PUBLICADO EM 11 de set de 2018
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Centrais sindicais defendem atual política do salário mínimo

De acordo com o jornal Valor Econômico, quem assumir a Presidência em janeiro de 2019 terá que propor, logo no primeiro ano de mandato, a nova regra de reajuste do salário mínimo, que terá validade de 2020 a 2023.

O tema afeta a vida de ao menos 26 milhões de brasileiros, que recebem o mínimo como renda do trabalho ou por meio de benefícios previdenciários e sociais. Também é urgente diante do desequilíbrio das contas públicas, já que o salário de referência afeta 30% de toda a despesa primária federal.

Especialistas apontam três caminhos possíveis a serem seguidos: manter a regra atual, com o reajuste atrelado à inflação passada e ganho real quando há crescimento do Produto Interno Bruto (PIB); reajustar apenas pela inflação, sem ganho real; ou uma nova forma de correção com ganho real, utilizando alguma referência mais aderente à produtividade, como o PIB per capita. A proposta será encaminhada pelo governo, mas a decisão final cabe ao Congresso.

Tentar mudar a regra será um enorme desafio para o novo presidente. Isso porque, se confirmados os reajustes ao Judiciário e ao funcionalismo no ano que vem, haverá forte pressão também pela manutenção da valorização do mínimo. Além disso, a agenda do próximo ano estará cheia de pautas fiscais polêmicas, como a reforma da Previdência, a manutenção ou não do teto de gastos e o próprio reajuste do funcionalismo, o que pode desestimular o futuro mandatário a mexer em mais este vespeiro.

Pela regra atual, usada desde 2007 e transformada em lei em 2011, o mínimo é reajustado pela inflação do ano anterior medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e pelo PIB de dois anos antes. Em 2019, ainda sob essa regra, a previsão é que o salário de referência passe de R$ 954 para R$ 1.006, alta de 5,45%, usando o avanço de 1% do PIB em 2017 mais a estimativa para o INPC neste ano.

Segundo Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, o Brasil tinha 9,2 milhões de pessoas que recebiam o salário mínimo como renda do trabalho em 2017, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Anual. Outros 16,8 milhões recebem benefícios de Previdência e sociais no valor do mínimo, somando 26 milhões de pessoas que serão diretamente afetadas pela mudança de regras no próximo ano, ou 18% do eleitorado brasileiro.

Do ponto de vista fiscal, ao indexar benefícios previdenciários, políticas de emprego (abono e seguro-desemprego) e benefícios assistenciais, a política do salário mínimo afeta 30% de toda a despesa primária federal ou R$ 383 bilhões, segundo cálculo de Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV). Assim, cada 1% de aumento real do mínimo implica em gasto público adicional de R$ 3,8 bilhões.

Sindicalistas são unânimes ao defender a manutenção da política de valorização do salário mínimo. De acordo com o presidente interino da Força Sindical, Miguel Torres, a política de valorização do salário mínimo é uma forma de distribuir renda. “Vale lembrar que a valorização do salário mínimo é uma conquista do movimento sindical, que apresentou a proposta e lutou para sua implementação em 2006”, destaca o sindicalista.

Todos reconhecem que a valorização do mínimo contribuiu decisivamente para amortecer os impactos da crise mundial do capitalismo no Brasil. “A valorização do salário mínimo fortaleceu o mercado interno e compensou, em grande medida, a dramática queda das exportações”, avalia Ricardo Patah, presidente da UGT.

Adilson Araújo, presidente da CTB, destaca que o projeto de retomada do desenvolvimento pela retomada da política do aumento real do salário mínimo que inaugurou uma verdadeira revolução no país a época.

“A política de valorização do salário mínimo foi uma das conquistas mais importantes da classe trabalhadora obtida nos governos Lula e Dilma (2003/2016). A valorização do mínimo garantiu a transferência real de renda para as mãos dos trabalhadores e trabalhadoras e, por consequência, gerou aquecimento do mercado interno. Essa política não só diminui base pirâmide social, garantiu avanços concretos”, lembra Araújo.

Entre os programas dos candidatos com maior intenção de voto, o único a mencionar a expressão “salário mínimo” é o do PT, que prevê a “manutenção da política de valorização do salário mínimo”. Em declarações à imprensa, Geraldo Alckmin (PSDB) também disse que, se eleito, manterá o reajuste do salário mínimo acima da inflação.

A equipe econômica de Ciro Gomes (PDT) diz que a intenção do candidato é manter alguma forma de ganho real. “Mas não está fechado como seria essa regra”, afirma Nelson Marconi, professor da FGV e um dos assessores econômicos do candidato.

