analisaram 750 amostras de ossos, sendo que 500 delas foram enviadas para o laboratório da International Commission on Missing Persons (ICMP – Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas), em Sarajevo, na Bósnia, e em Haia, na Holanda. E já foram identificados os restos mortais de Dimas Casemiro (do Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT) e do advogado Aluísio Palhano (da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR), cujas famílias puderam dar-lhes sepulturas condignas e prestar-lhes as homenagens fúnebres. Suas mortes foram cometidas por agentes do malfazejo DOI-CODI do então 2º Exército, em 1971, sob o comando do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Os peritos ainda precisam analisar o conteúdo de cerca de 30% das caixas, onde há ossos misturados de pessoas diferentes.

Além de indigna e antidemocrática, a medida de Bolsonaro que, na prática, elimina esse trabalho é também impiedosa. Não são ossos o que os democratas brasileiros procuram; buscam pessoas que foram perseguidas, torturadas e assassinadas pelos agentes da ditadura. Querem saber o que aconteceu com eles e homenagear estes heróis do povo brasileiro.

José Carlos Ruy é jornalista e escritor.

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