A ditadura militar foi um desastre. Foram 21 anos de prisões, exílio, assassinatos e tortura, censura e terror; de arrocho salarial e carestia. De submissão política aos americanos e dependência ao capital estrangeiro.
O povo brasileiro foi capaz de dar a volta por cima. Conquistou a Anistia, que libertou os presos políticos e trouxe de volta os exilados. A classe operária fez, de forma unitária, as maiores greves da história deste país. Superou preconceitos e inseguranças e construiu a mais ampla frente que se tem conhecimento, que, por ser tão ampla, mobilizou, nas ruas, manifestações com milhões de brasileiros. Conquistou o direito de eleger o presidente da República. A ditadura, de tão isolada, desabou.
Sem se prender a questões menores, o povo elegeu uma Assembleia Nacional Constituinte, que teve o condão de escrever uma das constituições mais progressistas do mundo. A questão nacional estava – e está – no centro da questão democrática.
O resultado foi o melhor possível. Prioridade nas compras do Estado para empresas genuinamente nacionais, monopólio da Petrobrás para extração de petróleo, garantia de aposentadoria para os trabalhadores rurais, universalidade da previdência, o Sistema Único de Saúde (SUS).
Porém, os senhores imperialistas também não dormiram de toca. Se unificaram à reação interna para dar o troco. Elegeram um farsante, caçador de marajás. A submissão ao capital estrangeiro e ao rentismo catapultou a dívida pública de 300 bilhões de reais para 6,4 trilhões. O câmbio “flutuante” inundou o mercado de produtos estrangeiros e desindustrializou o país. A taxa de investimento caiu de 25% para 16%. Foram liquidadas, a preço vil, siderúrgicas, mineradoras, usinas, refinarias, distribuidoras de petróleo e gás, tudo…
O fascismo de Bolsonaro, nem se fala. Provocou a morte de 700 mil brasileiros, por se recusar a admitir a pandemia, assaltou o Estado, fortaleceu as milícias, fulminou direitos trabalhistas, sufocou financeiramente os sindicatos e quase acabou com previdência pública.
Autoestima
A taça do mundo é nossa/ Com brasileiro, não há quem possa/ Eh, eta, esquadrão de ouro/ É bom no samba, é bom no couro
Em 1958, éramos finalmente campeões do mundo. O futebol antecipava assim o destino da nação brasileira. Estava escrito na letra do próprio Hino Nacional, “Gigante pela própria natureza”, 500 anos de luta, para não contar o tempo de gigante adormecido. O Paraíso aqui na terra, comandado por Tupã, o deus do trovão…
Guararapes era o novo futuro. Negros, indígenas e portugueses unidos para expulsar o invasor estrangeiro.
As raízes das lutas pela liberdade foram formando a personalidade, o caráter e aumentando a autoestima do brasileiro. O Orgulho negro de ZUMBI mostrara que ser livre sempre é uma possibilidade, quando a aspiração é coletiva.
Ou a “vida intrépida” (nas palavras do Prof. Eduardo de Oliveira) de Luiz Gama, negro, advogado, filho de Luiza Mahin, líder da revolta dos malês com um fidalgo português, que em 1840 o vendeu a um traficante de escravos para pagar uma dívida de jogo. Gama entendeu que, para libertar os negros da escravidão, era necessário libertar o Brasil do colonialismo, do império e instituir a República.
Mas foi de Tiradentes a primeira ideia de constituirmos uma nação. O ódio do colonizador esquartejou seu corpo, mas não sua obra. A aspiração pela independência, pela industrialização e pela abolição. Segundo Sérgio Cruz, em Pátria Livre, ainda que Tardia, “A Inconfidência Mineira representou, portanto, um momento de ruptura na história do Brasil, ou seja, um salto de qualidade na longa luta dos brasileiros pela construção de uma nação livre, soberana e democrática”; e conclui: “seu desfecho ocorreu trinta anos depois, no ano de 1822, com a conquista da independência política”.