Sobre a política de reajuste do mínimo, Jair Bolsonaro (PSL) disse em entrevista à GloboNews em agosto que, “quando não tem uma nova proposta, se mantém a que está em vigor”. Já a equipe de Marina Silva (Rede) tem indicado o reajuste do mínimo apenas pela inflação, sem ganho real.

“No curto prazo, dada a dramaticidade da situação fiscal no Brasil, não vamos poder continuar naquela toada de aumento muito expressivo do salário mínimo real, vamos ter que dar uma pausa, mantendo o poder de compra”, disse Eduardo Giannetti, responsável pelo programa econômico de Marina, também em entrevista à GloboNews.

Fabio Giambiagi, economista do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), compartilha da visão de que não há espaço fiscal para manter a política de ganho real do mínimo. Segundo ele, com base em dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da Secretaria do Tesouro Nacional, o valor da despesa pública com benefícios até um salário mínimo passou de 1,4% do PIB em 1997 para 4,2% em 2017. “Essa trajetória de elevação é inconsistente com o teto [de gastos]”, afirma.

Giambiagi defende que a nova lei determine o reajuste do mínimo somente pelo INPC, por um prazo de oito a 12 anos. A mudança, via lei ordinária e que só dependeria de maioria simples no Congresso, seria politicamente mais factível do que desvincular benefícios previdenciários e sociais do salário mínimo, o que exigiria emenda constitucional e o voto de maioria qualificada.

O economista do BNDES argumenta ainda que aqueles que recebem o mínimo não estão hoje entre os mais pobres do país e que, para melhorar a vida dessa parcela da população, políticas focadas como o Bolsa Família são mais adequadas. “O país deveria ter a maturidade para entender que isso [a regra de valorização do mínimo] não pode mais ser prioritário, pois essa política está comprometendo os níveis de bem-estar da sociedade brasileira, que nos últimos anos está amargando redução real da despesa com saúde e educação”, diz.

Pires, do Ibre-FGV, lembra que a regra atual já representou uma moderação em relação à política anterior, quando o reajuste era negociado ano a ano no Congresso, ficando vulnerável a pressões políticas. “De 2015 para cá, há uma deterioração dos resultados fiscais que coloca um limite mais apertado”, afirma. “Acredito então que se deve avançar nessa tendência de moderação”, diz.

O economista da FGV defende então que o PIB per capita, e não mais a variação do PIB, seja usado como referência para a correção real dos salários, por ser uma medida mais aderente ao avanço da produtividade. Para reduzir a volatilidade dos reajustes entre anos com crescimento e queda do PIB, Pires sugere ainda que seja utilizada uma média móvel do PIB per capita em quatro anos.

Num exercício feito pelo economista, mantida a regra de reajuste atual, com o PIB como referência, o impacto fiscal seria de R$ 96,8 bilhões de 2020 a 2023. Usando o PIB per capita, cairia a R$ 85,7 bilhões. Com o PIB per capita em uma média móvel de quatro anos, o efeito fiscal seria ainda menor, de R$ 65,8 bilhões. Já com o reajuste somente pela inflação, o peso nas contas públicas iria a R$ 61,3 bilhões até 2023.

Menezes, do Insper, reforça o papel da política de valorização do mínimo na redução da desigualdade no país nas últimas décadas, principalmente por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), pago a idosos carentes e pessoas com deficiência, mas também através do aumento do poder de compra dos trabalhadores assalariados.

“Acredito que daqui para frente será preciso fazer uma mudança da regra, mas não aboli-la”, defende o economista, também favorável ao modelo que toma o PIB per capita como referência para os reajustes, em lugar do PIB.

O professor do Insper concorda que os que recebem o mínimo não estão mais entre a parcela mais pobre, mas avalia que isso não significa que estão remediados. Além disso, a sociedade brasileira continua profundamente desigual, diz.

“Há uma preocupação grande com a eficiência e sustentabilidade das contas públicas, mas sempre pensando na parte de baixo da distribuição [de renda]. Por que não pensar na parte de cima?”, questiona, citando medidas como impostos sobre herança, revisão de benefícios e desonerações e taxação de dividendos, que poderiam contribuir para esse equilíbrio.

Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, foi um dos responsáveis pela concepção da regra atual e defende a sua manutenção. Ele lembra que a política vigente evitou ajustes maiores no passado e, na crise recente, impediu que o mínimo sofresse desvalorização.

“Considerando o conjunto de problemas que o futuro presidente terá que enfrentar, mexer num instrumento que está pacificado e que não existe pressão para mudança seria uma iniciativa temerária”, avalia Dedecca.

Para ele, uma nova regra com reajuste baseado apenas na inflação, sem ganho real, não encontraria legitimidade na sociedade. “Há um reconhecimento de que o valor é baixo e que é necessária valorização, especialmente após um período de recessão prolongada”, diz.

FONTE: Valor Econômico

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