Carolina Maria Ruy
Li artigos que, sob o impacto da afirmação, recomendam filmes sobre Inteligência Artificial, como Ex_Machina, de Alex Garland (2014), Ela, de Spike Jonze (2013), e o próprio Inteligência Artificial, de Steven Spielberg (2001). São filmes criados em um contexto em que a internet já estava estabelecida e que trazem à tona questões sobre ética, tecnologia e relações sociais.
Mas a profusão de obras, livros, filmes e séries, que exploram a complexa relação entre o homem e a tecnologia é extensa, antiga e assume diversas tonalidades. Desde Os Jetsons, um simpático desenho animado, criado em 1962, sobre uma família altamente computadorizada, até Metrópolis, filme que é um dos grandes expoentes do expressionismo alemão, criado em 1927 por de Fritz Lang, passando pelas obras de Isaac Asimov, como Fundação, de 1942 e até mesmo O Exterminador do Futuro, de James Cameron (1984).
E as questões que se abriram com a afirmação de Lemoine, embora também não sejam novas, ultrapassam a simples reflexão sobre o crescente uso das máquinas. Elas tratam de poder, autonomia e, sobretudo, da criação pela humanidade de entidades que possam no futuro nos oprimir e nos dominar.
São reflexões essencialmente filosóficas que me levaram a pensar em outros dois grandes filmes. O primeiro é Blade Runner, dirigido por Ridley Scott e lançado em 1982. No filme, androides criados em laboratórios para funções específicas são tão sofisticados e semelhantes ao ser humano natural que não lhes escapam o sofrimento pela consciência da finitude e da breve existência. Eles são atormentados pela solidão e pela ausência de memórias. Não são robôs, são seres criados a partir da bioengenharia, mas são exemplos da criação artificial e inconsequente de um tipo de consciência, reproduzindo, de certa forma, o mito de Frankenstein. E, mais do que disputar poder com os seres humanos, eles são marcados por uma profunda melancolia em um mundo que é em si opressor e sem sentido. Sentimento que fica registrado na fala do replicante Roy Batty ao caçador de androides, Deckard: “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer”.
O outro filme, ainda mais antigo, aborda precisamente o tema da consciência da máquina levantado pelo ex-engenheiro do Google: 2001 Uma Odisseia no Espaço, dirigido por Stanley Kubrick e lançado em 1968. Muito mais que um filme de ficção cientifica, 2001 aborda questões existenciais sobre o tempo, o espaço e sobre a possibilidade de a máquina dominar o homem.
Vale dizer que a exploração espacial colocada no filme se relaciona a um debate que estava em alta em 1968. O filme foi feito no auge da corrida espacial, durante a Guerra Fria, quando EUA e URSS disputavam a tecnologia e conquista espacial. Mas o que nos interessa aqui é a tensão crescente que se estabelece entre o piloto da nave, David Bowman, e o supercomputador que a comanda, Hal 9000.
Em plena missão rumo à Júpiter, o computador, que se considera infalível e apresenta “grande entusiasmo” pela missão, começa a tomar decisões próprias à revelia das orientações da equipe. Ao entender que pode ser desligado, Hal toma medidas radicais e se coloca como antagonista dos seres humanos a bordo.
A cena em que o computador é finalmente desligado é, em minha opinião, uma das mais chocantes do cinema, já que a máquina clama por sua existência, se diz amedrontada e desvanece tal qual um corpo humano no momento em que a vida se vai.
Lançado há mais de 50 anos, 2001 Uma Odisseia no Espaço mostra que a fronteira entre o ser vivo e a tecnologia é um mistério que nos persegue desde que nossos ancestrais começaram a transformar a natureza. Mostra também que se trata de um assunto que, por sua própria essência, mantem-se em constante atualização, nos instigando e desafiando a cada momento.
Blake Lemoine pode ter se empolgado demais com a suposta consciência do Language Model for Dialogue Applications (LaMDA), ou ter simplesmente vazado segredos da Google. Seja como for, o poder da tecnologia e a falta de controle social sobre ela já fazem parte da nossa realidade.
Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical
Rita de Cassia Vianna Gava
Blade Runner, o filme