O exército de Caxias
Ainda neste quadrante, conforme Carlos Lopes, editor da Hora do Povo, “a afirmação do caráter da Abolição é a ponte ideológica que aproxima Rui Barbosa do Exército – e da República”. Ele conta que “O industrialismo …de Rui é intrinsecamente ligado ao seu nacionalismo”.
Lopes, numa palestra para estudantes, esclareceu: é a Proclamação de novembro de 1889 que é acoimada de “golpe” e “golpe elitista”. Mas o que se quer com isso é estigmatizar a revolução nos dias de hoje, a revolução de que precisamos hoje, a revolução brasileira, a revolução nacional e democrática que – para usar a expressão de um líder e teórico do século XX – é parte do processo da revolução socialista.
O Exército Brasileiro, organizado por Caxias, cedeu seus mártires para a revolução. Sérgio Rubens, que nos deixou em 5 de dezembro de 2021, em seu magnífico texto sobre a revolução dos tenentes de 1922, escreveu: “o número de heróis que participaram da saga foi de 18. Cantado em verso e prosa, o feito dos 18 do Forte incendiou corações e mentes e ganhou a força do mito. Que povo não se orgulharia de possuir na raça tais leões?”
A Coluna Prestes, de 1924 a 1927, percorreu 25 mil km e não teve nenhuma derrota. Em sua grande maioria, seus integrantes deram sustentação à Revolução de1930.
Getúlio Vargas veio de trem do Rio Grande do Sul consumar a revolução. Vencia a industrialização, o fortalecimento do mercado interno, o sindicato único, o salário mínimo, os direitos trabalhistas, a indústria de base estatal, a cultura nacional, o orgulho de ser brasileiro, a vontade de mandarmos no nosso destino.
Durante 50 anos, o Brasil foi o país capitalista que mais cresceu no mundo, uma média de 7% ao ano. A indústria atingiu 30% do PIB, que em 1980 era maior que o da China (hoje é dez vezes menor).
Mas faltava o derradeiro ajuste de contas. O mais difícil, no entanto, inevitável. Os EUA deflagraram a guerra fria e a ameaça nuclear contra o socialismo, a democracia e a independência, nos quatro cantos do planeta. O novo estava ainda para nascer.
Getúlio, com seu martírio, com coragem e generosidade, adiou, por dez anos, a ingerência estrangeira. Eternizou seu compromisso na “Carta Testamento”. Agora é nossa responsabilidade completar sua obra.
“Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.”
O Golpe
O economista Nilson Araújo, em artigo para o movimento “Direitos já!” lembra que “na madrugada do próximo dia 1º abril, completam 60 anos de um dos acontecimentos mais trágicos da nossa história: os golpistas de 1964, sob a bandeira da democracia, começaram a implantar uma ditadura militar no país. Essa ditadura perseguiu, torturou, assassinou, forçou ao exílio milhares de lideranças dos trabalhadores, dos estudantes, dos cientistas, dos meios políticos e, inclusive, militar”.
Seu objetivo maior era deter o processo de transformação inaugurado com a Revolução de 1930 e que naquele momento estava sendo levado adiante pelas Reformas de Base do Presidente João Goulart.
Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, foi o herói da conquista da Anistia Ampla Geral e Irrestrita. Para o povo, uma grande vitória. Os presos políticos seriam soltos e os exilados poderiam voltar para sua terra.
Naquele mesmo ano de 1978, a classe operária entra em cena na luta contra o arrocho salarial da ditadura. As greves, fábrica por fábrica, as barricadas em São Bernardo, o histórico 1º de maio na Vila Euclides, estádio municipal da cidade, convocado pela Unidade Sindical de São Paulo, a greve geral de 1983 e a realização da Conclat, com a vitória da tese da unicidade sindical, marcaram a dupla Lula e Joaquinzão, que, até por seus estilos diferentes, unificaram o movimento sindical contra a ditadura.
Seguir em frente
Com força e habilidade, o povo brasileiro colocou abaixo a ditadura. Agora, é retomar o crescimento econômico, com base na ampliação do investimento público e expansão do mercado interno, e concluir a obra de Getúlio, Jango e Juscelino.
Carlos Alberto Pereira, jornalista